10/10/2011

40 Anos da carta pastoral “Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social”

Há 40 anos, no dia 10 de outubro de 1971, o então padre Pedro Casaldáliga publicou sua carta pastoral “Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social". No dia 23 desse mês, o padre seria ordenado bispo da Prelazia de SÃo Felix do Araguaia.

Foi a primeira vez que se falou claramente em latifúndio, em trabalho escravo, em pistolagem, na opressão dos mais fracos, dos pobres, dos índios. Ao mesmo tempo, a carta continua atualíssimo, poderia ser escrito hoje. Após a análise da situação socio-geográfica, Pedro Casaldáliga conclama a igreja a sair de sua centralidade eurocêntrica e atuar nas rincões de opressão, contra as mazelas que asolam o povo brasileiro.

 

Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social

 

       Depois de três anos de "missão" neste norte do Mato Grosso, tentando descobrir os sinais do tempo e do lugar, juntamente com outros sacerdotes, religiosos e leigos, na palavra, no silêncio, na dor e na vida do povo, agora, com motivo da minha sagração episcopal, sinto-me na necessidade e no dever de compartilhar publicamente, como que a nível de Igreja nacional e em termos de consciência pública, a descoberta angustiosa, premente.  

        Para dar a conhecer esta Igreja às outras Igrejas irmãs, à Igreja.  

        Para pedir e possibilitar, também desde esta Igreja, uma maior comunhão, uma colegialidade mais real, uma mais decidida corresponsabilidade. Talvez também para despertar e chamar respostas e vocações concretas…  

        Nenhuma igreja pode viver isolada. Toda igreja é universal, na comunhão de uma mesma Esperança e no comum serviço do amor de Cristo que liberta e salva. " … Cada parte crescem por comunicação mútua e pelo esforço comum em ordem a alcançar a plenitude na unidade". (Lumem Gentium, 13).  

        O "momento publicitário" de projetos e realizações que a Amazônia está vivendo, e a opção de prioridade que a própria Igreja do Brasil fez por ela, através da CNBB, justificam também com nova razão esta minha declaração pública.  

        Se "a primeira missão do bispo é a de ser profeta" e "o profeta é aqueles que não têm voz daqueles que não têm voz (card. Marty), eu não poderia, honestamente, ficar de boca calada ao receber a plenitude do serviço sacerdotal.

 

(…)

Sobre "o Grito desta Igreja"

       Porque estamos aqui, aqui devemos comprometer-nos. Claramente. Até o fim. (Somente há uma prova sincera, definitiva, do amor, segundo a palavra e o exemplo do Cristo). Eu, como bispo, nesta hora de minha sagração recebo como dirigidas a mim as palavras de Paulo a Timóteo: "Não te envergonhes do testemunho de Nosso Senhor, nem de mim, seu prisioneiro, mas sofre comigo pelo Evangelho, fortificado pelo poder de Deus" (II Tim 1,8). 

 

(…)

       Queremos e devemos apoiar o nosso povo, pôr-nos ao seu lado, sofrer com ele e com ele agir. Apelamos à sua dignidade de filho de Deus e ao seu poder de teimosia e de Esperança.  

        Chamamos angustiosamente a toda a Igreja do Brasil, à qual pertencemos. Pedimos, exigimos fraternalmente, sua decisão, e a corresponsabilidade plena na oração, no testemunho, no compromisso, na colaboração de agentes e meios pastoral.

(…)

        Mais uma vez, com maior premência, publicamente, apelamos às supremas Autoridades Federais – Presidência da Republica, Ministérios da Justiça, do Interior, da Agricultura, do Trabalho, INCRA, FUNAI… – para que escutem o clamor abafado deste povo; para que subordinem os interesses dos particulares ao bem comum, a "política da pata do boi" à política do homem, os grandes empreendimentos – sempre mais publicitários – das estradas, ocupação da Amazônia, a Mesopotâmia do gado", a mal chamada "integração nacional do índio", às necessidades concretas e aos direitos primordiais, anteriores, do homem nordestino, do retirante sem futuro, do homem da Amazônia, do índio, do posseiro, do peão…  

(…)

        O que vivemos nos deu a evidência da iniqüidade do latifúndio capitalista, como pré-estrutura social radicalmente injusta; e nos confirmou na clara opção de repudiá-lo.  

        Sentimos, por consciência, que também nós devemos cooperar para a desmitificação da propriedade privada. E que devemos urgir – com tantos outros homens sensibilizados – uma Reforma Agrária justa, radical, sociologicamente inspirada e realizada tecnicamente, sem demoras exasperantes, sem intoleráveis camuflagens. "Cristo quer que bens e a terra tenham uma função social, e nenhum homem tem direito a possuir mais que o necessário, quando existem outros que nem sequer tem o necessário, quando existem outros que nem tem o necessário para viver. Por isso o Papa Paulo VI, disse: "A propriedade não é um direito absoluto e inalienável" (Popularum Progressio)" (José Manuel Santos Ascarza, Bispo de Valdivia, Presidente da Conferência Episcopal do Chile, em carta à Organização dos Camponeses de Linares, em 19/5/70).  

          A injustiça tem um nome neste terra: o Latifúndio. É o único nome certo do Desenvolvimento aqui é a Reforma Agrária.

(…)

         "O testemunho (função profética) da Igreja frente ao mundo, terá bem pouca ou nenhuma validade se não der, ao mesmo tempo, a prova de sua eficácia no seu compromisso pela libertação dos homens mesmo neste mundo. Por outra parte, a Igreja poderá fazer os maiores esforços para defender a verdade de sua mensagem, mas se ela não a identificar com um amor comprometido na ação, esta mensagem cristã corre o risco de não mais oferecer ao homem de hoje nenhum sinal de crediabilidade" (Esquema "A Justiça no Mundo", Synodus Episcoporum, pág. 46).  

 

Para ler a carta na íntegra clique o link:

http://www.servicioskoinonia.org/Casaldaliga/cartas/1971CartaPastoral.pdf

Fonte: Cimi
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