19/09/2011

Assembleia Terena discute terra, violência e educação no MS

Lidia F. Oliveira

Aconteceu entre os dias 15 e 16 de setembro, na Terra Indígena (TI) Cachoeirinha, município de Miranda, Mato Grosso do Sul (MS), mais uma Assembleia do Povo Terena. Caciques, professores, alunos, pais e mães representantes das aldeias Argola, Babaçu, Lagoinha, Morrinho, Cachoerinha, Mãe terra e também do Acampamento Charqueada, reuniram-se para discutir Terra, Violência e Educação.

Além da comunidade, estavam presentes lideranças Terena de outras aldeias, como a Ipegue-taunay, representantes dos povos Guarani e Kadiwéu, além do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e Rede Cidadã (Recid).

As discussões tiveram como eixo central as violações aos direitos territoriais diante da falta das demarcações das terras indígenas. A comunidade não aguenta mais a morosidade da justiça e a falta de vontade política do Governo Federal para concluir o processo demarcatório.

Cachoeirinha, TI já declarada com 36 hectares, dos quais estão na posse dos indígenas apenas 4.400, sendo que destes 1.800 correspondem à aldeia Mãe Terra e a retomada de Charqueada – em processo na judicial, gerando insegurança à comunidade. O restante da área está em posse de fazendeiros, incluindo o ex-governador do Estado, Pedro Pedrossian. ”Estão extraindo até o ultimo recurso possível, deixando a área pobre e nua. Até quando”, indignava-se o professor Elvis Terena.

A comunidade sofre intimidações por conta de sua luta pela terra e o reconhecimento de seus direitos, como é o caso do atentado terrorista e genocida que aconteceu contra o ônibus de estudantes indígenas no último dia 3 de junho deste ano, posteriormente levando a óbito a indígena Lurdesvoni Pires, mãe de quatro filhos.

“Tentar nos intimidar não vai nos calar, vamos lutar sempre! A comunidade está abalada com os últimos fatos e exige providências, pois esse fato não pode ficar impune. Porém, contribui ainda mais para o despertar de todo o povo da TI de Cachoeirinha para que continuem lutando por seus direitos constitucionalmente amparados. A nossa voz não foi calada juntamente com a jovem Lurdesvoni, agora sim é que vamos gritar essa situação para não virar rotina”, desabafou liderança indígena da aldeia Argola.

Há praticamente um ano das eleições municipais, as lideranças aproveitaram para advertir a comunidade de que: “Nesse tempo o número de “amigos” dos índios aumenta consideravelmente. Passamos a ver de forma ilimitada tantos rostos novos que a gente até esquece quem são; ou será que “os amigos” esquecem quem somos?”, lembra Otoniel Ricardo, vereador Guarani.

Para Lindomar Terena, “é preciso ter cuidado nesse período com a quantidade de políticos que passaram os quatro anos de seu mandato sumidos, só reaparecendo agora na aldeia, às vésperas das eleições municipais para pegar o que a eles importa, o voto”.

Chega dos povos indígenas serem vistos, lembrados e considerados importantes apenas nesse momento. É preciso que esses políticos cumpram com suas promessas eleitorais, desenvolvam e coloquem em prática políticas e ações que atendam as demandas e necessidades da comunidade indígena.

Uma de suas responsabilidades, por exemplo, é oferecer condições para que as escolas indígenas da comunidade funcionem bem e possam oferecer aos alunos educação de qualidade.

Denuncias

O diretor responsável pela organização das escolas denuncia que “não recebe da prefeitura de Miranda combustível para poder visitar as aldeias onde estão as escolas, tendo suas atividades prejudicadas, recebendo constantes reclamações dos pais, alunos e professores por não conseguir marcar presença efetiva nas áreas”.

Conforme o diretor, a prefeitura de Miranda não dispõe de veículo para que ele possa realizar o trabalho. O Poder Público alega não ter veículos disponíveis, tendo ele que tirar recursos do próprio bolso para efetuar seu trabalho. Será mesmo que não há veículos disponíveis, ou mostra clara a opção da prefeitura em não atender a comunidade indígena do município de Miranda?

