30/03/2011

Algumas reflexões sobre mudanças climáticas

Por Gilberto Vieira dos Santos

Tendo como lema “Com a Mãe Terra recriar o ambiente da vida”, realizou-se em Luziânia (GO), o II Simpósio Mudanças Climáticas e Justiça Social. O evento que aconteceu entre os dias 14 e 16 de março foi promovido pelo Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social, organização que tem o papel de articular as pastorais sociais da CNBB, movimentos sociais e entidades da sociedade civil no intuito de "disseminar informações, gerar consciência crítica e mobilizações da cidadania, visando contribuir no enfrentamento das causas estruturais do aquecimento global que provoca Mudanças Climáticas em todo o planeta Terra".

O Fórum tem realizado diversos seminários e encontros nas grandes regiões do Brasil para debater e amadurecer enfrentamentos ao fato que pouco negam: o planeta está aquecendo e as consequências, muitas já sentidas, tendem a atingir em breve populações pelo mundo todo. 

Embora já tenha sido publicado um manifesto e uma Carta Compromisso elaborada a partir dos temas debatidos pelos mais de cem participantes, creio que é sempre interessante um olhar sobre este tema, para o qual espero contribuir. Tentarei fugir do estilo "relatório", já que não é este o objetivo aqui.

Poderia começar apontando para os problemas já elencados e sobre os quais muitos vem se dedicando há anos: a impressão de que o clima esta descontrolado. Foi notícia pelo mundo a seca na Amazônia em 2005 e 2010; as chuvas concentradas em várias regiões do país com efeitos desastrosos para populações fragilizadas, nas encostas dos morros no Rio de Janeiro e neste caso, também atingindo à classe média invasora de ambientes que deveriam ser destinados à preservação e não especulação imobiliária. As enchentes assustam e vem causando inúmeros danos aos moradores que foram empurrados para as áreas de risco, para os espaços que lhes restou.

Certamente, estes fenômenos metereológicos não são casuais e inúmeros estudos apontam o aquecimento global como causa destas mudanças climáticas. O grupo de cientistas que compõe o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), vem demonstrando estes fatos através de seus relatórios. Embora interesses escusos questionem os relatórios do IPCC, dizendo serem fantasiosos e exagerados, creio ser um tanto difícil negar a importância deles. Para o quarto, publicado em 2007, por exemplo, foram consultados 2.500 cientistas em mais de 130 países. O relatório final foi assinado por 450 cientistas. Será que há tantos cientistas loucos no mundo? E se concentram justo em um órgão das Nações Unidas?

Se este é o fato, eu fico com estes "loucos do clima". Não basta, contudo, identificar que o planeta aquece. Sabedores de que as causas são diversas, que vai do escapamento dos carros ao das vacas, do CO2 ao metano, das derrubadas na Amazônia, das carvoarias do cerrado às fábricas da China, das termoelétricas ao metano gerado pela hidroelétricas, é preciso ir além. Todas as causas estão ligadas, umbilicalmente, ao processo de desenvolvimento da sociedade capitalista que transformou tudo em mercadoria, subjugou a natureza e, para transformá-la também em mercadoria, perdeu os limites do racional. Neste sentido a Revolução Industrial foi, também, uma involução na relação com a natureza e gerou um brutal processo de agressão ao planeta. A solução para este grave problema não é amena: só é possível com uma nova perspectiva de relação com o planeta, com o cuidado para com a criação, com a mudança radical na aceleração do que se defende ‘desenvolvimento’. É preciso tirar o pé do acelerador e pisar no freio!

Este é um lado da análise do que se debateu nestes dias entre as pessoas que vieram de várias cidades brasileiras e de outros países da América Latina. O outro lado foi a manifestação da contradição. Enquanto todos os dados nos indicam para a necessidade de mudança de rumos, vimos como o governo federal se preocupa com os desafios do aquecimento global através de seu Plano Nacional de Mudanças Climáticas que tem na base, para o enfrentamento da situação a construção de hidrelétricas – no Plano Decenal de Energia – e a ampliação da produção de agrocombustíveis. E ainda chama de energia limpa. Certamente devem pensar que não são sujas as obras que desalojaram várias famílias, inundaram ou inundarão terras férteis, vilas, cidades; não deve ser suja para o governo a prostituição de jovens nos canteiros de obras, os ‘vale prazer’ distribuídos pelas empresas construtoras das barragens, as mortes nas obras, a situação de escravidão de diversos trabalhadores neste setor. Não deve ser suja para o governo os mais de oito litros de água que perde por dia um cortador de cana, que realiza esforços que encurta sua vida, o trabalho escravo de muitos destes; não deve ser suja para o governo o etanol produzido pela cana queimada, mesmo com a inserção de máquinas, já que a queima aumenta o teor de sacarose e produz mais álcool.

Também, no cúmulo da contradição, o Plano de Mudanças Climáticas do governo federal prevê a inserção no absurdo mercado de carbono, através dos mecanismos de Redução de Desmatamento e Degradação (REDD). Na prática os maiores poluidores mundiais como China e Estados Unidos vão pagar para que preservemos as matas, enquanto não reduzem em nada suas emissões. E vão empurrando com a nossa barriga o protocolo de Quioto. Aliás, poderão até reduzir com a energia limpa do etanol produzido no Brasil em uma usina construída sobre território do povo Guarani Kaiowá, utilizando mão-de-obra escrava que cortará a cana queimada e sua limpa emissão de CO2. Poderá ser mais limpa ainda, se o agrocombustível que alimentará a insustentável frota de veículos destes países for produzido pela soja transgênica produzida em Lucas do Rio Verde, ou em Campo Verde, ou em Primavera do Leste. Nestes e em outros municípios, a soja poderá contribuir para o bem estar dos norte-americanos com o limpo combustível, apesar do leite materno, da água, dos solos e das pessoas contaminadas pelos agrotóxicos nestes lugares. No fim, tudo poderá ser pago com os recursos provenientes do norte. E se não houver produção suficiente de alimentos, já que é preciso dar lugar para os monocultivos, poderemos comer um mac-big-x-tofu acompanhado de caldo de cana. 

Fonte: Cimi Regional Mato Grosso
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