Gritos e celebrações de setembro
Beatriz Catarina Maestri*
O ativista Mahatma Gandhi contou que, certa vez, um pensador indiano fez a seguinte pergunta aos seus discípulos: "Por que é que as pessoas gritam quando estão aborrecidas?". Ao que um deles respondeu: "Gritamos porque perdemos a calma". O pensador, não satisfeito, perguntou novamente: "Mas, por que gritar quando a outra pessoa está ao seu lado?". Nova resposta veio de outro seguidor: “Bem, gritamos porque desejamos que a outra pessoa nos ouça".
Após várias indagações, o mestre esclareceu que quando duas pessoas estão aborrecidas, significa que seus corações afastam-se muito. Para diminuir esta distância é preciso gritar para poderem escutar-se mutuamente. Quanto maior o aborrecimento, maior será o grito, o que não ocorre quando duas pessoas se amam, pois estas se falam suavemente.
A sabedoria indiana nos ajuda a compreender a realidade em que vive o povo brasileiro. De fato, há uma distância muito grande entre os que estão à frente da administração pública e a grande maioria de brasileiros e brasileiras. Se assim não fosse, certamente não precisaria gritar!
É por isso, por esta distância irresponsável e perversa, que saímos às ruas no dia em que se celebra a “independência” de nosso país. Sabemos que a verdadeira independência não é esta que está aí, com grandes grupos econômicos solapando os bens da nação, com o agronegócio destruidor degradando o pouco que existe de nossas florestas, da Mata Atlântica, do Cerrado, da Amazônia, para plantar soja transgênica, cana-de-açúcar ou para encher as terras de gado e deixar milhares de famílias de pequenos agricultores e indígenas acampadas às margens das rodovias.
Independência, hoje, rima com protagonismo do povo, com autonomia, com políticas públicas que atendam aos anseios da população empobrecida; com a garantia dos direitos da classe trabalhadora e respeito aos diferentes povos; com trabalho para todos, educação e saúde de qualidade, moradia, alimentação, segurança e acesso aos bens culturais.
Neste ano, a mobilização ganhou o lema “Pela vida grita a terra, por direitos, todos nós”. A terra também está gritando, dando sinais de que a distância que nos separa de sua “cidadania” é quilométrica. Precisamos, sim, nos aproximar de seu clamor e exercitar a prática do cuidado, da reverência com todas as criaturas.
E ninguém melhor que os povos indígenas para nos ajudar nesta tarefa de nos reaproximar da Mãe Terra! Por isso, estavam lá, na Praça da Sé, lideranças do povo Pankararé de Osasco, na Grande São Paulo, para também dar o seu “grito” por justiça, por dignidade e por reconhecimento.
Alaíde Pankararé resumiu o clamor do grupo: “Gritamos porque queremos ter o direito de viver como indígenas e sermos reconhecidos como tal. Queremos espaço para nossas atividades culturais, moradia, saúde e educação”.
Suas danças e seu canto trouxeram a memória dos ancestrais que derramaram sangue para que seu povo tivesse terra. Hoje, vivendo na cidade, este canto se atualiza nas lutas pela não discriminação e pela garantia de seus direitos. O povo todo, ali reunido, acompanhou e sintonizou com o grito de tantos outros povos que sofrem, mas que lutam com esperança e ousadia.
Na caminhada para o Ipiranga outras vozes se fizeram ouvir, trazendo presente outros tantos clamores: sindicalistas e estudantes, movimentos e pastorais sociais, dentre eles, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Pastoral da Juventude (PJ), a Pastoral do Povo de Rua, a Pastoral Operária e a Assembleia Popular.
O “grito” continua ressoando nas praças e ruas de todo país. Oxalá, os ouvidos “distanciados” e alienados do poder público se abram às vozes do povo que clama por justiça e cidadania.
*Catequista franciscana e missionária do Cimi São Paulo