03/11/2011

Entre os dentes das usinas

Belo Monte lança sua penumbra sobre os insaciáveis interesses econômicos que envolvem essa insanidade de hidrelétrica, moendo entre seus dentes, as gentes e a natureza. O canteiro de obras chegou a ser ocupado por um dia pelas vítimas do megaempreendimento, tão a gosto do desenvolvimentismo acelerado do atual governo. No dia seguinte, Megaron Txukaramãe, destacada liderança da região, foi demitido da Funai, sem justificativa outra, a não ser sua firme postura contra Belo Monte.

 

Conforme Megaron, a demissão foi política. “Com certeza é por causa da minha oposição a Belo Monte e às hidrelétricas do Teles Pires e do Tapajós. Não tem outro motivo. É perseguição política. E eles são tão covardes que não me chamaram para conversar, só recebi a notificação da Funai”.

 

Sheyla Juruna vê nessa atitude, que mais parece uma atualização das atitudes da ditadura militar, uma retaliação. “A decisão da Funai assume um caráter de retaliação a partir do momento em que ocorre um dia após a ocupação do canteiro de obras de Belo Monte em Altamira, na madrugada do dia 27. É inacreditável que se trate dessa forma, com essa falta de respeito, um cacique e chefe da nação kayapó. Parece vingança mesquinha. É de uma inadmissível falta de compostura e dignidade por parte do governo brasileiro. Esta é a única resposta que ele tem a nos dar quando exigimos nossos direitos constitucionais, jogados no lixo com o projeto de Belo Monte? Acha que com isso desistiremos de lutar? É uma injustiça que me revolta, mas isso só aumenta nossa força de resistência contra Belo Monte e todas as outras hidrelétricas planejadas na nossa Amazônia”.

 

Enquanto se consegue jogar um pouco de areia na máquina maquiavélica das usinas na região amazônica, no Mato Grosso do Sul as usinas de álcool-etanol, vão de vento em popa. Para as 40 usinas ainda a serem construídas ou em construção, tudo parece céu de brigadeiro. Mesmo o fato de várias delas serem construídas em território tradicional Kaiowá Guarani, parece não ser obstáculo. Fala-se que a “insegurança jurídica” estaria afastando o capital e desvalorizando as terras. Porém, mesmo essas “ameaças” parecem não demover a expansão da agroindústria, especialmente o setor sucroalcooleiro e de celulose.

 

É neste contexto do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que se entende a atitude da presidente Dilma, chamar para si a decisão sobre a formação de qualquer Grupo de Trabalho para identificação de terras indígenas (Editorial Porantim, setembro 2011). E mais, ao invés de estimular o diálogo e debate para a definição das políticas indigenistas de seu governo, sequer se dignou de conceder audiência ao presidente da Funai.

 

Relatório de Violências contra os povos indígenas no Mato Grosso do Sul

 

Em decorrência dessas atitudes e a omissão com relação à demarcação das terras indígenas, principalmente no Mato Grosso do Sul, temos um aumento assombroso de violências, estimulado pela impunidade e não demarcação das terras. Isso ficou evidenciado no lançamento da publicação pelo Cimi Regional MS, em que as estatísticas e gráficos demonstram claramente esse processo genocida. E o mais grave é que não existe nenhum indicativo de políticas que enfrentem as causas dessa calamidade. O império da violência se desdobra em números assustadores. Dos 38 assassinatos de indígenas neste ano de 2011, 27, portanto, 71% ocorreram no Mato Grosso do Sul.

 

Segundo Lindomar Terena, “os números da violência são altos, mas não nos intimidam de lutarmos por nossos direitos. Vamos buscá-los a qualquer custo. O estado do Mato Grosso do Sul continua banhado com sangue indígena”. E pergunta: “Quantos bandidos matadores de indígenas estão presos? Enquanto isso inúmeros índios estão atrás das grades. Convido o Estado a fazer essa reflexão… Temos números para apresentar um quadro de guerra”.

 

Eliseu Lopes Kaiowá, da comunidade de Kurusu Ambá, sofreu na pele a violência de que foram vítimas nesses últimos anos. Tiveram quatro lideranças assassinadas, várias feridas e presas. Ele mesmo sofreu uma acusação injusta que o obrigou a ficar fora de sua comunidade. “O Estado vem massacrando nossas comunidades no Mato Grosso do Sul. Matar um índio que luta pelos seus direitos é que nem matar um cachorro. Os índios enfrentam as balas com sua arma que é o mbaraka (instrumento de ritual). Somos um incômodo para o Estado. Chamam-nos de terroristas. Caso o governo não demarque nossas terras, os Guarani-Kaiowá estão se organizando para demarcar nossas terras. Eu sou uma das pessoas ameaçadas. Mas essas ameaças não nos intimidam. Somos povos resistentes e vamos resistir até o fim”.

 

Dom Dimas Lara Barbosa, arcebispo de Campo Grande, disse que o evento fala por si. Por isso não apenas cedeu o espaço para a entrevista coletiva à imprensa, mas fez questão de estar presente. “Tenho percebido uma vontade muito grande dos povos indígenas, mesmo em meio a tanto sofrimento, de dialogar… Os povos indígenas nos obrigam a viver com o diferente… Precisamos levar mais informações corretas à população”. Lamentou a lentidão na demarcação das terras. Lembrou que foram cometidos erros históricos com o registro de títulos sobre as terras indígenas. Defendeu que devem ser reparados esses erros indenizando os títulos de boa fé e devolvendo as terras a seus verdadeiros donos, os povos indígenas.

 

No dia dos mortos

 

Chegamos à casa de Damiana para convidá-la para o encontro dos acampamentos indígenas, que se realizará no acampamento Ita´y, a partir do dia 12 deste mês. Como era o Dia de Finados, ela nos convidou para visitar o local do sepultamento de seu filho Sidnei, atropelado na BR-163, em junho deste ano.

 

Damiana não esconde seu sentimento de dor e revolta por se encontrar a dez anos à beira da estrada, já tendo perdido muitos dos seus entes queridos, inclusive seu marido Ilário, também morto por atropelamento.

 

Desta vez entramos numa picada, sem o temor de repressão. Lá em meio ao silêncio da mata, estava uma grande cruz, com um colar. Ao pé da cruz, sinal de velas queimadas. Lembranças com muita saudade de todos os que partiram. O mbaraká de Damiana soou no ermo da cruz, em homenagem aos lutadores de seu povo, vítimas da violência.

 

Já Chamirim Kuatiá traz à memória os dois anos do assassinato dos professores Jenivaldo e Rolindo. “O tempo passa e tudo vai ficando no esquecimento. A mídia falava o que devia e não devia, porém hoje faz dois anos que um professor guarani se encontra desaparecido. Sua família passando por situação difícil. Sua filha crescendo sem conhecê-lo ou ter noticias e seus pais na esperança de encontrar ao menos seus restos mortais. As investigações sigilosas, os boatos não investigados, mas afinal cadê Rolindo? Jenivaldo jaz em uma caixa esperando o dia de voltar a sua terra. Até quando terá que ficar sozinho no esquecimento de uma sociedade hipócrita e assassina?”.

 

Egon Heck

Cimi 40 anos – Equipe Dourados, 03 de novembro 2011.

Povo Guarani! Grande Povo!

 

Fonte: Cimi Regional MS - Equipe Dourados
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