A mãe do PAC, os padrinhos e a licença “específica” para a construção da hidrelétrica de Belo Monte!
No Brasil da era Lula tornaram-se comuns, nas falas do presidente da República, afirmações um tanto quanto descabidas acerca de obras, projetos de governo, meio ambiente e sobre políticos. Por generosidade da mídia e pelo apelo popular do presidente, algumas destas afirmações ficarão apenas registradas nos anais da história, quando mereceriam bem mais. Em vários discursos, Lula questionou a legislação e os direitos constitucionais sobre meio ambiente, povos indígenas, quilombolas e o próprio Ministério Público. Estes eram tratados por Lula como sendo penduricalhos. Referindo-se aos ambientalistas e antropólogos declarou que eles se preocupam mais com pererecas, bagres, calangos, machadinhas de índios do que com o desenvolvimento do Brasil. Diferentemente de pessoas que defendem o respeito ao meio ambiente e à legislação, Lula considerou os usineiros como “heróis da República”.
No âmbito da política, ao falar sobre algumas personalidades, também cometeu gafes que não precisaria. Comentando sobre a ida do ex-presidente Fernando Collor para o Senado Federal disse que este homem faria um mandato extraordinário com sua experiência. Lula também contribuiu fortemente para garantir que o senador José Sarney não sofresse uma investigação séria sobre atos secretos que favoreceram alguns de seus parentes. Para Lula, Sarney não deve ser tratado como uma pessoa comum.
Lula afirmou também que não empurraria goela abaixo a hidrelétrica de Belo Monte. Por outro lado, não conseguia ouvir críticas ao projeto, pois logo esbravejava dizendo que tudo não passava de críticas de jovens desinformados, que não sabiam o que estavam fazendo, assim como ele não sabia, quando questionava, na sua juventude e militância, a hidrelétrica de Foz do Iguaçu.
A era Lula passou, mas as consequências ficaram. A transposição do rio São Francisco, o complexo hidrelétrico do rio Madeira, a privatização de florestas, prioridade máxima para o desenvolvimentismo predatório, com ênfase na transgenia, na produção de agrocombustíveis e na criação de gado, o que acentua a devastação e a depredação do meio ambiente.
A presidenta da República, como prefere ser referida, para dar ênfase ao fato de ser uma mulher a presidir o país, Sra. Dilma Roussef, decidiu conduzir sua governança embarcada no “trem do PAC”. Este foi batizado publicamente como sendo "filho" da presidenta. E a maternidade ninguém vai lhe negar, inclusive porque o pai do PAC também o reconheceu publicamente e com ampla repercussão nos meios de comunicação e na campanha política.
Este “filho”, com paternidade e maternidade reconhecidas, precisará de condições para crescer. E não é à toa que apesar dos cortes e arrochos em várias áreas do Orçamento Geral da União, o PAC saiu ileso. Só para Belo Monte o Governo Federal garantiu emprestar bilhões de reais, a juros módicos e com prazo a perder de vista. Não se deve esquecer que foram concedidas carências às empreiteiras para o pagamento dos empréstimos.
Em obras do PAC já se pode observar danos irreversíveis ao país, à sociedade, aos povos indígenas e a natureza (hidrelétricas, transposição, usinas, transgenia, desmatamentos, suspeitas de superfaturamentos). Este "filho PAC" conta com um único e gigantesco olho direcionado para beneficiar e dar lucros fartos e fáceis a setores da “produção” (empreiteiras, latifundiários, empresários de minérios, da madeira e de energia), independentemente da vida, das pessoas e da natureza.
Um dos seus “órgãos” é a hidrelétrica de Belo Monte, projeto que já foi denominado de “Belo Monstro”. Por isso a alusão de que o “filho” batizado de PAC é, sem dúvida, uma mutação aberrante, que combina destruição, ganância, acumulação, perversidade, dor e sofrimento.
