Naviraí – nasce aí uma esperança
Por Egon Heck
Chuva fina, intermitente, sob o céu fechado em Naviraí, no sul do Mato Grosso do Sul. Mais de dez mil pessoas reunidas na praça central, em frente à Igreja Matriz participaram da celebração de posse de dom Ettore Dotti e da instalação oficial da Diocese de Naviraí. Dom Redovino, bispo de Dourados, da qual foi desmembrada a nova diocese, deu as boas vindas ao Núncio Apostólico, a todos os bispos do regional Oeste 1 e aos outros bispos vindos do Paraná e da Bahia. Realizava-se assim um sonho iniciado já na década de 70.
O abrir e fechar de guarda-chuvas se dava ritualmente, enquanto outros menos precavidos buscavam abrigos em um posto de combustível e em outros espaços cobertos. Nada, porém impedia a participação em tão relevante momento da história da comunidade católica da região e de outros lugares do país.
“A questão indígena é grave em Dourados. Quem sofre muito na pele é dom Redovino, bispo de Dourados. A partir de domingo terá uma nova diocese em Naviraí. Quem sabe com isso, a presença de dois bispos, do ponto de vista da ação da igreja, ganhe um novo dinamismo”, afirmava dom Dimas Lara Barbosa, recém nomeado arcebispo de Campo Grande.
Naviraí esteve esse mês de julho na mídia regional e nacional. Uma batalha judicial, surgida a partir do trabalho do Grupo Volante do Ministério Público do Trabalho, que identificou na usina de cana Infinity, mais de 800 trabalhadores em situação análoga de escravidão e ordenou a libertação dos mesmos. Dentre eles quase trezentos eram indígenas. Diante da decisão de interromper a libertação dos trabalhadores, a CPT, o Cimi e a CNBB perguntam, em nota à opinião pública: “Que justiça é essa que desconstitui de sua competência legal os fiscais da lei e privilegia os interesses do infrator? Que sociedade é esta que tolera situações tão abertamente desumanas? Que agronegócio é este para quem tudo é permitido?”. Concluem a nota exigindo ainda que “diante do exposto, exigimos que a Justiça volte a cumprir seu papel na erradicação do trabalho escravo e na promoção da dignidade dos trabalhadores.
Segundo a CNBB, o uso da propriedade como instrumento para escravizar o próximo é crime absolutamente intolerável contra a dignidade e contra a vida. É crime igualmente intolerável a busca desenfreada da rentabilidade financeira do capital, em detrimento do mínimo respeito à dignidade do trabalhador.
Desafios e esperança
Dentre os desafios que dom Ettore encontra em sua diocese está a grave situação das populações indígenas Guarani Kaiowá e os inúmeros acampamentos dos sem terra. O sistema de produção é baseado no agronegócio, nas grandes fazendas de gado e na monocultura mecanizada, altamente concentradora do capital e da terra. Isso tem gerado nas últimas décadas a expulsão dos agricultores para as cidades ou para os acampamentos à beira das estradas. Também é uma das regiões de expansão do setor agroindustrial sucroalcooleiro.
Um dado revela o êxodo e a baixa densidade populacional. Dos dezenove municípios que abrange a atual diocese, doze tem população menor do que a da Terra Indígena Dourados, ou seja, menos de 13 mil pessoas. No município de Japorã os indígenas são mais da metade da população.
Os mais de 15 mil indígenas vivem em menos de quinze mil hectares de terra, dentre as quais as três áreas demarcadas pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) no início do século passado. Boa parte dessa população indígena está em acampamentos e em periferias das cidades.
A não demarcação das terras indígenas tem gerado situações de extrema violência e tensão na região. Como exemplo, pode-se citar a comunidade do tekohá Ypo’i, que ao retornarem à sua terra, em 2009, tiveram dois de seus professores, Genivaldo e Rolindo Vera, seqüestrados e torturados. Dias depois o corpo de Genivaldo foi encontrado, mas até o momento nenhuma notícia se tem sobre o paradeiro ou mesmo sobre o corpo de Rolindo. Os assassinos não foram punidos. Segundo a liderança do tekohá Mbarakaí, também em 2009, em uma tentativa de retomada alguns indígenas foram violentamente atacados e feridos por pistoleiros. O jovem indígena Arcelino Oliveira Teixeira, de 18 anos, que participou desta ação, permanece desaparecido até o momento.
As populações indígenas que estão lutando por seus direitos, especialmente a terra, têm a esperança de que terão mais um apoiador, para que a justiça seja feita e eles possam viver em paz e com dignidade em suas terras.
Ser profeta
Ao ser sagrado bispo, ainda em Serrinha, Bahia, dom Ettore disse que a nova missão é para ele “um novo recomeço onde me entrego nas mãos de Deus com a minha pequenez diante do tamanho do desafio proposto”, segundo informações publicadas no Aquidauana News.
Dom Ottorino Assolari, que realizou a ordenação sacerdotal de Ettore, lhe fez um forte apelo: “seja profeta, como bispo, como irmão. Seja um profeta que serve, um profeta testemunho”. Afirmou ainda que quem recebe a missão de ser o primeiro bispo desta nova dioces, recebe um belo presente. Referindo-se novamente a dom Ettore, disse: “ele é uma pessoa carinhosa, não é de difícil relacionamento, uma pessoa simples, cheia de bondade e cativante. É um bom pastor, que trabalha incansavelmente e deixará saudades”, concluiu.
O desejo de boas vindas, externadas por muitos durante a celebração, e por muitos anônimos fiéis e pela população local, dentre os quais os Guarani Kaiowá, manifesta o nascimento de uma esperança que se traduza em mais vida e justiça nessa região.