14/04/2011

Indígenas Guajajara e Canela Apãnjekra, do Maranhão, sofrem com a demora na nova demarcação de suas terras

Processo se arrasta há mais de 30 anos. Enquanto isso, famílias inteiras são vítimas de preconceito e agressões na busca pela garantia de seus direitos

 

Pastoral Indigenista Diocese de Grajaú

 

Dia 4 de abril o plenário da Câmara de Vereadores de Grajaú, Maranhão, ficou lotado. O motivo? Pequenos agricultores e grandes fazendeiros solicitavam o apoio dos vereadores para impedir as novas demarcações de duas terras indígenas na região. A Pastoral Indigenista, percebendo antecipadamente que o argumento deles seria a ilegalidade da ação, apressou-se em elaborar e distribuir um documento com todos os dados, desde a abertura dos primeiros processos de revisão dos limites das referidas terras indígenas até o atual momento, o da colocação dos novos marcos.

 

Neste conflito percebem-se as posições: os pequenos agricultores são movidos pelo sentimento afetivo que têm pela terra e pela insegurança frente ao futuro porque não acreditam no Incra, os grandes empresários rurais com ares de donos do mundo mantêm o velho discurso capitalista depredador, de que “índio não precisa de terra porque não produz”, os vereadores usam da demagogia que é própria da classe a que pertencem e os indígenas querem assegurar um espaço maior de seu território tradicional para a sobrevivência física e cultural e que corresponda ao crescimento populacional de suas etnias.

 

É nítida a desinformação sobre os processos. Delegaram às prefeituras fazerem as contestações e se acomodaram. “Perderam a causa e não ficaram sabendo”, diziam eles. Alguns que discursaram sequer compreendiam que se tratava de duas terras indígenas, de dois povos diferentes, e que a maior parte de não indígenas a serem retirados é na região de Fernando Falcão e Barra. Também alegavam que nos últimos dez anos cresceu o número de moradores na área a ser demarcada, ou seja, nas terras em litígio têm moradores que não terão direito. Daí uma pergunta: quando houve sobre como seria o processo e como eles deveriam proceder?

 

Estiveram presentes na reunião, representantes de associações de assentamentos, dos Sindicatos Rurais e de Trabalhadores Rurais e das prefeituras dos municípios envolvidos.

 

Um agricultor, ao ouvir a fala de um membro da mesa, alegando que as novas demarcações causarão um grande impacto social, pois inchará a cidade, retrucou: “não é dos índios que temos que ter medo, quem está acabando com a gente é a fumaça das carvoeiras, é o veneno do eucalipto, são os grandes que estão expulsando os pequenos agricultores de suas terras… é deles que temos medo”.

 

As articulações em Grajaú continuam, coordenadas pelo presidente da Câmara de Vereadores Evandro Jorge e pelo secretário municipal da Indústria e Comércio e presidente do Sindicato Rural de Grajaú José de Simas Lima. A firme intenção é impedir as novas demarcações.  

 

Revisando a história e os processos

 

A história da ocupação das terras no Maranhão foi e continua marcada por espoliações e conflitos. Nos anos 1950, com o programa desenvolvimentista incrementado no estado, as terras foram griladas, vendidas, saqueadas, entregues aos empresários do agronegócio. Posseiros foram expulsos, mortos, comunidades inteiras dispersadas e a floresta destruída. Os povos indígenas foram os mais atingidos.

 

Uma batalha judicial foi travada para que em nosso estado os indígenas tivessem o direito de permanecer em seu território tradicional.  Nos anos de 1970 e 1980 este direito foi garantido. Contudo, as demarcações não respeitaram os limites defendidos pelos indígenas, dando voz aos interesses de ocupantes não indígenas. Os indígenas nunca se conformaram. Desde então, diversos conflitos aconteceram.

 

Ainda em 1992, indígenas do povo Guajajara e, em 2000 indígenas do povo Canela Apãnjekra solicitaram a abertura de processo no Ministério da Justiça (MJ) para revisão dos limites. A Terra Indígena Bacurizinho do povo Guajajara e a Terra Indígena Porquinhos do povo Canela Apãnjekra passaram pelos procedimentos legais de revisão (cf. Lei de Terras Indígenas – Decreto 1.775 de 08/01/1996).

