14/02/2011

3ª Plenária Nacional da Via Campesina Brasil e a contribuição indígena

Ao final do encontro, movimentos sociais assinaram moção de apoio e solidariedade ao povo Tupinambá, da Bahia

 

Por Vanessa Ramos

 

Cerca de sessenta representantes de movimentos e organizações sociais que compõe a Via Campesina Brasil, se reuniram na Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema- SP, entre os dias 9 e 12 de fevereiro para a 3ª Plenária Nacional da Via Campesina Brasil – 2011.

 

Entre os assessores do evento estiveram Rosângela Piovizani, Eliane Martins, João Pedro Stédile, Horácio Martins, Paulo Alentejano, Igor Fuser e Dorival Gonçalves. A Plenária contou com uma análise de conjuntura sobre o cenário nacional e internacional, com discussões em torno de temáticas como energia, campo, cidade, mulheres, quilombolas e indígenas, além de reflexões em grupo, socialização de experiências, avaliações e planejamento de ações.

 

Uma das pautas discutidas foi a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida que foi adotada por todos os movimentos sociais do campo e da cidade. Conforme informações do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), a campanha tem por objetivo promover um amplo debate com a sociedade sobre os problemas causados pelo uso dos agrovenenos no Brasil, articulando ações que fortaleçam a agricultura camponesa e a produção de alimentos saudáveis, reafirmando a agroecologia como proposta de produção para o campo brasileiro.

 

O espaço de reflexão sobre a questão indígena ocorreu através da representação do Movimento Indígena e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Ivandro Martins (Tupãmirin), liderança do povo Guarani falou da luta, da organização e da visão dos povos indígenas. Explicou que para os indígenas, terra é o lugar onde possuem as suas moradias. “Ela nos dá alimento, água, mata, remédio. É na terra (nosso tekoha) que reproduzimos, vivenciamos o nosso modo de ser (teko). Os tekoha são parte do nosso território (yvyrupá), onde repousa a terra, onde a terra está assentada. Além disso, o nosso território é povoado pelos espíritos de nossos antigos”, afirmou.

 

Tupãmirin também falou sobre as organizações indígenas que lutam no Brasil, relatou que hoje há um importante movimento do povo Guarani chamado Povo Guarani, Grande Povo, articulado com representantes do Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia e, ainda, refletiu sobre a difícil luta da demarcação de terras indígenas no país. “Como viver bem sem ter terra? Com a terra temos saúde, alegria e podemos educar nossos filhos. Quando falamos de demarcação de terra, o governo não faz nada porque o modo de nós ocuparmos a terra enfraquece os capitalistas. Nosso modo de viver na terra vai contra o modelo capitalista, desabafou”.

 

“A demarcação de terra não dá lucro para os capitalistas. Querem explorar os minérios que estão nas terras indígenas e temos que enfrentar empresas que querem explorar as nossas riquezas. Para o capitalista, o importante é o dinheiro. Para o Guarani e os povos indígenas é a vida, não só a dos seres humanos, como a dos animais, da mata, da água e do ar”, enfatizou Tupãmirin que emendou dizendo: “estou aqui para aprender com vocês e também dialogar e compartilhar as nossas experiências e modo de ser junto aos movimentos sociais, para que entendam como o nosso povo pensa e possamos nos unir”.

 

Sérgio Conti, da coordenação do MPA, disse que é mais do que importante para o movimento campesino do Brasil, da América Latina e do mundo, somar e participar cada vez mais junto aos indígenas, os povos originários desse país. Eles que sempre cuidaram da mãe terra, conservando e preservando a vida, sem agressão. Sérgio ressaltou ainda que para o MPA foi um grande prazer participar com os indígenas e o Cimi da plenária. “Apoiamos os indígenas que estão no campo e na cidade e reiteramos a necessidade de estarmos unidos na grande batalha contra o nosso inimigo que é o capitalismo”, disse.

 

Do Cimi Regional Mato Grosso do Sul (MS), o missionário Flávio Machado relatou a difícil situação do povo Guarani Kaiowá no estado, que é uma das piores no Brasil. “O índice de violência contra os indígenas na região supera situações de guerra vistas em outros países do mundo. São assassinatos de lideranças, esbulho histórico das terras tradicionalmente ocupadas, o que ocasionou a quebra na cadeia produtiva tradicional de alimentos, racismo étnico regional, desnutrição, suicídio, trabalho escravo nas usinas de álcool, prostituição, tráfico de humanos e drogas, criminalização judicial das lideranças, comunidades e processo demarcatórios. Este conjunto de violência, aos poucos, provoca uma verdadeira eliminação cultural”, informou o missionário.

 

Para Machado, o grande embate é a disputa pela terra. “Por que tudo isto? Porque historicamente estas comunidades se localizam numa das regiões mais produtivas do país. Devolver a terra aos Guarani Kaiowá é a primeira condição básica para se iniciar um processo de reestruturação enquanto povo”, esclareceu. No diálogo com os movimentos, Flávio ressaltou que o inimigo dos povos indígenas é o mesmo dos demais movimentos: o capital.

 

Xarles Iturbe, do País Basco e membro da Secretaria internacional da Via Campesina, disse em relação à questão indígena que foi interessante presenciar a fala do movimento indígena e do Cimi, no Brasil. Também, ressaltou a importância de ouvir a fala dos movimentos sociais. De acordo com ele, regressará ao seu país profundamente impressionado pela capacidade de reflexão dos movimentos sociais e também pela participação da juventude nos debates.

 

Para Iturbe, a Via Campesina Brasil pode contribuir muito com os movimentos sociais, não somente na América do Sul como em todo o mundo. Esta contribuição será muito valiosa para as nossas organizações. De tal maneira, a Via Campesina do Brasil terá como tarefa compartilhar cada vez mais as suas experiências. “De maneira específica, a questão indígena não é exclusivamente da América Latina, como também da Ásia, África e Europa, onde se encontram os povos originários, de modo que se é essencial a existência de debates e a permanente construção de espaços de diálogo junto aos povos”, ressaltou Iturbe.

 

Segundo Flávio Machado, o país necessita de um projeto popular que agregue forças, aglutine o povo e promova esperança na luta e, para tanto, é indispensável a participação dos povos indígenas. “Esses povos podem contribuir com a elaboração do projeto popular, com elementos de sua cultura que se refletem no modo de vida em comunidade, uso coletivo da terra, concepção sobre terra, vida, modo de relação com os mais velhos, crianças, integração com a natureza. Para isso, é preciso interesse de ambas as partes em conhecer, dialogar e seguir junto na caminhada”, finalizou.

 

Moção de apoio

 

No final do encontro, os movimentos sociais presentes assinaram uma Moção de Repúdio e Solidariedade ao Povo Tupinambá, da Bahia. Na Moção repudiam a prisão da cacique Tupinambá, Maria Valdelice de Jesus (Jamapoty), ocorrida no último dia 3 de fevereiro; se solidarizam com a luta do povo Tupinambá pela recuperação de suas terras tradicionais; e exigem a libertação imediata da Cacique Valdelice, que desde sexta-feira (11) a noite cumpre prisão domiciliar, bem como a interrupção definitiva do processo de agressões e criminalizações ao povo Tupinambá. 

 

Fonte: Cimi Regional Sul - Equipe São Paulo
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