Santuário dos Pajés é invadido no Distrito Federal
Renato Santana
de Brasília (DF)
Tratores e escavadeiras invadiram nesta terça-feira (16) o Santuário dos Pajés, Território Indígena (TI) localizado no Setor Noroeste de Brasília (DF). A ação ocorreu pela manhã, logo após parte dos indígenas ter saído para o trabalho, e foi amparada pela Polícia Militar. “Como eu estava nas terras, ainda pude avisar aos outros pelo telefone e iniciei a resistência com alguns aliados que chegaram primeiro”, conta Xoá Fulni-ô, 26 anos, morador de uma das aldeias.
O maquinário utilizado pertence à Terracap (Companhia Imobiliária de Brasília), conforme os indígenas, e deixou quatro grandes clarões no cerrado ao derrubar árvores e vegetação nativa. Não havia mandado judicial para a ação e diante da pressão, além da completa ilegalidade, policiais justificaram que estavam ali para garantir a segurança e as máquinas se retiraram – os soldados chegaram num microônibus da PM.
Clarão deixado pelas máquinas da Terracap no Santuário dos Pajés. Foto: Renato Santana |
“Antes fizeram esses estragos e deixaram os parentes tensos. A polícia disse que veio garantir a segurança, mas garantiu mesmo foi que as máquinas invadissem e destruíssem o território quando todos tentavam impedir a entrada delas”, explica Xoá. O território fica ao lado dos canteiros de obras dos condomínios de luxo erguidos pela Terracap e construtoras locais – entre elas a Brasal (funcionários usando uniformes da construtora foram flagrados por imagens de vídeo saindo do território indígena).
Nas terras moram nove famílias – cerca de 27 indivíduos. Seus antepassados chegaram ali em 1957 para trabalhar na construção de Brasília. Eram os índios candangos. Encontraram nas matas do Noroeste local ideal para viver em contato com a cultura que fizeram questão de não deixar para trás. Gerações cresceram ali em contato com os rituais, o Bem Viver indígenas – há quase uma dezena de povos vivendo no território – e toda a cultura ancestral.
Processo judicial
Awá-Mirim Tupinambá, jovem liderança dos indígenas do Santuário, afirma que o Governo do Distrito Federal (GDF) sabe desde o início da ocupação indígena. De acordo com Awá, a juíza Federal Candice Jobim derrubou liminar que mantinha o Grupo de Trabalho (GT) da Fundação Nacional do Índio (Funai) e todo processo de demarcação do território que compõe o Santuário.
Em 16 de março de 2009, o Ministério Público Federal (MPF) embargou as obras da Terracap e determinou a instauração do GT pela Funai. “O MPF tem 20 dias para se manifestar sobre a decisão da juíza e esse prazo ainda não acabou. Então por que é que fizeram isso de invadir e destruir? É completamente ilegal”, ataca Awá.
Para Santie, o episódio é sinal de que a Funai precisa acelerar o processo de demarcação e que o Estado precisa respeitar os direitos indígenas.
Estudantes e professores da Universidade de Brasília (UNB), Faculdade Projeção, antropólogos e militantes sociais, caso do Centro de Mídia Independente (CMI), além do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) estiveram no território para prestar apoio e solidariedade aos indígenas.
Mal entendido
De acordo com representantes do GDF, tudo não passou de um mal entendido. Por isso as máquinas foram retiradas do local assim que se soube do que estava acontecendo no Santuário. No entanto, os indígenas dizem que continuarão com as rondas e esquemas de segurança para repelir os invasores.
No fundo da imagem, a construção do setor de luxo que avança sobre o território tradicional. Foto: Renato Santana |
O Setor Noroeste deverá ser o metro quadrado mais caro do Distrito Federal e do país. Conforme já foi divulgado pela imprensa, estima-se que até o final da construção dos conjuntos de luxo o valor chegue a R$ 20 mil. Entre 2009 e 2010, mais de dez tentativas de invasão foram repelidas pela comunidade. Esse ano, a casa do irmão do cacique Santie Fulni-ô foi incendiada. “Voltou com as ameaças, invasões e os incêndios porque sabem que este mês o estudo dos antropólogos será entregue na Funai. Digo que vamos resistir até o fim”, avisa o cacique que chegou no Santuário em 1970. Xoá vai na mesma linha: “Se querem nos tirar daqui que mandem caixões porque só saímos mortos. Nossos troncos antigos deram o sangue por essas terras para as futuras gerações e vamos fazer o mesmo”.