05/04/2011

A força da solidariedade

“Vocês não estão sós… a justiça vai prevalecer… tenham confiança”.

Por Egon Heck

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Crianças, adolescentes e jovens canadenses vão construindo cartas e cartões para seus irmãos do Ypo’i, comunidade Kaiowá Guarani, distante a milhares de quilômetros daí. A iniciativa foi da Anistia Internacional no Canadá.

Final de março. Três mulheres, da equipe do Cimi Dourados, seguem para o Ypo’í. Têm uma missão especial. Levam consigo mais de mil cartas e cartões de solidariedade à comunidade. Elas têm que ir à noite, atravessando fazendas. O fazendeiro Escobar não deixa ninguém chegar lá pela estrada. Uma porteira e um cadeado fechado impedem o acesso à área. O cerco só está rompido parcialmente por uma decisão judicial que autoriza a Funai e a Funasa a prestarem assistência à comunidade duas vezes por mês.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Muita alegria com a chegada. O dia amanhece com ritual de gratidão. A aldeia, de umas dezenas de casas cobertas de sapé ou lona preta, é um aguerrido grupo resistindo em seu tekohá, seu território tradicional. Se a presença de pessoas solidárias já é motivo de muita alegria, imagine a cena da entrega das cartas. A sensação de que o mundo envolvesse o pequeno espaço de mata onde a comunidade está cercada. Parecem voar livres nas asas da solidariedade expressa em centenas de desenhos e escritos que foram cuidadosamente sendo sentidas e apreciadas por crianças, jovens e adultos.
Como gestos simples se transformam em poderosas armas de esperança! Depois do momento de sentir e apreciar, os cartões se transformam em um imenso varal da solidariedade.  A resposta vem em gestos de gratidão e felicidade, expressos em mais de uma centena de desenhos e escritos que tomam o destino inverso: de Ypo’i ao Canadá.

“Esse é o dia mais feliz de minha vida”, declarou emocionado Rodolfo, ao caminhar pelo fragmento de floresta em que estão confinados, e mostrar os caminhos da luta e da resistência. Relembrou os momentos difíceis em que foram atacados, torturados e assassinados os dois professores, Genivaldo e Rolindo, no final de outubro de 2009. Até hoje não foi localizado o corpo de Rolindo e o inquérito está com o Ministério Público Federal de Ponta Porã.

Ao retornarem a Dourados, da missão de solidariedade, levavam a missão de gratidão das dezenas de cartões que serão enviados aos amigos do povo Guarani no Canadá. Fica uma bela página de resistência e solidariedade, gravada em milhares de corações.

Ninguém ficará impune

Outro fato importante para os Kaiowá Guarani do Mato Grosso do Sul, foi a visita da Comissão Técnica Federal do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, da Secretaria Especial de Direitos Humanos. Os cinco integrantes dessa importante delegação, com o apoio e escolta da Polícia Rodoviária Federal, tiveram um intenso roteiro de visitas para ouvir horas e horas de relatos das agressões, violências, ameaças e discriminação de que são vítimas comunidades e indígenas Kaiowá Guarani nesta região do cone sul do estado.

Em Dourados, a Comissão teve um encontro com uma delegação de lideranças do Conselho da Aty Guasu. Puderam explicar aos indígenas a atuação desse programa do governo federal, no sentido de se inteirar das violências e ameaças de que são vítimas cidadãos deste país e encaminhar aos respectivos órgãos relatos exigindo providências. Com isso, esperam contribuir para que não mais se repitam as bárbaras violências contra os Kaiowá Guarani, especialmente na luta pelas suas terras.

De Dourados seguiram para visita à comunidade do Ypo’í, município de Paranhos, onde permaneceram um dia ouvindo todos os relatos da comunidade. Tudo foi gravado e filmado.  Extensos e pormenorizados relatos foram registrados.  Para a comunidade foi um momento importante para sentirem que daqui em diante estarão mais protegidos em seus direitos, contra qualquer tipo de desrespeito e agressão aos seus direitos. Rodolfo fez uma fala emocionada, conforme relato do advogado do Cimi Regional MS, Rogério Batalha, dizendo: “Meu pai perdeu o filho, morto pelos pistoleiros. Um filho assassinado que estava lutando pelo tekohá. Até hoje ninguém foi preso. Aí, depois de um tempo, aparece um processo acusando meu pai de um crime que ele não cometeu. Isso é Justiça? Isso não está certo! Isso que é a Justiça que querem dar para o nosso povo?" Quando a comitiva estava chegando próximo ao portão da fazendo, subitamente apareceu o fazendeiro Fermino Escobar, desandando acusações contra os índios.

A comissão seguiu para visita à comunidade de Nhanderu Marangatu, no município de Antonio João. Ali também puderam ouvir relatos de uma década de violência e confinamento de mais de mil indígenas em 124 hectares de terra. Além das agressões e ameaças que a comunidade continua sofrendo, também lembraram que apesar de sua terra de 9.300 hectares ter sido demarcada e homologada pelo presidente Lula, até hoje não foi julgado, pelo Supremo Tribunal Federal, o processo que lhes devolvesse as terras.  O processo contra os assassinos de Dorvalino, no dia 24 de dezembro de 2005, está parado.  Foram quase cinco horas de depoimentos e contato com essa realidade de uma das comunidades mais agredidas nesses últimos anos.

A visita à comunidade Terena de Cachoeirinha também foi muito importante. Foi a primeira visita da Comissão a uma comunidade Terena, que sofreu violências brutais da polícia do estado, ao ser despejada, no ano passado, de parte de sua terra já demarcada.

A solidariedade ampla, nacional e internacional é uma das formas mais eficazes da garantia dos direitos indígenas.

Fonte: Cimi Regional Mato Grosso do Sul
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