09/11/2011

Informe nº 989: Povos indígenas lançam manifesto em audiência da Comissão de Direitos Humanos do Senado

Renato Santana

De Brasília

 

Audiência Pública da Comissão de Direitos Humanos do Senado, ocorrida na manhã desta quarta-feira (9) para tratar da Terra Indígena Maró (PA), foi o espaço escolhido por 75 organizações indígenas e indigenistas para o lançamento do manifesto contra as últimas medidas administrativas e políticas do governo Dilma Rousseff. As críticas são duras e a chamada do documento é: Perversidade e Autoritarismo: Governo Dilma edita portarias de restrição e desconstrução de direitos territoriais indígenas e quilombolas.

 

O momento, entretanto, é histórico: somadas, as organizações indígenas representam mais de 200 povos originários de todas as regiões do país que protestam contra as restrições “ao alcance dos direitos constitucionais dos povos indígenas e das comunidades quilombolas”, conforme texto do manifesto, motivadas pelas ações governamentais.

 

Depois que a bancada indígena esvaziou a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) e rompeu diálogo com o governo federal, até que a presidenta receba os indígenas – atitude que Dilma se nega a tomar, o manifesto cela a indignação e revolta dos povos que tomaram corpo em mobilizações por todo o país.

 

A sede da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Imperatriz, município do Maranhão, está ocupada há mais de uma semana. Ocupações semelhantes ocorreram em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul. Nos últimos meses, mobilizações de protesto ocorreram em São Paulo, Paraná, Bahia e Pará.

 

Nas pautas, o não cumprimento dos direitos constitucionais indígenas. Caso mais recente foi a ocupação do canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, na região de Altamira (PA), por cerca de 600 integrantes de comunidades tradicionais. As comunidades indígenas, ribeirinhas e de pescadores não foram consultadas sobre o empreendimento, conforme exige a Constituição, entre outras violações.

 

Para o manifesto, a gota d água foi a publicação, no último dia 28, da Portaria Interministerial 419. Com ela, o governo federal busca regulamentar, ao arrepio da Constituição e respondendo aos interesses políticos de aliados, a atuação da Funai, da Fundação Cultural Palmares (FCP), do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e do Ministério da Saúde em pareceres aos processos de licenciamentos ambientais – tais como o de empreendimentos como o de Belo Monte.

 

Na Portaria Interministerial, no artigo 2º, fica estabelecido que o governo só irá considerar Terra Indígena aquela que tem seus limites estabelecidos pela Funai. Contraria assim o artigo 231 da Constituição ao restringir o conceito de Terra Indígena, mais amplo. Com apenas uma canetada, conforme o manifesto, ignora cerca de 346 terras indígenas reivindicadas pelos povos, mas que não tiveram procedimentos administrativos iniciados pela Funai.

 

Situação triste e calamitosa

 

“No assunto dessa audiência soma-se o desespero de todos os outros povos indígenas do país, tanto os que estão com suas terras demarcadas quanto os que não estão, por todo o fato que está presente na carta”, frisou Kleber Karipuna, representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), que fez a leitura do manifesto.

 

O indígena acrescentou que os povos vivem uma situação “triste e calamitosa” na área da saúde. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) não atende as políticas de atenção aos indígenas. “As portarias do governo federal aprofundam a situação de abandono e vão de encontro aos nossos direitos, garantidos na Constituição, na Convenção 169”, disse Kleber.  

 

Exigiu a revogação imediata da Portaria 419 e das demais que atentam contra as comunidades tradicionais – indígena e quilombola. “Não estamos sendo ouvidos e sequer considerados”,

 

A encenação democrática do governo, de acordo com o manifesto, “impõem limites à participação das comunidades nas discussões, debates e decisões a serem tomadas sobre os programas e empreendimentos econômicos que afetam direta ou indiretamente suas comunidades, terras, culturas, história e as suas perspectivas de futuro”.

 

Para Rosane Kaingang, da Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros (Apib), as portarias e posturas da presidenta Dilma apenas asseguram a lucratividade aos empreendimentos das grandes corporações econômicas – com destaque para as empreiteiras.

 

“Quando o Estado brasileiro viola uma legislação e os nossos direitos, seja dos indígenas, quilombolas e as ditas ‘minorias’, vamos recorrer a quem? Porque essas portarias representam violências físicas, culturais, sociais e de direitos”, atacou Rosane. Entre lágrimas, ressaltou que até o momento a presidenta Dilma sequer sinalizou em receber o movimento indígena. “É doloroso porque o Estado está silencioso conosco. Como mulher indígena, digo à presidenta que repense o que está fazendo conosco e venha para o diálogo. Aliás, em 500 anos é isso que estamos fazendo. Estamos cansando de fazer documentos”, disse.   

 

Vale do Javari e outras tragédias

  

“Alguém aqui pode dizer que se vive numa situação de dignidade humana quando tem que se humilhar para conseguir uma bolsa escola, uma bolsa família, uma cesta básica? É possível dizer que se tem dignidade para os indígenas quando eles não têm acesso à saúde? É uma realidade brasileira, amazônica, senador Paulo Paim (PT/RS e presidente da Comissão de Direitos Humanos)”, disse a senadora Marinor Brito (PSOL/PA).

 

A fala da senadora repercutiu entre os povos indígenas presentes – Apinajé, Tupinambá, Pataxó Hã-Hã-Hãe, Krahô, Tapuia, Karipuna, entre outros. No entanto, uma situação se destaca no cenário. No Vale do Javari, Amazônia, a morte espreita diariamente os povos indígenas que lá vivem: 85% dos índios estão infectados pelos vários tipos de hepatite e há denuncias de que quando os medicamentos chegam vencidos nas aldeias. As mortes são semanais, inclusive de crianças e adolescentes. Para enfrentar a situação, posto que o Estado não se faz presente, uma campanha nacional contra o extermínio dos povos do Vale do Javari está em curso.

 

“Queremos demonstrar para essa comissão a nossa preocupação e tornar pública a situação dos povos indígenas brasileiros. No nosso entendimento, a implementação do projeto de desenvolvimento na forma que está sendo implementado, mais do que colocar em risco as populações originárias está atingindo a democracia, enfraquecendo-a”, disse o secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Cleber Buzato.

 

Para o missionário, trata-se de um Estado absolutista sob os marcos de uma ditadura do capital, onde as piores barbaridades são cometidas contra as populações originárias e o meio ambiente. “São atacados de forma cruel, perversa”, denunciou Cleber.

 

Ele destacou em sua fala três situações: a calamidade na área da saúde (com ênfase sobre a situação do Vale do Javari); situação dos indígenas que vivem em acampamentos no Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul (ação de milícias contra os acampados) e a invasão de madeireiros e todo tipo de invasores – os povos indígenas do Maranhão, sobretudo os Awá-Guajá caçados por invasores dentro do Território Indígenas, e no Mato Grosso na Terra Indígena Marãiwatsédé do povo Xavante.  

 

“São situações que o Estado não pode tolerar. Estamos falando, presidente, de indígenas sendo caçados em seus próprios espaços. A Comissão poderia fazer diligências, ir ver de perto. Nossos relatórios, baseados em idas a campo, apontam que até os povos isolados estão sendo atacados, conforme vestígios. Esses povos necessitam da ajuda desta Comissão”, pediu o secretário-executivo do Cimi.

 

A Comissão de Direitos Humanos dará destaque para os três pontos levantados e reuniões de trabalho serão agendadas. “Não podemos deixar nada disso cair no esquecimento”, encerrou o senador Paulo Paim.

 

  

Fonte: Cimi
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