16/03/2011

Alternativas ao atual modelo de desenvolvimento foram apontadas hoje durante o 2° Simpósio Nacional de Mudanças Climáticas e Justiça Social

Segundo dia do encontro contou com a participação de diversos pesquisadores e especialistas, que trouxeram suas experiências de trabalho para a redução da emissão de gases do efeito estufa e a diminuição dos efeitos  das mudanças climáticas

 

Por Cleymenne Cerqueira

Assessoria de Comunicação – Cimi

 

A discussão sobre a influência direta da ação do homem sobre o meio ambiente e as conseqüências dessa ação para a vida no planeta não é recente. No entanto, somente a cerca de 10 anos começou-se a discutir no meio cientifico o conceito de mudanças climáticas. O termo, ainda novo, tem gerado longas e importantes discussões. Exemplo disso são os diversos eventos realizados em todo o país, quiçá no mundo, sobre a temática.

 

Desde ontem, 14, acontece em Luziânia (GO), o 2º Simpósio Nacional de Mudanças Climáticas e Justiça Social, promovido pelo Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social (FMCJS), organismo vinculado á Comissão Episcopal Pastoral para a Caridade, Justiça e Paz, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O evento, que será encerrado amanhã com um ato público, discute temáticas relacionadas às principais causas e também conseqüências das mudanças climáticas na vida das populações de todo o mundo.

 

Do encontro, participam cerca de 90 pessoas, entre estudantes, pesquisadores, especialistas e membros de entidades e organismos não governamentais e religiosos. Vindos de diversas regiões do Brasil e representantes do Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica e outros biomas brasileiros, partilham experiências, às vezes de dificuldades e sofrimentos enfrentados pelos efeitos de tais mudanças, outras de ações bem sucedidas, como a aplicação da agroecologia, que é uma nova proposta de agricultura familiar, socialmente justa, economicamente viável e ecologicamente sustentável.

 

Relação com as ações humanas

 

Na abertura das atividades do dia, o sociólogo Ivo Poletto, coordenador do FMCJS, falou sobre a realidade encontrada durante suas viagens às diversas regiões do país. De acordo com ele, muito tem se ouvido falar que as mudanças climáticas de fato não existem. No entanto, especialistas em clima e os próprios agricultores, pescadores e demais trabalhadores que vivem diretamente dos frutos da terra, têm comprovado que seus efeitos têm aumentado, sendo perceptíveis a qualquer um.

 

Os principais efeitos das mudanças climáticas são: aumento da temperatura mundial, fenômeno conhecido como aquecimento global, gerado pelo aumento da poluição do ar, e que tem provocado o derretimento das calotas polares e o conseqüente aumento no nível de água dos oceanos; e a desertificação, que tem aumentado velozmente nas últimas décadas. Consequência de tais fenômenos são as enchentes e inundações, os furacões, as nevascas e a seca em diversas regiões do planeta.

 

Grande parte desses efeitos são causados pela ação do homem, criado sob o modelo de desenvolvimento capitalista, que visa o lucro crescente e incessante, exigindo cada vez mais produção e consumo. Diversas ações contribuem para isso, como a mineração; a invasão de territórios tradicionais e áreas de florestas para a construção de hidrelétricas e/ou pequenas centrais hidrelétricas; a agroindústria e as monoculturas de soja e cana de açúcar, que geram energia para empresas multinacionais, entre outras.

 

De acordo com dados publicados pelo Intergovenmental Panel on Climate Change ou Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007, há estreita relação entre a ação humana e o aquecimento global. Exemplos disso podem ser constatados em diversos eventos que têm se multiplicado nos últimos anos no Brasil, como a seca na Amazônia, que em 2010 foi mais intensa que a de 2005 ou anos anteriores.

 

Para Poletto, de acordo com estudos, se a situação continuar assim, a Amazônia será, em poucos anos, a região do país que apresentará os maiores índices de aquecimento, podendo, inclusive, ser transformada em uma área de cerrado. Com os rios secos não será possível seque a navegação e locomoção das diversas comunidades que vivem na região.

 

Ele ainda aponta que tais mudanças têm alterado de forma eminente a produção de frutas e sementes. “Os seres vivos vegetais estão sofrendo”, afirmou. Outra grande questão é a das migrações, que poderão ocorrer em massa na América do Sul por conta da falta de água nessa região, se a forma de consumo e aproveitamento desse bem não for alterada. “O grande problema é a construção de hidrelétricas e PCH’s, ou ainda, a transposição do rio São Francisco e a construção de centrais nucleares, que estão acontecendo no nordeste”, continuou.

 

De acordo com o sociólogo, as mudanças climáticas são eventos globais, mas também locais, decorrentes de ações pontuais em determinadas regiões.  “O Brasil é um dos principais causadores desses problemas e será enquanto der continuidade ao desmatamento, em especial na Amazônia; aumentar a produção e uso de veículos automotivos, mesmo os movidos a álcool; aumentar a agropecuária química comandada pelo agronegócio, emissor em massa do óxido nitroso; e continuar devastando e poluindo área para expandir a mineração, que retira toda a cobertura vegetal e a vitalidade da área, poluindo rios e solo, entre outros”, disse Poletto.