As lideranças também refletiram sobre a importância da escola para a comunidade, pois, hoje sem o ensino não se é nada”, relatou professor Genésio Terena. Para as populações indígenas é preciso uma escola diferenciada e a educação escolar precisar ser um espaço agregado às principais demandas da comunidade e não apenas um espaço usado pelo Estado para monitorar e controlar as formas de vida e organização dos povos.

“A magia da escrita se burocratiza quando ela entra na escola, e a escola é quase sempre o espaço do Estado e das instituições que o representam. O lugar físico, social e político que tem a escola na aldeia confundem-se facilmente com o lugar que ocupa o Estado nesse povo” (Melià, 1989).

Nossa politica não é politicagem!

“Nós, povo Terena, também sabemos fazer política e hoje a nossa Assembleia exige que a nossa politica, os nossos professores e alunos, as mulheres, homens e crianças dessa comunidade sejam respeitados pelos políticos partidários, que ocupam os cargos públicos do município de Miranda e só estão lá por que nós os colocamos com pelo voto”, apontou um professor da aldeia Mãe Terra.

A Assembleia foi mais um passo do povo terena na luta por seus direitos, principalmente o direito a terra. Segue manifesto Terena aprovado no encontro:

ASSEMBLÉIA DO POVO TERENA DE CACHOEIRINHA

Novas perspectivas e estratégias. Resistir e lutar. Sempre!

Nós do povo Terena, da terra indígena Cachoeirinha, município de Miranda, Mato Grosso do Sul, reunidos em Assembléia para discutirmos e deliberarmos sobre as questões que envolvem nossos direitos, especialmente nosso direito à demarcação de nossa terra tradicional. Encerradas as discussões, vimos pelo presente documento nos manifestar sobre a nossa realidade atual e, ao final, fazermos as nossas reivindicações.

Diante da irresponsabilidade e omissão do Estado brasileiro em não solucionar nossos problemas quanto a demarcação de nossa terra o único caminho que nos restou para que possamos melhorar as nossas condições de vida e garantir um futuro para nossas crianças foi nos organizarmos cada vez mais e irmos para a retomada de nossas terras.

Ao custo de ameaças, atentados, mentiras, calúnias e preconceitos daqueles que são contra nossos direitos, seguimos avançando em nossas lutas. Nossa maior reivindicação é a conclusão definitiva da demarcação de nosso território sagrado e jamais desistiremos até que o último palmo de nossa terra nos seja entregue!

Mesmo nosso povo tendo acreditado no Governo Federal que se diz aliado dos pobres e defensor de direitos humanos, estamos percebendo que, mais uma vez, estamos sendo enganados. A Presidente Dilma, desde que assumiu seu Governo, sequer se pronunciou publicamente sobre a realidade dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul, tida como uma das piores realidades de negação de direitos humanos e fundamentais de todo mundo. O Governador de MS, e sua notória postura anti-indígena, promoveu, e continua promovendo, diversas ações para prejudicar ainda mais a situação de nosso povo, como foi o ingresso do Estado de MS em Ações Judiciais movidas por ricos fazendeiros com a finalidade de impedir a demarcação de nossa terra.

A Presidente Dilma Roussef está manchando seu passado e contradizendo seus discursos. Uma Presidente que afirmou que direitos humanos “não se negociam” mas que, na prática, já negociou nossas vidas em troca do gado, da cana, do boi e de usinas hidrelétricas. O que para nós tem se revelado uma postura irresponsável. Por fim, uma mulher que teve conhecimento das graves violações de direitos humanos em MS e a necessidade de soluções urgentes mas que, até agora, nada fez e nem sinalizou quaisquer soluções. Muito pelo contrário, vem investindo cada vez mais para gerar o lucro para meia dúzia de ricos fazendeiros e com nosso dinheiro público! Uma vergonha internacional!

