14/06/2011

Tekohá – espaço de vida e cultura

Por que não realizar ações de devolução dos tekohá às comunidades acampadas na beira das estradas ou confinadas nas minúsculas reservas do SPI?

 

Egon Heck

 

Depois que a vice-procuradora geral da República, Deborah Duprat, afirmou recentemente, em Campo Grande, que “Dourados é talvez a maior tragédia conhecida na questão indígena em todo o mundo”; após inúmeras reuniões sobre a questão de uma política de segurança nas aldeias Kaiowá Guarani;  depois de inúmeras denúncias e pedidos de socorro de lideranças indígenas e organizações nacionais e internacionais, finalmente uma resposta.

 

Na semana passada uma equipe da Polícia Federal de Brasília veio para realizar uma operação na Terra Indígena de Dourados, com o intuito de inibir a violência e desmantelar o tráfico e consumo de drogas nas aldeias. Ação louvável, apesar de tardia.

 

 Já que denominaram a operação de Tekohá, que significa terra tradicional Kaiowá Guarani, espaço sagrado onde se reproduz a vida de uma comunidade-aldeia, onde se gera e realiza a cultura, onde se realizam os rituais, onde estão enterrados seus mortos e celebram as colheitas e a vida que renasce em cada flor que desabrocha, em cada semente que germina, em cada criança que nasce, por que não realizar ações de devolução dos tekohá às comunidades acampadas na beira das estradas ou confinadas nas minúsculas reservas do SPI [Serviço de Proteção ao Índio]?.

 

A operação da Polícia Federal se dá numa conjuntura de combate a ações ilegais (tráfico de drogas e armas) na fronteira. Vista de maneira descontextualizada, as consequências das ações repressivas poderão ser de mais criminalização e preconceitos contra as populações Kaiowá  Guarani.  É preciso entender essas ações como o início da construção de políticas de segurança nas aldeias, que passa necessariamente pela recuperação dos tekohá, terras tradicionais, com efetivos programas de recuperação ambiental a capacidade de produção da economia Guarani.

 

Fina flor da intolerância e discriminação

 

Desde o momento em que o Conselho Nacional de Justiça – CNJ promoveu uma audiência pública e um seminário sobre as terras indígenas em Dourados, uma onda de manifestações de preconceito, intolerância e discriminação se espalhou pelos meios de comunicação. Algumas se deram em decorrência das afirmações do governador e outras autoridades  e representantes do poder político e econômico do Estado. Dentre elas destacamos algumas divulgadas como comentários aos pronunciamentos do referido ato.

 

“No Mato Grosso do Sul não existem mais índios, existem sim uns bandos de oportunistas aculturados querendo se dar bem, e por trás deles ongs que não se preocupam nenhum pouco com o futuro do Brasil”.(Adelia Alves Barboza em 26 de maio de 2011 – quinta às 20:15 )

 

 “Fora com a vagabundagem dos índios, tornem eles cidadãos, façam respeitar a ordem e a lei e deem terras de traficantes e do reverendo Moon mesmo, assino embaixo”. (João Ricardo em 26 de maio de 2011 – quinta às 19:21 )

 

“FORA os vagabundos!

Quero progresso, produtividade e serventia!

E, viva os que trabalham e produzem !!!!!!!!!!!!”(C.R.GALVANINI)

 

Após anos e décadas de espera, luta e reivindicação de seus tekohá, alguns grupos têm, nas últimas semanas, retornado a suas terras tradicionais. Esse fato desencadeou nova onda de manifestações, como podemos ver nos comentários a matérias a esse respeito, no site Dourados Agora.

 

“Indígena serve pra quê? só para ficar no portão incomodando… cerca de 6 anos, minha família perdeu 100 alqueires na região do Panambi, e veja lá hoje como está, índio tem que morrer tudo, não presta para nada, só serve para o governo criar mais um meio de roubar.(Lenilso em 07 de junho de 2011 – terça às 08:11 )

 

“Mas afinal, o que os índios querem? Não é TERRA? Para sobreviverem da CAÇA e da PESCA, assim como seus antepassados? Fácil para se resolver: Vamos mandá-los para a AMAZÔNIA, lá terão a caça e a pesca e muita terra……Não é esse o objetivo? Eles não querem terra? Lá tem, e muita.”( Douradense em 07 de junho de 2011 – terça às 07:31)

 

“SE A FUNAI TIVESSE VERGONHA NA CARA, faria de tudo para emancipar os índios, e se os índios que são estudados, principalmente advogados, fossem homens de verdade, lutariam pela liberdade de seu povo, e não seriam covardes se escondendo na constituição brasileira que só protege os corruptos” (VALDEMIR em 06 de junho de 2011 – segunda às 22:44)

 

Diante de manifestações incitando à violência e morte dos índios, o Ministério Público Federal já instaurou procedimento para maiores informações a respeito dos autores de semelhantes afirmações.

 

Audiência Pública sobre meio ambiente

 

Na Câmara Municipal de Dourados se realizou uma expressiva audiência pública sobre a questão ambiental.  Com o plenário lotado, as exposições relevantes acabaram deixando pouco tempo para as manifestações da população. Ficou evidenciada a importância de se continuar promovendo semelhantes iniciativas,  tanto para superar as traumáticas situações vividas nesta casa do povo quanto para mostrar que a sociedade douradense continua assumindo sua responsabilidade em construir uma cidade ambientalmente cada vez mais verde e saudável, socialmente mais justa e politicamente mais responsável.

 

Um dos palestrantes, Ivo Poletto, assessor da CNBB, chamou atenção para a responsabilidade de cada cidadão douradense no cuidado de nossa casa comum que é o Planeta Terra. Para isso precisamos nos questionar sobre o modelo de consumo e produção que hoje temos, e que é insustentável, pois tira da terra, muito mais do que ela pode suportar.

 

Palco de um dos maiores escândalos, a Câmara Municipal de Dourados, acompanhada de perto pela população, começa a emergir como espaço de debate e definição de políticas sociais e ambientalmente corretas.  Isso significa começar a superar a corrupção generalizada e a destruição massiva da natureza, terra, rios, matas… que é inerente à lógica da produção do agronegócio.

 

Fonte: Cimi Regional MS
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