Denegrindo a imagem
Durante a ditadura militar, centenas de pessoas foram desaparecidas. Só mais recentemente foram sendo descobertas as ossadas. Muitos ainda continuam com destino dos corpos ignorados.
Essa prática hedionda de assassinatos e ocultamento de cadáveres está agora ressurgindo no campo, e mais precisamente entre os Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul. Dra. Michael denunciou, recentemente, essa prática, manifestando sua veemente repulsa e preocupação com essa prática criminosa. Foram três corpos de Guarani ocultados pelos matadores a serviço de interesses do agronegócio, nos últimos três anos, desde o professor Rolindo Véra, em Ypo’i (outubro de 2009) até o cacique Nisio Gomes, do tekohá Guaiviry, no dia 18 novembro de 2011.
Causa estranheza a insistência com que os setores responsáveis pela elucidação e punição do crime têm insistido na tese do “desaparecido”. Na nota à opinião pública (21-12-2011) algumas perguntas permaneceram no ar, por estarem em contradição, como a utilização de camionete no ataque. Porém, a pergunta fundamental é: onde estão os corpos do professor Rolindo Véra e do cacique Nisio Gomes? Por que foi sugerido o arquivamento do inquérito relativo aos assassinatos de Jenival e Rolindo Véra? Por que não foi até agora acolhido pelo juiz federal de Ponta Porã o pedido do Ministério Público Federal que indiciou seis como participantes no ataque e mortes e solicitou a reabertura do inquérito pela Polícia Federal? Assim se manifestou o procurador Thiago da Luz, no dia 19 de novembro: “É intrigante constatar que pelo menos seis indígenas, as únicas testemunhas oculares dos fatos, em depoimentos detalhados, verossímeis e harmônicos, prestados logo após os crimes, tenham expressamente nominado e reconhecido três indivíduos que participaram direta e pessoalmente do violento ataque a Ypo´i e nenhuma delas tenha sido sequer indiciada pela autoridade policial, que concluiu o caso sugerindo o arquivamento. Pergunto-me: quantos testemunhos mais seriam necessários? Depoimentos de índios não valem nada?”.
Quanto ao seqüestro do corpo do cacique Nisio Gomes, e o tratamento dado pela Polícia Federal, se esmerando em tratar o caso como “desaparecido”, a organização maior dos Kaiowá Guarani, a Aty Guasu, assim se manifestou: “No que diz respeito ao xamã Nisio Gomes, nós lideranças-investigadores da Aty Guasu investigamos rigorosamente o caso do líder xamã Nisio Gomes, ouvimos em detalhe todos os rezadores, parentes, irmãos(ãs), filhas(os), netos(as) de modo repetitivo, na grande assembléia Aty Guasu. A partir de todos os depoimentos ouvidos e analisados no seio da Aty Guasu concluímos que a liderança religiosa Nísio Gomes de fato foi massacrado, assassinado e levado do tekoha Guaiviry no dia 18/11/2011 pelos pistoleiros das fazendas. Esta é a conclusão definitiva que prevalece entre nós todos, os povos Guarani e Kaiowá” (Nota por Conselho da Aty Guasu).
Muitas dúvidas e interrogações permanecem no ar. Se Nisio estivesse vivo, a quem interessaria não revelar esse fato? Por que as dez pessoas apontadas como responsáveis pela brutal agressão, não foram presas, uma vez que sua prisão foi solicitada pela Polícia Federal? Por que os três apontados como responsáveis pelo crime, ficaram apenas presos por alguns dias e foram logo libertados?
A agressão à comunidade de Guaiviry e o assassinato do cacique Nisio foram amplamente denunciados nacional e internacionalmente. O total silêncio das autoridades com relação ao fato (governador Pucinelli e presidente Dilma) são no mínimo sintomáticos, e alimentam a impunidade. É um fato revelador da gravidade da extrema violência a que estão submetidos os Kaiowá Guarani, sem que se tomem medidas efetivas para atacar as causas dessa situação genocida, ou seja, a demarcação das terras indígenas.
Fatos semelhantes denigrem a imagem do nosso país interna e externamente. Não é mais possível conviver com o etnocídio e a impunidade.
A partir de janeiro será exposto um placar da impunidade, até que se elucidem os fatos, localize os corpos e puna exemplarmente os culpados.
Egon Heck
Povo Guarani Grande Povo – final do ano de 2011
Cimi 40 anos