16/11/2011

Tekoharã – união e luta Kaiowá Guarani, Terena pela terra

Chuva fina, benção grande. O cenário de alegria envolvendo todo o acampamento Kaiowá Gaurani do Ita’y foi memorável. A chuva fina e a lama, ao contrário de serem percebidos como obstáculos ou inconvenientes, foram palco e cenário de um momento ímpar na busca de união e força entre os povos indígenas acampados no Mato Grosso do sul.

 

A despedida ritual mais parecia uma recepção festiva, de guerreiros vencedores, trazendo alegria e força, a um povo em situação permanente de tensão, violência e guerra secular.

 

Clique aqui e acesse o documento do encontro.

 

A luta tem nome e rumo

 

Além do forte tom de denúncia que perpassou o encontro, as lideranças buscaram a união de forças de seu povo em torno do objetivo maior, qual seja a reconquista, a retomada de seus territórios-terras tradicionais. Foram dois dias de socialização das lutas, anseios e desafios de cada acampamento. Mas não ficaram só na constatação do absurdo sofrimento que enfrentam, na sobrevivência à beira das estradas, nas retomadas, nas periferias das cidades, nos fundos de fazenda ou nos refúgios nos confinamentos. Foi um ponto de convergência de um processo que promete ser duro e prolongado, na busca da paz em suas terras, na marene’y, terra sem males.

 

Mais de 200 participantes, de 27 acampamentos indígenas (tekoharã) celebraram um momento histórico. A partir das realidades vivenciadas, buscaram o entendimento das leis nacionais e internacionais que protegem e garantem seus direitos. Tiveram a presença e apoio importante de advogados indígenas e não indígenas, de acadêmicos de direito apoiados pela Rede de Saberes, e outros professores de universidades e apoiadores como o Cimi, Comissão Indígena da OAB, dentre outros. De grande importância foi a presença do povo Terena da retomada do Mãe Terra e Charqueda, da Terra Indígena Cachoeirinha, município de Miranda. Eles vieram trazer solidariedade às lutas Kaiowá Guarani e também deles aprender o processo organizativo tradicional, como é a Aty Guasu.

 

O encontro aconteceu no tekoharã (acampamento indígena) de Ita’y, no município de Douradina, há 45 km de Dourados. A comunidade se esmerou em preparar tudo com muito carinho, criatividade e eficácia. Com pouco dinheiro e muita confiança deram um exemplo de rumo para a luta do movimento Kaiowá Guarani e Terena no Mato Grosso do Sul. Nem o vento forte que rasgou as lonas e a chuva que encharcou o solo, abateram o ânimo dos participantes.

 

Os grandes ausentes foram as “autoridades”. Os órgãos com responsabilidades com os direitos indígenas foram convidados, porém não se fizeram presentes. Para as lideranças indígenas isso é sintomático da situação contraditória em que se encontram, de defender e proteger os direitos indígenas sem contrariar os interesses do poder político e econômico e seu projeto desenvolvimentista.

 

Guaiviry, mais uma comunidade sitiada, deixa os participantes indignados com essa ameaça de genocídio de uma comunidade. Elvira e Juliana, duas mulheres do grupo de Guaiviry, estiveram fazendo a denúncia e o apelo, entre lágrimas e revolta.

 

Na carta do encontro, os participantes responsabilizam o Governo Federal por qualquer agressão que o grupo vier a sofrer e pedem medidas urgentes. “Realizamos este evento com nossos corações cheios de angústia, porque, ao mesmo tempo em que aqui estamos discutindo nossa situação, recebemos a notícia de que nossos irmãos Kaiowá do acampamento de Guaiviry retornaram novamente, há alguns dias, ao seu tekohá e encontram-se, neste momento, cercados por jagunços a serviço dos fazendeiros. Além da ameaça de ataques violentos, agora sofrem com a fome, em função do covarde cerco a que são submetidos. Tememos pela vida e integridade física de nossos parentes. Advertimos que qualquer agressão que acontecer será de responsabilidade das autoridades brasileiras”.

 

“Já fizemos montes de documentos, e quase nada de resultados. São rapidamente engavetados… Precisamos partir para a ação. E o único caminho de pressão que resta pra gente são as retomadas. A volta para nossos tekohá, tekoharã”. Nestes termos se manifestaram várias lideranças Kaiowá Guarani e Terena.

 

Teoria e prática – acadêmicos presente

 

Uma das novidades aplaudidas foi a presença de mais de uma dezena de acadêmicos indígenas participantes ativamente nos trabalhos do encontro. Advogados indígenas assessoraram os grupos de trabalho, enquanto outros realizavam atividades artísticas e lúdicas com as crianças da comunidade.

 

Também indígenas da área de comunicação buscaram fazer uma ampla cobertura do evento, visando produzir e disponibilizar a memória para as comunidades e dar visibilidade à opinião pública nacional e internacional.

 

Jeroky Guasu – a luta e a reza continuam

 

Sob chuva fina, o grupo dos participantes do Encontro dos Tekoharã (acampamentos indígenas) se dirigiram ao Tekoharã Laranjeira Nhanderu, para o momento de rituais e rezas, por todos os tekoharã, mas principalmente pela comunidade sobre a qual novamente pesa uma ordem de despejo.

 

O acesso à comunidade estava interrompido por uma grade de arar. Todos seguiram a pé por 3 km até o local do encontro. Nada foi capaz de deter a decisão do movimento indígena que havia planejado e preparado esse encontro. Desde a invasão dos portugueses, há mais de 500 anos, os Guarani não se deixaram aprisionar pelos interesses dos invasores. Essa luta secular continua.

 

Apesar de ameaças e intimidações, a Jeroky Guasu em Laranjeira Nhanderu, prossegue, até amanhã ao meio dia.

 

Na carta do encontro reiteram a firme decisão de continuar a luta até a reconquista de suas terras e territórios tradicionais. “A nossa voz, o nosso conhecimento, nossa sabedoria milenar e a nossa espiritualidade serão as ferramentas de nossa luta pela retomada de nossas terras. Jamais vamos desistir e vamos avançar cada vez mais até que o último palmo de nossa terra nos seja entregue! Com as orações de nossos Nhanderú e Nhandesy vamos retomar todas as nossas terras tradicionais, menos cedo ou menos tarde. Resistimos por mais de 500 anos e não vai ser agora que iremos parar com nossas lutas.”

 

Egon Heck

Cimi 40 anos, equipe Dourados, 15 de novembro de 2011

Povo Guarani Grande Povo

 

Fonte: Cimi - Regional Mato Grosso do Sul
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