22/07/2011

Pedro e os Mártires Indígenas

Por Egon Heck

“Que o sangue dos mártires não nos deixem em Paz” é uma das expressões proféticas de dom Pedro Casaldáliga inscrita nas camisetas dos romeiros que participaram da 5ª Romaria dos Mártires da Caminhada, em Ribeirão Cascalheira, Mato Grosso, no último final de semana. No dia da grande celebração martirial, da luz que não se apaga, das vidas que serão sempre vidas, “pé no chão” ou memória do povo que caminha em libertação, lá estava dom Pedro e ao seu lado lideranças indígenas: dona Zenilda, viúva de Xikão Xukuru, e seu filho Marquinhos. Também Elizeu Lopes, representante do povo Guarani Kaiowá, de Marçal de Souza Tupã’i e dezenas de lideranças assassinadas na luta pelas suas terras e seus direitos.

O clamor e solidariedade indígena

Em seu depoimento, Elizeu falou: “sou Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul. Eu vim aqui em nome da comunidade Guarani Kaiowá. Quero fazer um pedido e agradecer a oportunidade de vir aqui somar junto com vocês nesta Romaria e na busca pelo Reino, assim como nós estamos buscando nossas terras sem males. Para nós a terra é uma mãe. Buscamos essa terra para nossos filhos, para o sustento e futuro de nossas crianças”.

Elizeu também aproveitou o momento para denunciar as violações de direitos de que têm sido vítimas as comunidades guarani. “Quero dizer que o nosso povo está sendo massacrado, violentado. Eu vi ontem a foto de uma liderança que derramou seu sangue por essa terra sem males. Marçal Tupã’i foi assassinado covardemente na luta pelos direitos, pela terra. Não foi só Marçal, mas já foram mais de 40 lideranças, professores que já perdemos quando estes lutavam por nossos direitos. Até agora o nosso país não entendeu, não achou o caminho para resolver nosso problema, demarcar as terras indígenas, principalmente no Mato Grosso do Sul”.

“Agora quero deixar meu pedido a todos que estão aqui, que somam junto com nós povos indígenas, para que possamos denunciar aqui no nosso país e fora do país o que está acontecendo, para que o Brasil demarque as nossas terras e para que tenha fim a morte de nossos parentes que lutam por nossos direitos. Por isso, eu vim aqui em nome dos Guarani Kaiowá para dizer que nós vamos continuar lutando e nós vamos continuar buscando nossos direitos. Quero deixar para os padres que estão aqui presentes, o meu  pedido. Que ajudem, que clamem a Deus, clamem o nosso sofrimento, aqui dentro do país e fora do país, para que seja resolvida a nossa luta. Que as autoridades façam a demarcação das terras no Mato Grosso do Sul”.

Diga ao povo que avance

De Pernambuco, da Serra do Ororubá, território do povo Xukuru, vieram Zenilda e Marquinhos para lembrar a memória do cacique Xikão Xukuru e de todas as lideranças indígenas que tombaram na luta defendendo seus povos e seus direitos.

Em sua fala, Marquinhos fez referência ao pai, Xicão Xukuru, cruelmente assassinado na busca pela garantia dos direitos de seu povo. “Sou filho do cacique Xikão, que também foi assassinado nessa caminhada, na luta pela terra. Gostaria de dizer que precisamos renovar cada dia nossa fé, nossa caminhada! Que cada um de nós, a cada dia, ao levantarmos de nossa cama, da rede, e pisarmos com os pés na Mãe Terra, confirmemos nosso compromisso com a Mãe Terra, pois é dela que sobrevivemos. Temos uma grande obrigação que é preparar nosso território, preparar a Mãe Terra para as futuras gerações, porque senão pensarmos a partir de agora em cuidar de nossa Mãe Terra, vai chegar o momento em que não teremos mais nada encima dela. Como dizia o cacique Xikão, ‘a terra é como o corpo humano: as matas são os cabelos, as águas são o sangue da terra, as pedras são os ossos da terra’. Nós temos que cuidar dessa Mãe Terra porque senão também nós acabaremos. Que Tupã abençoe a todos nós”, afirmou.

Marquinhos encerrou sua fala, conclamando a todos a avançar na luta pela garantia de direitos, pela Justiça, pela Vida em plenitude e pelo Reino. “Diga ao povo que avance”, ao que ouviu em coro: “Avançaremos!”.

Nunca desistir

Zenilda, com seu entusiasmo na luta e profunda fé nos encantados, cantou e deu seu recado: “como mulher e indígena abracei uma causa. Perdi um marido, e tinha um filho preparado, que entreguei à luta. Nós lutamos por um só objetivo: nossos direitos, nossa liberdade, em união. Quero dizer a vocês que em cada momento desses que participo, eu me fortaleço. Saio daqui fortalecida, com minha fé renovada. Quero dizer a vocês, índios e não índios, que a gente nunca deve desistir, porque quando Deus põe a gente na terra, temos uma missão e um dom, e ele nos capacita. Quero dizer a vocês que não só no povo Xukuru, mas em todos os parentes indígenas já teve bastante sangue derramado. Não só indígena, mas daqueles que apóiam nossa causa. Queria dizer a vocês ainda que esse sangue volta para nossas veias e nos encoraja. Quem nasceu para morrer lutando, não vai morrer de braços cruzados”.

No final da celebração, o cacique Damião, do povo Xavante, que vive na Terra Indígena Marãiwatséde, chamou todos os presentes a somar forças em favor de sua comunidade e da luta indígena pela demarcação e garantia de suas terras. A Terra Indígena Marãiwatséde, homologada em 1998, ainda hoje não foi desintrusada. O povo sofre com a invasão e depredação de seu território, além da pressão do governo de Mato Grosso, que no início do mês aprovou uma lei que prevê a permuta, pela União, da terra indígena pelo Parque Estadual do Araguaia. O projeto do governo é inconstitucional e imoral, pois o direito à posse da terra indígena é inalienável e indisponível, não podendo o povo ser transferido de seu território já demarcado e homologado para outra área.

Grito de esperança

Dom Pedro participou de todos os momentos da Caminhada e, com sua serenidade profética e tom poético, disse ao povo que possivelmente essa seja para ele a última romaria com o pé no chão. A outra já estaria contando estrelas no seio do Pai. Em sua fala, amor, respeito e a história de mais de 40 anos de caminhada junto aos povos indígenas do país.

Ele afirmou ainda que os velhos têm o direito de dar conselhos. “Não esqueçam da opção pelos pobres. Os pobres se concretizam nos povos indígenas, no povo negro, na mulher marginalizada, nos sem terra, nos prisioneiros, e nos muitos filhos e filhas de Deus proibidos de viver com dignidade e liberdade.”

Romaria

Daqui a cinco anos, romeiros de todo o Brasil e outros continentes deverão novamente se encontrar em Ribeirão Cascalheira, para a 6ª edição da Romaria dos Mártires da Caminhada. Se o capitalismo neoliberal continuar seu brutal avanço sobre a natureza e todas as formas de vida, haverá muito martírio a ser lembrado. Porém, certamente haverá muita resistência e vida a ser celebrada.

Até lá!

Fonte: Cimi Regional MS - Equipe Dourados
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