37ª Assembleia do Cimi Regional Mato Grosso
Entre 10 e 15 de julho, os missionários e missionárias do Regional Mato Grosso do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) estiveram reunidos para sua 37ª Assembleia. Por cinco dias, eles refletiram sobre o tema “Testemunhas do Reino”, em preparação à 5ª Romaria dos Mártires da Caminhada, realizada entre 16 e 17 de julho, na cidade matogrossensse de Ribeirão Cascalheira.
O encontro, que aconteceu em São Félix do Araguaia, contou com a presença e assessoria do padre Francisco de Aquino Júnior. Na pauta de discussão, ainda estiveram presentes os empreendimentos que impactam terras indígenas – pequenas centrais e usinas hidrelétricas -, bem como a problemática dos territórios indígenas no estado, que continuam invadidos ou à espera da demarcação. Caso emblemático é o da Terra Indígena Marãiwatséde, do povo Xavante, que homologada 1998, ainda hoje não foi desintrusada.
A terra continua ocupada por grandes fazendeiros e produtores rurais, enquanto os Xavante são vítimas constantes de agressões, discriminação e atentados contra sua integridade. Para causar ainda mais conflitos, a Assembleia Legislativa do Mato Grosso aprovou a Lei estadual n° 9.564, que propõe a permuta entre a União, por meio da Fundação Nacional do Índio (Funai) entre “a área correspondente ao Parque Estadual do Araguaia com a área homologada da Reserva Indígena Marãiwatséde”.
O governo do estado, incorrendo no mesmo erro inconstitucional, sancionou a lei. A iniciativa errônea do governo matogrossensse deixa claro a que interesses serve – do agronegócio. O povo Xavante, fazendo uso do direito que lhes é garantido no § 4º do artigo 231 da Constituição Federal, não aceitou a permuta e se nega a sair de seu território. A Terra Indígena Marãiwatséde foi identifica e demarcada para usufruto exclusivo do povo Xavante, não sendo, portanto, passível de troca, doação, venda ou transferência.
O Cimi, no documento final da Assembleia, reafirma seu compromisso para com as causas indígenas. “Apoiamos o povo Xavante que recusou terminantemente esta proposta, e a repudiamos, por ser inconstitucional e imoral”, afirmou.
Leia documento na íntegra:
Documento Final da XXXVII Assembleia do Cimi Regional Mato Grosso
Reunidos em sua assembleia anual entre os dias 10 a 15 de julho em São Félix do Araguaia, MT, os missionários e as missionárias do Cimi Regional Mato Grosso refletiram sobre o tema “Testemunhas do Reino” em preparação à Romaria dos Mártires, assessorados pelo Pe. Francisco de Aquino Júnior.
Inspirados nos mártires que tombaram por causa da justiça e em defesa dos marginalizados, lançamos nossos olhares sobre os principais conflitos que atingem os povos indígenas em nosso Estado. Dentro deste contexto, destacamos situações que continuam martirizando os povos originários:
– a problemática dos territórios indígenas invadidos ou ainda por demarcar, dentre os quais a situação da terra dos Xavante de Marãiwatsédé é emblemática. Embora tenham retornado ao seu território tradicional em 2004, após nove meses acampados na beira da BR-158, ainda estão impedidos de tomar posse efetiva de sua terra, uma vez que ela continua invadida por grandes fazendeiros e uns poucos pequenos produtores rurais, o que demonstra um flagrante desrespeito aos direitos assegurados na Constituição Federal, que lhes garantem o usufruto exclusivo de seu território. Desde então, os Xavante de Marãiwatsédé vêm sofrendo constantes agressões e, inclusive, atentados físicos. No último mês a ameaça aos Xavante se agravou devido a uma lei aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso e sancionada pelo governador. A lei propõe a permuta do território tradicional indígena pelo Parque Estadual do Araguaia, para onde os Xavante deveriam ser transferidos, caso aceitassem a proposta. Essa tentativa do governo de Mato Grosso visa claramente favorecer o agronegócio, principal beneficiário da invasão dessas terras. Apoiamos o povo Xavante que recusou terminantemente esta proposta, e a repudiamos, por ser inconstitucional e imoral;
– constatamos que Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e Usinas Hidrelétricas (UHE) estão sendo implantadas em vários rios, como está ocorrendo na bacia do Juruena, onde estão sendo instaladas diversas PCHs, dentre as mais de 50 projetadas. O efeito cumulativo dessas usinas provocará grandes transformações ambientais interferindo drasticamente na vida dos povos que dependem destes rios. Serão atingidos, sobretudo, os Rikbaktsa, Enawenê-Nawê, Nambikwara e Mỹky. A implantação desses projetos, mais uma vez, fere a Constituição, pois não houve nem as oitivas indicadas no Artigo 231, § 3º, nem a consulta livre e informada de acordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Por isso, nos indignamos e denunciamos mais esta violação dos direitos indígenas, que são efetivadas a favor de interesses políticos e econômicos, apesar de todos os protestos e manifestações contrárias dos diferentes povos da região noroeste do estado.
Por outro lado, temos consciência de que os povos indígenas vivenciam uma relação amorosa com a Mãe Terra que se contrapõe à exploração mercantilista dos recursos naturais. Cada povo experiência essa relação em projetos de vida em que os valores da convivência e da partilha concretizam a proposta do Bem Viver. A vida se faz em dimensões não cumulativas, onde a gratuidade é celebrada nos ritos, nas festas, no trabalho, no viver em mutirão. Este modo de vida não agride a natureza, mas, ao contrário, considera o ser humano como parte dela. Esse é um caminho viável não só para os povos indígenas, mas também para nossa sociedade. Precisamos conhecê-lo e assumi-lo como maneira de superarmos os grandes impasses a que chegamos devido à forma devastadora com que estamos destruindo a nossa própria casa.
Como Cimi assumimos o testemunho dos Mártires que continuam tombando no anúncio e na defesa desta proposta do Bem Viver para todos os seres do Planeta e nos comprometemos em denunciar profética e esperançosamente todas as agressões à Mãe Terra que colocam em risco a vida plena de seus filhos e de suas filhas!
São Félix do Araguaia, 15 de julho de 2011
35 anos do martírio de Simão Bororo e Pe. Rodolfo Lunkenbein