02/05/2011

Abrindo Caminhos

Por Egon Heck

Getulio, líder religioso, inicia o último dia do 2º Aty Guasu de Arroyo Korá com a narração de uma mensagem que Nhanderu (Grande Espírito) havia revelado naquela noite. “As estradas estavam fechadas. Ficara para traz um cavalo vermelho”.  A revelação trazia bastante preocupação.  As estradas fechadas significavam grandes obstáculos para a vida dos Kaiowá Guarani. O cavalo vermelho, que ficara para traz significava perigos para as lideranças indígenas e para os seus aliados e apoiadores. Após falar dessa mensagem forte que havia recebido, disse: “mas nós nhanderu-caciques, rezadores, vamos abrir os caminhos”. Era a força Kaiowá Guarani, a partir de sua religiosidade, cultura e organização, que iriam enfrentar os inimigos e remover os obstáculos.

E a Grande Assembléia, realizada entre os dias 27 e 30 de abril, já era o início do enfrentamento dos grandes inimigos e obstáculos: o poder econômico e político, que continuam negando aos Kaiowá Guarani o direito às suas terras, a repressão à volta a seus tekohá, os agrotóxicos envenenando a terra e as águas; a violência que vai invadindo as aldeias, especialmente com o alcoolismo e drogas, aumentando os conflitos internos, brigas e mortes; a fome e a dependência da cesta básica; o descaso com a saúde por parte da Funasa; a ineficácia da Funai na proteção e garantia dos seus direitos; o retrocesso na maioria das escolas indígenas, com a substituição de professores indígenas por não indígenas. Esses foram alguns dos graves problemas elencados, e que exigem muita união, organização e determinação para enfrentar.

Leia o documento final do encontro

A denuncia dessa situação ficou bem expressa no documento da Assembléia, onde afirmaram: “Nós Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul, queremos dizer mais uma vez que nosso direito às nossas terras continua desrespeitado, gerando uma situação de violência sobre nossas comunidades, o que nos leva a uma situação que nós entendemos como a declaração de morte de nosso povo. Isso é um crime contra a humanidade, é um genocídio. Por isso exigimos novamente providências imediatas dos três poderes para cumprirem suas obrigações com relação às nossas terras. Não queremos continuar sendo objetos de migalhas, enquanto pessoas e grupos nacionais e internacionais, como a indústria da soja e da cana, continuam ocupando e acumulando riquezas com os bens retirados de nossas terras”.

Para reconquistar as terras sagradas das quais foram expulsos e nelas reconstruir e garantir o teko – modo de viver Guarani – necessitam de muita força, união e reza. E foi isso que aconteceu durante os quatro dias da Aty Guasu. Um momento alegre e forte, de grande participação e busca dos melhores caminhos para enfrentar tão grandes desafios.

Leia o documento final do encontro

Por isso, durante toda a noite fizeram seus rituais e danças. E antes mesmo do dia amanhecer as rodas de chimarrão iam animando mais um tempo de debate, celebração, alegria e indignação. As Aty Guasu conseguem ser um espaço para tudo isso. 

No final da assembleia, houve indicação e escolha por unanimidade dos seus representantes em espaços nacionais da luta indígena. Eliseu Lopes foi eleito como representante na Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (Apib). Também foram eleitos os representantes no Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea),  Delosanto Martins, e para a Carteira Indígena, José Barbosa.

O grande destaque nessa assembléia foi a participação das mulheres Kaiowá Guarani. Após se reunirem separadamente, exigiram um tempo em que elas coordenaram o encontro para explicitar suas decisões e propostas. E a palavra das Kuña-mulheres ecoou forte e enérgica. Solicitaram maior participação no Conselho da Aty Guasu e decidiram fazer uma Aty Guasu das Kuña.

Também foi debatida a grave situação dos jovens indígenas, que embora não participassem em grande número, se reuniram e levaram suas preocupações e exigências às lideranças Kaiowá Guarani.  Eles são as maiores vítimas desse processo extremo de opressão e violência. O indicador mais claro disso é o alto índice de suicídios, assassinatos e prisões dos jovens. A droga e o alcoolismo se disseminam rapidamente entre eles. Porém, eles estão decididos a se organizar, enfrentar todos esses problemas e se envolver na luta pelos direitos de seu povo, especialmente a recuperação das terras. Por isso também querem participar do Conselho da Aty Guasu e realizar um grande encontro de jovens Kaiowá Guarani.

Leia o documento final do encontro

No final do encontro foram escolhidos novos participantes do Conselho, que fora criado em Arroyo Korá, há dois anos.

Após a benção e batismo dos documentos-kuatiá e das crianças, houve um ritual pedindo proteção na volta às aldeias e também para a delegação que seguiu para o Acampamento Terra Livre, em Brasília.

 

Fonte: Cimi Regional MS
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