A hidrelétrica que os integrantes do governo sonharam e idealizaram é sinônimo inequívoco de morte. É mais um tentáculo deste filho mal gestado, gerado e concebido pelo Governo Federal. Em função de ser uma anomalia, os poderes públicos buscam, através de maquiagens e plásticas, transformá-lo em algo vistoso e agradável. Mas, como toda e qualquer aberração, a plástica é irrelevante e custa caro.
No caso de Belo Monte, a plástica se evidencia nas manobras administrativas, jurídicas, na divulgação de dados, cifras e benefícios inverídicos, bem como na invenção de normas ilegais, como a que impuseram agora com o nome de “licença específica”. Vale enfatizar que a legislação ambiental estabelece regras para a autorização de projetos como Belo Monte e estas não fazem referência a nenhuma “licença específica”. Nossa legislação se sustenta em três licenças: a prévia, a de instalação e a de operação.
A tal “licença específica” é um atentado à inteligência e uma provocação ao bom senso que deveria existir no âmbito da administração pública e pairar na consciência de qualquer um de seus administradores. Inventar uma figura jurídica para viabilizar a obra que está sob júdice é no mínimo zombar do Ministério Público, dos juízes e dos tribunais. É, além de tudo, crime contra o erário público porque os bilhões de reais nela investidos sairão do BNDES. É também crime contra o patrimônio da União, porque pretendem, com tal manobra, devastar terras públicas e explorar o meio ambiente. A invenção configura-se também em afronta aos direitos constitucionais dos povos indígenas que terão suas áreas degradas em função da hidrelétrica.
Os inventores – também devem ser nomeados de padrinhos do PAC – que atestaram e liberaram as obras através de ofícios, são o presidente interino do Ibama, Américo Ribeiro Tunes e o presidente da Funai, Márcio Meira. O presidente interino do Ibama inventou a tal "licença específica" e o da Funai não vê óbice na instalação do canteiro de obras de Belo Monte. Inventaram também que a obra será executada somente depois de cumpridas as 40 condicionantes, que eles também criaram para viabilizar a obra. Questionado sobre a devastação que o canteiro de obras causará na região, o interino classificou-a de pequena e informou que, caso a hidrelétrica não receba a licença definitiva , "as árvores serão replantadas".
Depois de tantas invenções, cabe perguntar: já que autorizaram a obra, através da “licença específica”, como as 40 condicionantes serão cumpridas pelos empreendedores? A licença expedida pelo Ibama, através de seu presidente interino e referendada pelo presidente da Funai (Ofício número 013/2011/GAB-Funai, de 20 de janeiro de 2011) prevê o desmatamento de grandes áreas de florestas, realização de obras como terraplanagem, construção de alojamentos, lavanderias, almoxarifado, oficinas, borracharias, centro de conveniências, canteiro industrial, abertura de estradas, sistema de abastecimento de água e outras tantas que se constituem efetivamente no início da construção da hidrelétrica de Belo Monte.
Aos padrinhos de Belo Monte se pode ainda inquirir: por que presentearam o afilhado sem antes saber se o presente não lhes causará a própria ruína? E não se trata aqui de ruína econômica, mas da ruína moral. Isso porque todos os estudos realizados comprovam que Belo Monte causará impactos e danos irreversíveis à natureza, aos povos indígenas, ao povo do Pará, ao Brasil e ao planeta. E apesar disso, os padrinhos do PAC concederam as licenças para as obras. Ou isso é imoral ou insano. Os insanos dificilmente subsistem na administração pública.
A mãe do PAC aplaudiu mais este generoso presente. A sociedade civil organizada repudiou, os povos indígenas repudiaram. Ao Poder Judiciário foi encaminhado o litígio. Caberá a ele, diante de tantos desmantelos do Poder Executivo, dar um basta ao desrespeito à legislação brasileira, aos subterfúgios e às licenças imorais para executar a “Belo Monstro”.
Porto Alegre, RS, 31 de janeiro de 2011.
Roberto Antonio Liebgott
Vice-Presidente do Cimi