Tiro na bandeira
O primeiro tiro foi na cabeça. Nisio já há algum tempo usava um simpático chapéu no qual estava estampada a bandeira do Brasil. Um rombo na bandeira mostra o tiro covarde que tirou a vida do cacique-Nhanderu Nisio Gomes, naquela fatídica madrugada do dia 18 de novembro. Não apenas rasgaram a bandeira, mas a perfuraram com várias balas calibre 12.
Onde está o corpo de Nisio, cadê as adolescentes seqüestradas?
Já se passaram mais de 50 horas e nenhuma informação sobre o corpo, nenhuma informação sobre o corpo do líder Kaiowá Guarani assassinado pelos pistoleiros. Alguns ônibus com os parentes já foram para Guaiviry, para participar da despedida e sepultamento do cacique em seu tekohá. Muita apreensão pela demora de encontrar o corpo. Para onde terá sido levado? Estará no Brasil ou no Paraguai? Terá sido queimado? Essas são algumas das interrogações que os Kaiowá Guarani se fazem nesta hora angustiante em que esperam o corpo de seu líder.
As notícias que chegam da região dão conta de que existe uma mobilização das aldeias da região para o tekohá Guaiviy. Eles querem informações. Exigem respostas. Querem uma atuação ágil e intensa dos órgãos de segurança que estão agindo na apuração dos fatos. Exigem justiça, punição dos responsáveis. Enquanto não houver respostas esclarecedoras dos fatos e do destino do corpo e das pessoas seqüestradas, o movimento Kaiowá Guarani, através do Conselho da Aty Guasu continuará cobrando do governo brasileiro medidas urgentes neste sentido.
Foi instaurado inquérito pela Polícia Federal. O Ministério Público Federal também está acompanhando de perto as investigações. De imediato, a comunidade de Guaiviry pede segurança e proteção para os membros do seu povo.
Guaiviry é um dos mais de 30 acampamentos indígenas do Cone Sul do Mato Grosso do Sul. Há uma semana terminava o primeiro encontro dos acampamentos. Na carta final mais de uma centena de Kaiowá Guarani, Terena e Kinikinawa participantes, assim se referiram à situação: “Realizamos este evento com nossos corações cheios de angústia, porque, ao mesmo tempo em que aqui estamos discutindo nossa situação, recebemos a notícia de que nossos irmãos Kaiowá do acampamento de Guaiviry retornaram novamente, há alguns dias, ao seu tekohá e encontram-se, neste momento, cercados por jagunços a serviço dos fazendeiros. Além da ameaça de ataques violentos, agora sofrem com a fome, em função do covarde cerco a que são submetidos. Tememos pela vida e integridade física de nossos parentes. Advertimos que qualquer agressão que acontecer será de responsabilidade das autoridades brasileiras”.
Quatro dias após o término desse encontro, com a advertência de responsabilidades sobre qualquer agressão e violência contra os acampamentos, ocorreu o ataque ao Guaiviry, com assassinato do cacique-Nhanderu Nisio Gomes e o sequestro de dois adolescentes.
Rasgaram a Constituição! Furaram a bandeira e a cabeça do lutador Nisio! Até quando essa certeza da impunidade continuará campeando, ceifando vidas?
Egon Heck
Povo Guarani Grande Povo, novembro de 2011.