 

Os ocupantes não indígenas tiveram direito à contestação. As prefeituras de Grajaú, Barra do Corda, Fernando Falcão e Formosa da Serra Negra o fizeram, mas suas argumentações não tinham consistência. O Supremo Tribunal de Justiça deu ganho de causa aos indígenas. Em fevereiro deste ano, a empresa SETAG iniciou a demarcação, mas foi barrada, principalmente por fazendeiros que impedem a colocação dos marcos na TI Bacurizinho e incitam os pequenos agricultores à revolta.

 

Na TI Porquinhos, segundo funcionário da Funai, Núcleo Canela em Barra do Corda, a demarcação sequer iniciou, pois há uma forte articulação entre os não indígenas, envolvendo inclusive funcionários do estado  que falam até em guerra civil. Comunidades indígenas sofrem intimidações, discriminações e ameaças. Aguarda-se a presença da força policial para a concretização dos trabalhos demarcatórios nestas duas Terras.

 

O atual cenário de desolação e discriminação

 

Nos últimos dez anos as terras em litígio, tão ricas na sua biodiversidade, pois abrigam o bioma Cerrado e Floresta Amazônica, foram devastadas, invadidas por madeireiros, queimadas por carvoeiras, envenenadas por agrotóxicos. Acrescenta-se a isso a irresponsabilidade do órgão fundiário federal, Incra e do Instituto de Colonização e Terra do Maranhão (Iterma) que instalaram assentamentos nas terras em litígio e não deram o devido acompanhamento aos pequenos agricultores.

 

Os conflitos internos existentes entre os órgãos federal e estadual: Incra, Funai e Iterma, com suas negligências e denúncias de corrupção, geram insegurança e acirram os conflitos externos. Mais uma vez, as grandes vítimas são os povos indígenas e os pequenos agricultores. 

 

Acrescenta-se a isso outro fato lamentável. No povoado Remanso em Grajaú, oito crianças do povo Guajajara foram matriculadas na Escola Municipal Sirino Rodrigues para freqüentarem as aulas no ano letivo 2011. Em fevereiro, alguns moradores ao saberem disso exigiram a retirada das crianças da referida escola. Foram até a Secretaria Municipal de Educação. O secretário primeiramente tentou dissuadi-los, mas acabou cedendo às pressões. Num acordo com as famílias Guajajara as crianças foram matriculadas em duas escolas do Bairro Expoagra em Grajaú, sendo que a Secretaria disponibiliza o transporte escolar.

 

O povoado de Remanso é constituído de famílias retiradas do povoado São Pedro dos Cacetes, quando em 1996 aconteceu a retirada definitiva deles da Terra Indígena Canabrava. Um conflito que já durava vinte anos. Não há dúvidas, de que essa retirada deixou marcas. Contudo, não foram os indígenas os culpados. O laudo antropológico comprovou ser aquela região um território tradicional dos Guajajara. Quando da retirada definitiva em 1996, a então chefe do Executivo do estado do Maranhão usou de politicagem ao assentar de forma injusta aquelas famílias no Remanso. Cada família recebeu 20 hectares de uma fazenda adquirida para esse fim, e que tem pouca produtividade.

 

E agora, são crianças indígenas que necessitam de escola, que vão pagar por um crime que não cometeram? E mais, há informações de que estas famílias indígenas foram levadas por um fazendeiro para morarem em suas terras, próximas ao Remanso, com o intuito de receber uma indenização pela presença dos indígenas lá. De novo os interesses de terceiros iludindo os indígenas e acirrando conflitos passados, porém ainda latentes.

 

Compromisso com a causa dos preferidos de Deus

 

A Pastoral Indigenista, o Regional Maranhão do Conselho Indigenista Missionário e a Pastoral da Terra da Diocese de Grajaú estão empenhados em acompanhar este momento delicado, a fim de que o direito e a justiça do Reino, proclamados por Jesus, prevaleçam. Que os povos indígenas possam reconquistar seu território tradicional e que as famílias de pequenos agricultores não indígenas possam ter seu direito à terra, através de um reassentamento justo a que têm direito por lei, convivendo de forma sustentável com a Mãe Natureza e no respeito às diferenças étnico-culturais. 

Fonte: Pastoral Indigenista Diocese de Grajaú
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