16/05/2011

Laranjeira Nhanderu: a volta com dignidade

Após quase dois anos à beira da estrada, comunidade Guarani Kaiowá de Laranjeira Nhanderu retoma parte de seu território tradicional, em Rio Brilhante, MS

Por Egon Heck

“Patrícios, eu não queria desanimar vocês. Aqui voltaremos um dia, e será com o apoio da Justiça…” (Anastácio Peralta, 11 de setembro de 2009).

Um ano, oito meses e quatro dias de sofrimento à beira da BR 163. Esse foi o tempo em que o grupo de 134 Guarani Kaiowá permaneceu entre a cerca e o asfalto, numa faixa de aproximadamente 30 metros de largura, próxima ao rio Brilhante, município de mesmo nome, em Mato Grosso do Sul.

O tempo em que ficaram acampados à beira da estrada foi um tempo de angústia e medo de atropelamentos ou ataques. Tempo em que sofreram constantes ameaças e pressões dos fazendeiros e do Departamento Nacional de Estradas (DNIT). Estiveram expostos a todo tipo de intempéries, das pragas dos mosquitos e sangue sugas; do frio intenso às alagações constantes; do calor estorricante sob as lonas pretas. Tudo suportaram pacientemente, com a certeza de que um dia voltariam à terra que lhes pertence e da qual forram expulsos.

Da expulsão à volta – um longo caminho

Dia 11 de setembro para os Guarani Kaiowá nada tem a ver com as torres gêmeas ou o Bin Laden. Para a comunidade de Laranjeira Nhanderu passou à memória coletiva como um dia em que foram vítimas de uma brutal agressão, expulsão da terra sagrada para a qual tinham voltado há mais de um ano. Naquele dia, indignados, juntaram seus poucos pertences e a pé ou de bicicleta, foram levando o que puderam até a beira da estrada. Na mesma noite os fazendeiros se apressaram em queimar os barracos. Mas, da cinza renasceu a esperança e novos barracos. Ali ergueram seus barracos e permaneceram até ontem, 15 de maio, entre a cerca e o asfalto.

Veja vídeo do despejo

Foi o tempo de longa peregrinação de esperança, celebrações, criatividade, visitas e lutas. Dezenas de comissões de direitos humanos, nacionais e internacionais visitaram o grupo. Bispos, acadêmicos, instituições de caridade e científicas, representantes de igrejas, sindicatos, aliados dos mais diversos espaços, estiveram ali e levaram a eles sua solidariedade e apoio. Inúmeras promessas de resolver o problema. Incontáveis reuniões e documentos também estiveram presentes durante o período em que ficaram acampados à beira da estrada.

Foram mais de quinhentos dias sob o barulho intenso e ameaças de atropelamentos.  Dois jovens morreram atropelados e dezenas de pequenos animais foram esmagados pelas rodas dos caminhões e carros em alta velocidade. Só um povo sábio e resistente é capaz de agüentar semelhante situação.

A visibilidade incômoda

O acampamento Laranjeira Nhanderu passou a ser a porta de entrada para a realidade Guarani Kaiowá. Representava uma ameaça e incômodo aos fazendeiros da região e ao mesmo tempo era uma permanente denúncia sobre o tratamento que o governo dispensa à questão indígena no estado, especialmente a questão de terra. Imaginem que até o Departamento Nacional de Estradas se sentia incomodado com aquela situação e tentou remover o grupo, fazendo ameaças de despejo. Mas despejar para onde? “Para o meio do asfalto?”, se perguntavam os Guarani Kaiowá.

A comunidade de Laranjeira Nhanderu está mostrando ao mundo porque os mais de 40 mil Guarani Kaiowá sobreviveram aos mais de quinhentos anos de opressão e invasão.  Apesar de toda essa violência foram capazes de mostrar que viver e lutar vale à pena, quando se acredita no futuro e se tem raízes e vivencias espirituais. Há poucos dias, fizeram uma espécie de celebração e festa de despedida da beira da estrada. Foi o desfile da dignidade e alegria de um povo que sabe superar as adversidades com orgulho e criatividade.

Veja na íntegra o desfile

Assim como deixaram seus barracos à luz do dia e sob o sol forte, retornaram à sua terra, com dignidade, contando com a solidariedade das comunidades Kaiowá Guarani e dos amigos e aliados no Brasil e no mundo.

Fonte: Cimi Regional MS
Share this: