Tekoharã – união e luta Kaiowá Guarani, Terena pela terra
Chuva fina, benção grande. O cenário de alegria envolvendo todo o acampamento Kaiowá Gaurani do Ita’y foi memorável. A chuva fina e a lama, ao contrário de serem percebidos como obstáculos ou inconvenientes, foram palco e cenário de um momento ímpar na busca de união e força entre os povos indígenas acampados no Mato Grosso do sul.
A despedida ritual mais parecia uma recepção festiva, de guerreiros vencedores, trazendo alegria e força, a um povo em situação permanente de tensão, violência e guerra secular.
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A luta tem nome e rumo
Além do forte tom de denúncia que perpassou o encontro, as lideranças buscaram a união de forças de seu povo em torno do objetivo maior, qual seja a reconquista, a retomada de seus territórios-terras tradicionais. Foram dois dias de socialização das lutas, anseios e desafios de cada acampamento. Mas não ficaram só na constatação do absurdo sofrimento que enfrentam, na sobrevivência à beira das estradas, nas retomadas, nas periferias das cidades, nos fundos de fazenda ou nos refúgios nos confinamentos. Foi um ponto de convergência de um processo que promete ser duro e prolongado, na busca da paz em suas terras, na marene’y, terra sem males.
Mais de 200 participantes, de 27 acampamentos indígenas (tekoharã) celebraram um momento histórico. A partir das realidades vivenciadas, buscaram o entendimento das leis nacionais e internacionais que protegem e garantem seus direitos. Tiveram a presença e apoio importante de advogados indígenas e não indígenas, de acadêmicos de direito apoiados pela Rede de Saberes, e outros professores de universidades e apoiadores como o Cimi, Comissão Indígena da OAB, dentre outros. De grande importância foi a presença do povo Terena da retomada do Mãe Terra e Charqueda, da Terra Indígena Cachoeirinha, município de Miranda. Eles vieram trazer solidariedade às lutas Kaiowá Guarani e também deles aprender o processo organizativo tradicional, como é a Aty Guasu.
O encontro aconteceu no tekoharã (acampamento indígena) de Ita’y, no município de Douradina, há
Os grandes ausentes foram as “autoridades”. Os órgãos com responsabilidades com os direitos indígenas foram convidados, porém não se fizeram presentes. Para as lideranças indígenas isso é sintomático da situação contraditória em que se encontram, de defender e proteger os direitos indígenas sem contrariar os interesses do poder político e econômico e seu projeto desenvolvimentista.
Guaiviry, mais uma comunidade sitiada, deixa os participantes indignados com essa ameaça de genocídio de uma comunidade. Elvira e Juliana, duas mulheres do grupo de Guaiviry, estiveram fazendo a denúncia e o apelo, entre lágrimas e revolta.
Na carta do encontro, os participantes responsabilizam o Governo Federal por qualquer agressão que o grupo vier a sofrer e pedem medidas urgentes. “Realizamos este evento com nossos corações cheios de angústia, porque, ao mesmo tempo em que aqui estamos discutindo nossa situação, recebemos a notícia de que nossos irmãos Kaiowá do acampamento de Guaiviry retornaram novamente, há alguns dias, ao seu tekohá e encontram-se, neste momento, cercados por jagunços a serviço dos fazendeiros. Além da ameaça de ataques violentos, agora sofrem com a fome, em função do covarde cerco a que são submetidos. Tememos pela vida e integridade física de nossos parentes. Advertimos que qualquer agressão que acontecer será de responsabilidade das autoridades brasileiras”.
“Já fizemos montes de documentos, e quase nada de resultados. São rapidamente engavetados… Precisamos partir para a ação. E o único caminho de pressão que resta pra gente são as retomadas. A volta para nossos tekohá, tekoharã”. Nestes termos se manifestaram várias lideranças Kaiowá Guarani e Terena.
Teoria e prática – acadêmicos presente
Uma das novidades aplaudidas foi a presença de mais de uma dezena de acadêmicos indígenas participantes ativamente nos trabalhos do encontro. Advogados indígenas assessoraram os grupos de trabalho, enquanto outros realizavam atividades artísticas e lúdicas com as crianças da comunidade.
Também indígenas da área de comunicação buscaram fazer uma ampla cobertura do evento, visando produzir e disponibilizar a memória para as comunidades e dar visibilidade à opinião pública nacional e internacional.
Jeroky Guasu – a luta e a reza continuam
Sob chuva fina, o grupo dos participantes do Encontro dos Tekoharã (acampamentos indígenas) se dirigiram ao Tekoharã Laranjeira Nhanderu, para o momento de rituais e rezas, por todos os tekoharã, mas principalmente pela comunidade sobre a qual novamente pesa uma ordem de despejo.
O acesso à comunidade estava interrompido por uma grade de arar. Todos seguiram a pé por
Apesar de ameaças e intimidações, a Jeroky Guasu
Na carta do encontro reiteram a firme decisão de continuar a luta até a reconquista de suas terras e territórios tradicionais. “A nossa voz, o nosso conhecimento, nossa sabedoria milenar e a nossa espiritualidade serão as ferramentas de nossa luta pela retomada de nossas terras. Jamais vamos desistir e vamos avançar cada vez mais até que o último palmo de nossa terra nos seja entregue! Com as orações de nossos Nhanderú e Nhandesy vamos retomar todas as nossas terras tradicionais, menos cedo ou menos tarde. Resistimos por mais de 500 anos e não vai ser agora que iremos parar com nossas lutas.”
Egon Heck
Cimi 40 anos, equipe Dourados, 15 de novembro de 2011
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