 

Estima-se, de acordo com dados do IPCC 1996a, que 20% do incremento anual da emissão de gases do efeito estufa, como o óxido nitroso (N2O e óxidos de nitrogênio NOx), o monóxido de carbono (CO), o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4), é atribuído ao setor agrícola, emitidos principalmente, pelas grandes empresas madeireiras, pecuaristas, mineradoras, petrolíferas, pelo reflorestamento industrial e pelo próprio governo, quando este financia e estimula as atividades destas e a atual política econômica mundial.

 

Luiz Zarref, membro do Movimento dos Sem Terra (MST) e Via Campesina, alerta ainda para outra grande fonte das mudanças climáticas, os agrotóxicos. De acordo com ele, o Brasil é o maior produtor de agrotóxicos do mundo desde 2007, mesmo não tendo a maior produção por área. O uso desses produtos nos solos agrícolas tem sido indicado como principal responsável pelas crescentes emissões de óxido nitroso (N2O) na atmosfera. “O óxido nitroso, presente nos agrotóxicos e na fertilização in vitro, chega a ser 20 vezes mais poluente que o gás carbônico”, afirmou.

 

Falsas soluções

 

Zarref aponta algumas falsas soluções apresentadas pelo governo com o objetivo, verdadeiramente, de camuflar as ilegalidades praticadas pelas grandes empresas e pelo próprio Estado e também abafar as discussões sobre as causas e consequências das mudanças climáticas. Entre elas, ele elenca a proposta de seqüestro de carbono e a chamada REDD – Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação, que de forma simplificada seria a “compra” de uma área verde capaz de absorver grande quantidade de carbono, como algumas áreas indígenas, em contrapartida à continuidade de emissão de gases poluentes na atmosfera.

 

Ele ainda afirma que o governo tem tentado enganar a população ao sugerir o zoneamento agroecológico para combater as mudanças climáticas e o zoneamento da palma africana na Amazônia para produção de agrocombustível. “A chamada energia renovável gerada pelas hidrelétricas e PCH’s é uma falácia, pois essas geram energia para as empresas que mais poluem no mundo, como as mineradoras e petrolíferas”, disse. Para Zarref, os impactos de todas essas atividades são muito fortes e o capitalismo vai tentando apresentar propostas, que na verdade são falsas soluções, como a proposta de mudanças na matriz energética, mas sem dizer ao povo para onde vai a energia gerada; o incentivo a produção de carros ecológicos, mas não ao transporte coletivo, entre outros.

Lucia Ortiz, da ONG Amigos da Terra, também aponta essas propostas como falsas soluções. Entre elas, ela aponta os chamados elixires tecnológicos, como as hidrelétricas; a liberação de ácido sulfúrico na atmosfera; as nanotecnologias, com a captura de carbono por algas; a biologia sintética, como as bactérias sintetizadas em laboratórios; os transgênicos; o agronegócio; a energia nuclear; a geoengenharia, entre outros. Ela ainda fala sobre as falsas soluções institucionais, que exarcebam o capitalismo e a vulnerabilidade dos povos por meio da substituição destes por empresas neoliberais nos espaços de tomadas de decisões.

Autonomia e auto-sustentação

As soluções apontadas para uma mudança urgente desse quadro partem da mudança do próprio sistema econômico e produtivo mundial, com alterações profundas no modelo agroindustrial e agropecuário. Hoje, para se ter idéia, cerca de 50% das terras brasileiras são cultivadas somente pela soja e pela cana de açúcar, utilizadas para a geração de energia ao grande capital e não para alimentos, geração de renda e auto-sustentação das comunidades.

Para Zarref é preciso ressaltar a importância das lutas contra esse sistema hegemônico e valorizar e incentivar a união dos movimentos sociais nesses enfrentamentos. É preciso pensar a autonomia dos povos e a auto-sustentação. “É preciso conhecer experiências de enfrentamento pelo mundo, conhecer os termos utilizados nas discussões da problemática”, destacou.

Irene Maria Cardoso, da Universidade Federal de Viçosa/MG e da Articulação Nacional de Agroecologia, endossa as falas de Zarref ao reconhecer a importância da autonomia dos agricultores e aponta a agroecologia como solução viável a melhor utilização da terra e dos recursos naturais nela existentes, diminuindo assim os efeitos das mudanças climáticas.

“Com a autonomia dos agricultores, tendo estes a posse da terra, é possível diversificar a produção e também a comercialização desses produtos. A agroecologia atua para facilitar o entendimento desse agricultor de todas essas questões, pois é ele quem trabalha diretamente na terra”, declarou.

Fonte: Cimi
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