19/04/2011

Cresce número de conflitos pela posse da terra

Constatação faz parte da publicação Conflitos no Campo Brasil 2010, produzida pela Comissão Pastoral da Terra e lançada hoje pela manhã, na sede da CNBB

 

Por Cleymenne Cerqueira

 

Publicação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) constata que número de conflitos pela posse da terra tem crescido no país. O dado faz parte do livro Conflitos no Campo Brasil 2010, lançado hoje (19) pela manhã, na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília. Embora os dados registrados não apontem um elevado crescimento se compararmos as ocorrências de 2009 (854 registros) e 2010 (853 registros), os dados são alarmantes se compararmos esse crescimento nos últimos dez anos. Em 2001, 366 conflitos no campo relativos à posse da terra foram registrados, já em 2010, os dados apontam 853 ocorrências.

 

Dessas ocorrências ainda vale destacar, que ao contrário dos outros anos, houve uma diminuição desses conflitos protagonizados pelos movimentos do campo. Em 2009, foram 290, já em 2010, 180, uma redução de 38%. Então como explicar números tão altos? O fato é que os conflitos pela terra que envolvem expulsões, ameaças de expulsão, pistolagem, despejos e ameaças de despejo, tiveram um incremento de 21% este ano. Passaram de 528 em 2009, para 638 em 2010. Por isso, não é correto afirmar que o número de conflitos no campo tenha diminuído. Os números oscilam em decorrência de conflitos pela posse da terra, trabalho escravo e pela água, entre outros.

 

O Nordeste deteve o maior número de conflitos em 2010, com 43,7% (279 ocorrências), seguido da região Norte com 36,7% (234). As demais regiões concentraram 9,6% (61) no Sudeste, 5,8% (37) no Centro-Oeste e 4,2% (27) no Sul. Se os critérios adotados forem de regiões geoeconômicas, a Amazônia Legal concentra 65% dos conflitos pela posse da terra, sendo que três estados – Maranhão, Pará e Tocantins – concentram 46,2% do total.

 

Ainda de acordo com a publicação, as populações mais afetadas por esses conflitos no campo são as que podemos chamar de tradicionais – quilombolas, indígenas, ribeirinhos, camponeses, entre outros. Populações essas que atingem cerca de um quarto do território nacional e somam 4,5 milhões de pessoas. Cerca de 57% do total de conflitos pela posse da terra, 347 ocorrências, envolvem essas comunidades. Os outros 47% está divido entre setores considerados protagonistas da luta pela reforma agrária, como os sem-terra (182 conflitos), os assentados (61 conflitos), pequenos proprietários (9 conflitos) e outros.

 

Para a CPT, tais dados deixam evidente que não por causa da ação dos sem-terra que a violência no campo persiste, como muitos querem fazer crer, taxando de violentas as ações dos trabalhadores, negando-se a ver a violência sobre a qual se alicerçou todo o processo de ocupação territorial brasileiro desde o tempo da colônia até os dias atuais.

 

Assassinatos

 

Outro dado alarmante é o crescimento do número de assassinatos em conflitos no campo. Em 2010 foram 34 assassinatos contra 26 registrados em 2009, um aumento de 30%. Destes casos, 30 mortes ocorreram em decorrência de conflitos pela posse da terra, dois em conflitos pela água e dois em conflitos trabalhistas. A região Norte concentrou 21 destes assassinatos; o Nordeste 12 e o Sudeste 1. O Pará detém a liderança nesse triste ranking, com 18 assassinatos, número 100% maior que em 2009, quando foram registrados 9. No entanto, o Maranhão apresentou porcentagem ainda maior no crescimento, com 4 assassinatos em 2010, contra um em 2009, crescimento de 300%.

 

Cabe ainda destacar que 13 ocorrências do total de assassinatos foram de lideranças, bem como enfatizar que além dos assassinatos registrados em 2010, aconteceram 55 tentativas de assassinatos, 125 pessoas receberam ameaças de morte, 4 foram torturadas, 88 criminalizadas na luta pela posse da terra e presas e 90 agredidas. Entre esses registros, podem-se destacar as diversas lideranças indígenas agredidas, torturadas, presas e mortas, entre elas o cacique Babau, Tupinambá do Sul da Bahia, criminalizado e preso ano passado por sua luta pela garantia de acesso ao território tradicional de seu povo.

 

Conflitos pela água

 

Em 2010, os conflitos pela água cresceram 93,3% em relação ao ano de 2009. Esses conflitos, que chegaram a 87 em 2010, afetando 197.210 famílias, contra 45 em 2009, estão diretamente relacionados ao uso da água e sua preservação, à construção de barragens e à apropriação particular. Esses conflitos acontecem nas situações de destruição e/ou poluição, pesca predatória, divergências na comunidade, impedimento de acesso à água, expropriação ou ameaça de expropriação, não reassentamento ou falta de projeto de assentamento ou reassentamento inadequado, e não cumprimento de procedimentos legais. Exemplos claros dessas violações foram constatadas por 14 ameaças de morte, 4 tentativas de assassinato, duas prisões e dois assassinatos.

 

Os conflitos pela água em 2010, que estiveram acompanhados de violência física e psicológica, registraram 25,5% das ocorrências, relacionadas à construção de barragens e açudes. Ano passado, foram registradas duas greves de trabalhadores em construção de barragens. Situação semelhante aos conflitos ocorridos este ano nos canteiros de obra das usinas de Jirau e São Domingos, no rio Madeira, em Rondônia, e no Mato Grosso do Sul, respectivamente.

 

Aqui não se pode deixar de mencionar ainda os diversos conflitos, ameaças e intimidações sofridas pelos povos e comunidades tradicionais do Xingu (PA), em decorrência da construção da hidrelétrica Belo Monte, que mesmo diante da negativa dessas populações o governo brasileiro insiste em construir. Para José Éden Magalhães, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), hoje existe a mesma lógica da época da ditadura, quando o governo negava a presença de povos tradicionais, como os indígenas, inclusive os isolados, nessas áreas de construção de barragens. “O governo e seus representantes já estiveram na região e constataram as violações que lá estão acontecendo, mas mesmo assim insiste em manter uma postura autoritária, reagindo inclusive de forma muito negativa ao pedido da OEA de suspender Belo Monte.

Fonte: Cimi
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