Mensagem da 39ª Assembleia da Cáritas do Rio Grande do Sul
A Cáritas do Rio Grande do Sul, reunida em sua 39ª Assembleia Regional
A Cáritas faz suas as angústias e inseguranças, junto com as lutas e esperanças da grande maioria das pessoas que vivem no planeta Terra. É muito grave a crise criada e multiplicada pela dominação do capital financeiro em todo o mundo. Até os países com mais riqueza material estão sendo atingidos por ela. A teimosia de seguir pelo mesmo caminho, como se fosse o único possível, está gerando a concentração cada dia maior da renda e da riqueza em poucos grupos transnacionais, ao lado de Estados cada dia mais endividados e submetidos aos interesses e poder dos banqueiros e de uma população que se sente agredida pelo desemprego, pela desvalorização do salário e aposentadorias, pelo aumento de impostos e pela privatização da saúde, da educação e dos demais direitos antes assegurados por políticas sociais universais.
Na CF deste ano nos demos conta de que o desequilíbrio da Terra, que toma a forma de aquecimento global e de mudanças climáticas, também foi provocado e é agravado por esse mesmo tipo de economia capitalista. E na 17ª Conferência da ONU sobre o Clima, que está sendo realizada em Durban, na África do Sul, em vez de avançar em acordos para salvar a vida na Terra, os países ricos e os grupos econômicos dominantes querem usar até os desastres provocados por eles para promover mais negócios capitalistas especulativos, inventando o que vai sendo chamado de Economia Capitalista Verde.
Repudiamos e questionamos severamente os projetos faraônicos, patrocinados pelo PAC e por obras para a Copa de 2014. Parecem ser a única forma de o Brasil crescer no cenário mundial, com usinas hidrelétricas que excluem populações e povoados, escravizam mão de obra, causam enormes impactos socioambientais, o que ocorre também no Rio Grande do Sul com uma série de barragens, de modo especial no Rio Uruguai (Garrabi e Panambi), e com obras da Copa que também expulsam comunidades e contam com recursos públicos sem licitação, porta aberta para desvios e corrupção.
Repudiamos o texto do Código Florestal em votação no Senado. Da maneira como se apresenta, será um grande retrocesso, e a serviço dos interesses da elite agrária brasileira e de corporações internacionais, contrários ao bem comum. Garante “acesso livre” para impor os interesses de uma minoria que propaga a falsa idéia de um desenvolvimento que desrespeita limites da ação humana. O projeto fragiliza a proteção das poucas florestas ainda conservadas, anistiando quem cometeu crimes ambientais e permitindo o aumento do desmatamento. Os morros perderão sua proteção, sujeitados a novas ocupações agropecuárias que já se mostraram equivocadas. A floresta amazônica terá sua proteção diminuída, abrindo-a a qualquer tipo de ocupação, prejudicando quem até hoje as utiliza de forma sustentável. Consolidará um retrocesso nacional da questão ambiental. Junto com o Conselho Episcopal da CNBB, insistimos que, no novo Código Florestal, haja equilíbrio entre justiça social, economia e ecologia, como uma forma de garantir e proteger as comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas e de defender os grupos que sabem produzir em interação e respeito com a natureza.
É vergonhoso para todos nós, brasileiros e brasileiras, que após 20 anos da promulgação da Constituição Federal, em que se estabeleceu o prazo de cinco anos para o governo federal demarcar todas as áreas indígenas, ainda existam situações conflitivas e etnocidas como a vivida pelo povo Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul. É inaceitável que, no Rio Grande do Sul, haja aproximadamente 350 famílias Guarani morando na beira de estradas ou em pequenas áreas degradadas. Urge, por isso, demarcar todas as terras indígenas, evitando o massacre e o extermínio dos povos originários do Brasil.
Também é vergonhoso que, depois de séculos de escravidão, ainda haja populações quilombolas sem seu direito à terra coletiva reconhecido pela sociedade e sem a titulação que garanta este direito. No Rio Grande do Sul já foram identificadas cerca de 200 áreas quilombolas, que esperam pela ação de demarcação e titulação do Governo Federal. É preciso reforçar com recursos humanos e financeiros os órgãos públicos responsáveis pela política de reconhecimento dos direitos constitucionais dessas comunidades para que possam exercer suas funções. E repudiamos qualquer tentativa de parar com os processos de titulação que estão em andamento.
Não aceitamos, junto com a população, que se diga não haver recursos para garantir os direitos sociais e o piso salarial nacional dos professores e de outros servidores públicos, quando se multiplicam denúncias e comprovações de corrupção e de desvios de recursos públicos, muitas vezes fruto de alianças partidárias em vista de uma “governabilidade” que coloca em risco o bem comum. A geração de superávit pelo governo para pagamento de juros aos banqueiros e especuladores compromete boa parte dos recursos arrecadados pelos impostos pagos pela população.
Enquanto os envolvidos em corrupção são quase sempre absolvidos e não devolvem os recursos criminosamente desviados de suas finalidades, generaliza-se a criminalização dos movimentos e entidades da sociedade civil que se dedicam a iniciativas em favor dos empobrecidos. Usa-se a existência de algumas práticas que se afastam de seus objetivos para criminalizar todos os movimentos e entidades que defendem e lutam democraticamente em favor da garantia dos direitos sociais, criticando e enfrentando as causas da desigualdade e da injustiça, unindo-se a todas as forças empenhadas na construção de uma sociedade inspirada no Bem Viver, em que todas as pessoas convivam comunitariamente e se relacionem harmoniosamente com a Terra.
No desejo de buscar a coerência entre a missão proclamada e a prática exercida, conforme Jesus Cristo nos ensinou, assumimos os seguintes compromissos, enquanto Cáritas do RS:
– promover e fortalecer iniciativas locais e territoriais de desenvolvimento solidário e sustentável, na perspectiva da defesa e cuidado com o meio ambiente e a biodiversidade, compreendendo-o como nossa casa comum, com ênfase para a temática das emergências socioambientais;
– potencializar iniciativas que promovam a agroecologia, a segurança e soberania alimentar, o trabalho coletivo e a economia popular solidária;
– atuar na promoção e mobilização em defesa da vida e garantia de direitos, sobretudo das pessoas mais fragilizadas pela histórica negação de seus direitos: as mulheres, os povos indígenas, as comunidades quilombolas, as crianças, adolescentes e juventudes;
– promover a organização e o trabalho do voluntariado, enquanto um valor que faz parte da história da Cáritas e é fundamental para o trabalho nas ações concretas de base;
– contribuir na dinamização da 5ª Semana Social Brasileira em conjunto com as Pastorais Sociais, CEBs e demais dimensões da CNBB, e aprofundar parcerias com outras Igrejas cristãs, com movimentos, redes e entidades da sociedade civil, buscando, sempre que possível, contemplar a dimensão ecumênica e o diálogo interreligioso em nossas ações;
– reforçar a Rede Permanente de Solidariedade e contribuir com a animação de campanhas, sobretudo a Campanha da Fraternidade, fortalecendo os fundos solidários;
Conscientes de que a realidade sociopolítica nos desafia e o Evangelho nos interpela, colocamo-nos a caminho, desejando contribuir para que uma nova etapa de semeaduras se inicie e que esse novo tempo fortaleça a dimensão profética da Cáritas, enquanto organismo da Igreja com compromisso social e cristão.
Santa Maria, 02 de dezembro de 2011.