Informe nº 966: Ibama autoriza Belo Monte sem cumprimento de condicionantes
Brasília – Contrariando relatórios técnicos, recomendações de organismos internacionais e a opinião dos povos indígenas, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) concedeu a licença de instalação que autoriza o consórcio Norte Energia a iniciar as obras da usina hidrelétrica de Belo Monte, na região de Altamira, no Pará. Era o que faltava para o governo federal colocar em movimento o maior investimento programado dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Segundo os documentos oficiais, Belo Monte inundará uma área de mais de
Nos documentos disponibilizados no site do Ibama, o órgão admite com todas as letras que das 40 condicionantes feitas pelo órgão, apenas 23 teriam sido supostamente atendidas. Ou seja, ações antecipatórias, impostas pelo próprio Ibama e pela Fundação Nacional do Índio (Funai) para a liberação da Licença Prévia e que na época eram exigências para concessão da Licença de Instalação, foram empurradas para fases posteriores.
O projeto é faraônico. O orçamento que a Norte Energia encaminhou ao Ibama avalia o investimento recorde em R$ 27,4 bilhões, para gerar em média uns 4.500 MW de energia. Se o investimento é recorde e a usina é a terceira maior do mundo, a produção é baixa. De acordo com o Plano Básico Ambiental (PBA) elaborado pelo Núcleo de Economia Sócio-Ambiental (Nesa), a usina tem estimativa de potência média equivalente de pouco mais de um terço deste total ao ano. Por conta disso, muitos investidores retiraram seus recursos por considerar o custo-benefício ruim.
Se não bastasse os infindáveis questionamentos sobre a potencialidade da usina, que nunca foram desmentidos ou respondidos, os impactos ambientais, econômicos, sociais e humanos serão profundos. Mais de 350 acadêmicos, incluindo professores, pesquisadores, cientistas e intelectuais brasileiros enviaram ontem, dia 1º de junho, uma carta à presidente Dilma Rousseff expressando sérias preocupações relativas á violações de direitos humanos e ao descumprimento da legislação ambiental brasileira no processo de Belo Monte.
As manifestações contrárias ao parecer do Ibama não se restringem ao Brasil. A organização Anistia Internacional (AI) pediu que o governo do Brasil suspenda o projeto de construção da hidrelétrica de Belo Monte até que os direitos da população indígena estejam "plenamente garantidos".
"O Brasil deve acatar as recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para suspender a construção da represa de Belo Monte até que os direitos das comunidades indígenas locais estejam plenamente garantidos", disse Guadalupe Marengo, subdiretora da região Américas da organização que tem sede em Londres.
No seu parecer técnico de 14 de janeiro deste ano, os próprios técnicos da Funai afirmaram que as condicionantes sobre os indígenas não foram cumpridas e que, com isso, “não há resultados concretos positivos”. A recomendação era para que a Funai não desse qualquer licença de instalação. O presidente do órgão, Márcio Meira, contrariou a análise de sua equipe e assinou a autorização.
O prazo de desintrusão das terras indígenas, que ficou para antes da Licença de Operação – a última do processo de licenciamento ambiental – foi irresponsavelmente revogado. Só precisará ser realizada daqui a cerca de cinco anos. No cenário previsto para a obra, a tendência é de que a ocupação ilegal dessas áreas se acentue, aumentando a tensão fundiária já acirrada na região. Já no início de maio, duas lideranças indígenas denunciaram ameaças de morte por causa deste conflito pela terra, mostrando a irresponsabilidade desta decisão.
Em entrevista coletiva concedida a imprensa, ontem, 1º de julho, Curt Trennepohl, presidente do Ibama, não respondeu a muitas questões. Entre elas, como fica a imagem do Brasil perante a opinião internacional depois da autorização. Sobre a questão indígena, limitou-se a dizer: “Tenho confiança no parecer da Funai”. Qual parecer: o dos técnicos que não aprovaram a licença ou a do presidente Márcio Meira?
Ontem, após a descabida decisão do Ibama em conceder a Licença de Instalação da obra, diversas organizações contrárias a Belo Monte se manifestaram. Entre elas, o Movimento Xingu Vivo. Com sede em Altamira (PA), justamente uma das regiões que será atingida por Belo Monte, a organização se diz surpresa com a concessão, mas afirma que não recuará na luta pela não realização da obra.
"Não recuaremos um centímetro. A cada erro, a cada mentira, só aumenta mais nossa indignação e nossa força de lutar. Esta licença é a ante-sala de um crime que nós impediremos que seja cometido, custe o que custar", disse Antonia Melo, coordenadora do Movimento Xingu Vivo Para Sempre.
Em nota divulgada ontem, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) também expressou repudio diante da decisão do Ibama que fere os direitos dos povos indígenas garantidos em organismos internacionais ratificados pelo Brasil, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas e até mesmo a própria Constituição Federal Brasileira.
“Não aceitaremos Belo Monte, quantas histórias tristes os povos indígenas têm que contar? Não mais. Não aceitaremos Belo Monte. Essa é a decisão dos povos indígenas da Amazônia Brasileira. O movimento indígena amazônico está preparado, nossa fortaleza é o Xingu”, afirmaram.
O Cimi se junta às vozes dos povos indígenas e movimentos que lutam contra Belo Monte, se solidarizando com estes povos frente a este novo golpe deferido pelo governo federal contra seus direitos e suas vidas. “Reafirmamos o compromisso de continuar apoiando suas lutas no intuito de impedir a implementação deste projeto de morte”.