06/10/2011

Evo, a repressão e o desencanto

A repressão à 8ª marcha organizada pelos povos indígenas da região amazônica, terras baixas, fez emergir sérias conseqüências para o governo Evo Morales. Houve manifestações nacionais e internacionais contra a atitude repressiva e autoritária contra os indígenas. A oposição o acusou de genocídio. O presidente reagiu dizendo que “a verdade é que a Tupac Katari esquartejaram fisicamente. A nós querem esquartejar politicamente, utilizando os meios de comunicação” (Rede Brasil Atual, 01-10-11). Os marchantes reprimidos, que continuam sua caminhada, expressam seu temor de que a estrada cortando o território indígena e parque do TIPNIS, seja o caminho de invasão de suas terras e a tomada da mesma pelos cocaleiros e madeireiros. Lamentam a não compreensão da interculturalidade do atual governo dizendo que quem se sente esquartejado com essa atitude são os povos indígenas das terras baixas.

 

O antropólogo boliviano Xavier Albó, que está participando da 19ª. Assembleia Nacional do Cimi, em Luziânia, procurou expor o máximo de elementos para a compreensão dos fatos. Caricaturalmente utilizou a própria cabeça para a compreensão geográfica dos acontecimentos.  A careca seria o altiplano, a barba a meia lua, e o TIPNIS o bigode. Explicitou os interesses que estão em jogo, especialmente os brasileiros, em expandir seu mercado e ter mais uma saída para o Pacífico, como os interesses geopolíticos do governo boliviano, buscando enfraquecer a oposição da região da “meia lua”, com sua base em Santa Cruz. A estrada de 350 km, está sendo realizada pela empreiteira brasileira OAS, sendo a maior parte dos recursos do BNDES, portanto dinheiro público. Pesam sobre a obra acusações de superfaturamento e corrupção.

 

Xavier Albó afirma que, de fato, a Bolívia precisa muito se desenvolver. É um país extremamente defasado em infraestrutura, mas ressalva que a estrada pode ser um perigo para os indígenas pela “fome de terras” dos cocaleros e colonizadores. Ele conta que na semana passada esteve em um encontro de indígenas do Peru, Bolívia e Brasil. “Os indígenas brasileiros disseram: ‘as estradas sempre vão contra nós’” (IHU).

 

Desencanto e descenso

 

Num olhar rápido sobre o governo Evo Marales, seus embates, sua sustentação e seu ascenso, chegando atingir o ápice em 2009. Nessa ocasião o governo chegou a ter dois terços de apoio no Congresso.  Essa sensação de poder total, conforme Albó, levou o governo a um distanciamento dos movimentos sociais, que sempre foram sua base de apoio, e a tomar decisões autoritárias. Começou então um descenso de Evo, que teve seu momento mais forte, em dezembro de 2010, com o “gasolinaço” (proposta de aumento da gasolina em 83%) e se intensificou com a recente repressão à marcha indígena.

 

Apesar da atitude intransigente de impor a construção da estrada a qualquer custo (conforme recomendado pessoalmente pelo próprio Lula), houve também a atitude inédita de um governante desse continente, de reconhecer o erro e pedir perdão.

 

De qualquer maneira, esses acontecimentos da repressão à marcha indígena deixam mais fragilizado o atual governo, com grandes desgastes internos e externos, além de uma grave crise dentro do próprio governo.  A paralisação da construção da estrada e a promessa de uma consulta à população da região, não é o suficiente para restabelecer o diálogo. Os participantes da marcha, que segue até La Paz, exigem uma lei que diga que a estrada não será construída.

 

O que está em jogo

 

Evo, desde o início, tentou desacreditar a marcha dizendo que ela era financiada pelos Estados Unidos, pela oposição. Com isso repete a velha estratégia de atribuir a interesses de fora, as lutas dos povos indígenas por seus direitos. Isso além de atender a interesses brasileiros, bem ao modelo imperialista. Além disso, se rendeu aos interesses de sua base cocaleira, muito interessada na construção dessa estrada.

 

Os povos indígenas no Brasil e de outros países sul americanos, certamente já vivenciaram situações semelhantes, quando estradas cortaram seus territórios. São fatos recorrentes, que tem como conseqüência principal a pressão sobre as terras e recursos naturais, as invasões e saque dos recursos naturais.  Esse filme os povos indígenas no Brasil, estão vendo de maneira mais intensa desde a década de 1970, do milagre brasileiro. As conseqüências são dramáticas, com a quase dizimação de vários povos indígenas, e outros sob forte ameaça a partir da construção de grandes obras, como hidrelétricas e estradas.

 

A rigor, o que está em jogo e nos explicita a marcha indígena reprimida, é o modelo de desenvolvimento que está sendo levado adiante, de formas diferenciadas, mas com a mesma lógica capitalista neoliberal de acumulação e rápida exploração dos recursos naturais. E as conseqüências principais recaem sobre os povos indígenas, e sobre a própria natureza que vai sendo devastada e destruída, colocando em risco a própria sobrevivência do planeta terra.

 

Que Evo vá muito além do pedido de perdão pela violência e paralisação da estrada, e retome o caminho de um desenvolvimento em respeito à Pacha Mama (Mãe Terra) e aos projetos de Bem Viver de seus povos. Desta forma, quem sabe, poderá afastar a ambígua situação de estar levando água para o moinho da direita oportunista e fazer um exercício concreto de diálogo e respeito aos direitos da Pacha Mama – Mãe Terra.

 

Egon Heck

Povo Guarani Grande Povo, Brasília, 06 de outubro de 2011.

 

 

Fonte: Cimi
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