ABA: “comunidades devem ser plenamente informadas e consultadas”
A ABA, através da sua Comissão de Assuntos Indígenas, vem expressar à opinião pública e às autoridades do país a sua preocupação com o adequado cumprimento dos dispositivos legais relativos à oitiva dos povos e comunidades indígenas a serem afetados pelo projeto de construção da UHE Belo Monte.
Há uma grande distância entre ser informado e consentir, bem como não se pode confundir um procedimento de oitiva com uma simples comunicação aos indígenas sobre os resultados de um estudo de impacto ambiental conduzido anteriormente. Vimos aqui apoiar os pleitos destas comunidades em ser plenamente informadas e consultadas.
Está fora de questão, evidentemente, o meritório trabalho desenvolvido pelas equipes de técnicos da FUNAI e especialistas por ela convidados, que estiveram na região participando de reuniões com os indígenas com o propósito de informar-lhes sobre a UHE de Belo Monte e seus impactos já dimensionados. Cabe igualmente destacar a importância e seriedade dos levantamentos e estudos realizados com vistas ao estabelecimento de mecanismos compensatórios e de mitigação dos impactos e da formulação de um Plano Básico Ambiental tendo em vista estas populações e que respondam a suas reais necessidades e à dimensão dos impactos previstos. Isto faz parte indiscutivelmente das atribuições do órgão indigenista e está definido por normas vigentes.
Contudo imagens amplamente divulgadas pela internet (vide http://www.youtube.com/watch?gl=BR&v=zdLboQmTAGE) – e não desmentidas pela FUNAI nem pelos técnicos que ali aparecem – deixam claro que as comunidades indígenas continuam a sentir-se ameaçadas e pouco esclarecidas, formulando dúvidas e questões que os técnicos não têm condições de responder ou legitimidade para dar garantias em nome do governo ou dos empreendedores. Em todos os registros vistos é reiterada a preocupação dos indígenas em afirmar que não estão concordando com o empreendimento. Insistem ademais na necessidade de realização de uma oitiva no Congresso Nacional (e não em audiências públicas realizadas na região) e destacam a importância de receberem em suas aldeias a visita de uma comissão oficial de parlamentares. Na perspectiva de tais comunidades, não resta duvida de que elas não se sentem adequadamente informadas, muito menos ouvidas.
A presença de equipes técnicas da FUNAI nas aldeias, informando as comunidades indígenas sobre os estudos precedentes de impacto ambiental, não pode ser equiparada ao exercício de oitivas. Considerando a barreira lingüística, a peculiaridade de sua organização política e a existência de fortes conflitos interétnicos, as audiência publicas não se configuram de modo algum em espaços que permitam a livre manifestação dos indígenas e que lhes propiciem os esclarecimentos específicos de que se ressentem. Ate o momento a demanda dos indígenas quanto a uma oitiva por parte do Congresso Nacional não foi nem sequer considerada.
Em diversas ocasiões a ABA tem manifestado sua posição de que o cumprimento do cronograma das obras não pode sobrepor-se às obrigações que o Estado tem no respeito aos direitos de pessoas e coletividades que lá habitam (algumas desde épocas imemoriais), nem pode transformar em letra morta as normas de proteção ao meio ambiente (que embasaram o estabelecimento das 40 condicionantes formuladas pelo IBAMA, a grande maioria das quais se encontra ainda muito longe de serem atendidas).
Para corrigir esta defasagem – que poderá ser letal para as comunidades afetadas – é que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos, solicitou ao governo brasileiro a paralisação temporária do empreendimento, para que os direitos indígenas sejam respeitados e as condicionantes transformadas em realidade, e para que estas populações sejam devidamente informadas e consultadas.
Um cenário bastante preocupante foi esboçado na ultima reunião do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), da Secretaria de Direitos Humanos. Em relatório resultante de visita à região, apresentado pelo conselheiro Percílio de Sousa Lima Neto, vice-presidente do CDDPH, foi constatada a “ausência absoluta do Estado”, o consórcio vindo a desempenhar até mesmo funções públicas e assistenciais. O “flagrante desequilíbrio entre o consórcio, as populações ribeirinhas e as etnias indígenas” só poderá constituir-se em fator de agravamento dos problemas sociais locais.
Esperamos que a instalação do Comitê Gestor do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu (PDRS-Xingu), com a participação de representantes das populações afetadas, dos movimentos sociais e entidades que trabalham com a temática, venha efetivamente contribuir para mitigar os efeitos deste desequilíbrio. Permanece porem uma questão anterior: o fato do Estado de não ter realizado uma consulta adequada aos povos indígenas, com a obtenção segundo seus costumes e tradições de um consentimento livre, prévio e informado. Observa-se assim a necessidade de urgente regulamentação pelo Estado brasileiro dos procedimentos de consulta junto aos povos indígenas e demais populações afetadas, em conformidade com o estabelecido na Convenção 169 da OIT.
João Pacheco de Oliveira
Pela Comissão de Assuntos Indígena