Denunciamos novamente a recente violência cometida contra nosso povo Terena, que teve um ônibus escolar queimado por agressores ainda não-identificados pelas autoridades e que causaram ferimentos graves em estudantes Terena e ao motorista do ônibus, o que provocou, posteriormente, a morte de nossa irmã Terena Ludersvone Pires. A Polícia Federal ainda não concluiu as investigações e nossa comunidade vem acumulando mais angustias e tristezas. Enquanto isso, o Governo Federal não faz nada e o Judiciário continua dando ordens de despejo contra os povos indígenas, mesmo diante de uma realidade tão desigual e injusta.

Diante disso, o que nos resta senão lutar? Já afirmamos que nosso povo não vai esperar trinta anos ou mais para vermos nossas terras demarcadas. Essa demora vem ferindo, há muitos anos, os direitos mais elementares de nosso povo e que são previstos pela constituição federal desde 1988 e por tratados internacionais que o Brasil é signatário.

Que Dilma consiga ver que a lógica do desenvolvimento a todo custo está prejudicando uma população indígena de mais de 70 mil pessoas.

Queremos deixar claro que as medidas propostas por fazendeiros e parlamentares sobre indenizações de terra aos fazendeiros não sejam o pretexto para protelar ainda mais a demarcação de nossa terra Cachoeirinha e muito menos para alterar nossos direitos conquistados na CF/88. Não iremos admitir retrocessos. Nossos direitos constitucionais foram conquistados pelas lutas de nosso povo e jamais devem ser alterados, mesmo que somente para pagar indenizações. Se querem pagar as indenizações, que isto seja feito sem qualquer alteração da constituição federal de 1988! Mas também queremos saber quem irá indenizar nosso povo pelas matas derrubadas, pelas águas poluídas e pelas terras degradadas pelos mesmos fazendeiros que querem ser indenizados?

Exigimos que os Ministros do Supremo Tribunal Federal julguem imediatamente todos os processos que envolvam a demarcação de nossas terras. Enquanto esses processos não são julgados a demora só corre a favor dos fazendeiros que continuam explorando nossos recursos naturais de forma predatória, nossa população aumentando e nosso povo passando cada vez mais dificuldades  pela falta de nossas terras. Mesmo diante disso, o STF, infelizmente, ainda não se deu conta de sua responsabilidade e além de não julgar nossos processos como manda a lei, ainda determinam o despejo de nosso povo, isso, de forma bem rápida. São rápidos para despejar famílias para a beira da estrada mas são lentos para cumprir com suas obrigações.

Parece que esperam nosso povo fazer um grande movimento de retomadas para dar uma solução final do processo, como sempre. Pelo jeito, enquanto não nos movimentarmos, nos parece que não farão nada!

Já estivemos em inúmeros estados do país e fora do país denunciando nossa realidade. Fomos para Brasília, entregamos centenas de documentos, conversamos com Ministros (STF, Governo Federal, etc.), Procuradores, Juízes, Advogados, Deputados, e até com o ex-Presidente Lula e até agora não houve nada para que nossos direitos sejam respeitados e cumpridos. Durante a guerra do Paraguai defendemos a cidade de Miranda enquanto muitos soldados brasileiros estavam em fuga e hoje temos que viver com as migalhas e ainda sermos tachados de invasores de nossa própria terra.

Novamente vimos manifestar que este ano de 2011 o povo Terena não irá admitir mentiras. Queremos imediatamente uma solução definitiva para a demarcação de nossas terras pois do contrário não nos resta outro caminho senão irmos para a luta!

Viva o povo Terena, sua unidade e organização! Viva o futuro de nossas crianças!

 Viva os povos indígenas do Brasil! Viva Cachoeirinha!

Demarcação e Homologação já!

Terra Indígena Cachoeirinha, sede, Miranda/MS, 16 de setembro de 2011.

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Cimi Regional Mato Grosso do Sul (MS)
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