09/12/2010

Informe nº 943: Dom Erwin Kräutler recebe Prêmio Nobel Alternativo

Premiação é reconhecimento por seu trabalho de luta e dedicação junto aos povos indígenas e à Amazônia brasileira

 

Dom Erwin Kräutler, bispo da Prelazia do Xingu, em Altamira (PA) e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) recebeu no dia 6 de dezembro o Prêmio Nobel Alternativo, organizado pela fundação sueca Right Livelihood Prize. A premiação reconhece o longo e dedicado trabalho do bispo junto aos povos indígenas e pobres da Amazônia brasileira. A cerimônia de premiação, que aconteceu no Parlamento Sueco, foi transmitida ao vivo pela internet e pode ser acessada pelo site www.rightlivelihood.org.

 

Para dom Erwin, a premiação lhe traz alegria porque é o reconhecimento à luta de todos que atuam em prol dos direitos das populações indígenas e também da Amazônia. “Sinto-me honrado com o prêmio em um momento em que a nossa luta em prol dos povos indígenas está tomando novas dimensões e maior importância em face dos projetos de desenvolvimento que ameaçam a Amazônia”, afirmou.

 

Em seu discurso durante coletiva de imprensa, em Estocolmo, dom Erwin afirmou receber o prêmio em nome de quem luta com ele, em nome dos povos indígenas, da Amazônia e dos direitos humanos. E acrescentou: “aceito também em nome das dezenas de pessoas que deram suas vidas, cujo sangue foi derramado e que foram brutalmente assassinadas porque se opunham à destruição sistemática da Amazônia”.

 

Ao iniciar seu discurso durante a premiação, dom Erwin se mostrou ao lado dos povos do Xingu, a quem disse dedicar a sua vida. “… atravesso o Oceano Atlântico em pensamentos e emoções. Estou saindo de Estocolmo para o hemisfério sul e embarcando no majestoso rio Amazonas, navegando rio acima para chegar a um dos seus principais afluentes, o rio Xingu. Por 45 anos eu tenho viajado com os povos daquela região. Eles são os povos indígenas que vivem há milhares de anos.  São os ribeirinhos que têm suas casas às margens do rio. Eles vivem da pesca e da agricultura familiar de pequeno porte. São as milhares e milhares de famílias que migraram de todos os estados do Brasil em busca de melhores condições de vida nas últimas décadas”. Também falou da sua luta, junto às pessoas da Amazônia. “Juntos, defendemos a sua dignidade, seus direitos humanos e o nosso ambiente, nossa casa comum, nossa mãe terra. Eco-logia – da palavra grega οiκος – significa: "casa"! Essas pessoas sabem muito bem que não vão sobreviver se a Amazônia continuar a ser desrespeitada e arrasada. E eles sabem que o planeta Terra sofrerá consequências irreversíveis por esta destruição cruel. Seria o verdadeiro apocalipse”, ressaltou.

 

Sua fala também destacou o trabalho desenvolvido por irmã Dorothy Stang e as ameaças que recebia dos fazendeiros e invasores de terras da região. “Não demorou muito para que as primeiras ameaças aparecessem. Os autodenominados "donos" das terras começaram a caluniá-la e a difamá-la. Esta vida difícil, cansativa e muito extenuante, Dorothy viveu até aquele fatídico sábado, 12 de fevereiro de 2005, até às sete e meia da manhã, quando foi baleada. Este crime foi programado nos mínimos detalhes. Os responsáveis por sua morte não foram os homens que foram condenados e que estão na cadeia. Foi no dia 15 de fevereiro de 2005, que eu enterrei a irmã Dorothy. Nunca na minha vida eu senti meu coração tão invadido por tantos sentimentos. Ainda hoje não consigo descrever o que eu realmente sentia naquele momento”.

 

Dom Erwin ainda citou Belo Monte, a concentração de propriedades no Pará, a falta de políticas públicas que incentive a preservação da Amazônia, o tráfico de seres humanos. “Este prêmio foi dado a mim por causa do meu compromisso em nome dos povos indígenas, seus direitos humanos e sua dignidade. Eu sempre encontrei uma missão específica na defesa dessas pessoas, que são os sobreviventes de séculos de massacres”, afirmou.

 

O bispo aproveitou a oportunidade para “chamar a atenção da comunidade internacional para a dor, o desespero e a insegurança do povo Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Esse povo indígena está confinado a pequenas áreas, seus jovens não veem nenhuma perspectiva para o  futuro e a taxa de suicídio entre eles é elevada de forma alarmante. Os donos das usinas que utilizam trabalho escravo moderno são tratados como heróis pela administração oficial. Estou totalmente preocupado com a violação contra os Guarani-Kaiowá. O atual governo está ignorando esse genocídio cruel em curso perante os seus olhos. Mas não devemos fechar os olhos para esses crimes!”.

 

Finalizando sua fala, ele agradeceu. “Sinto-me honrado em aceitar este prêmio da Right Livelihood Foundation como um reconhecimento internacional e apoio ao nosso compromisso total com este trabalho. Prometo continuar por tanto tempo, quanto  Deus me conceder de vida”.

 

 

Um pouco da memória da vida de Doroti Müller Schwade

 

Por Guenter Francisco Loebens

Cimi Regional Norte I

 

Doroti faleceu no dia 3 de dezembro, vítima de derrame cerebral. Seu enterro neste domingo, no município de Presidente Figueiredo, foi acompanhado pelos familiares, amigos e pela comunidade local. Catarinense de Blumenau, saiu de casa, na década de 1970, para ser voluntária da OPAN (Operação Anchieta, hoje Operação Amazônia Nativa) e integrante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Abraçou a causa indígena e a Amazônia de forma intensa, apaixonada e radical. Inicialmente foi convocada para fazer o levantamento dos povos indígenas na Amazônia Ocidental, no Acre e sul do Amazonas. Foi o primeiro passo para que os indígenas dessa região, então conhecidos como caboclos, começassem a se articular para romper com as relações de exploração nos seringais e a lutar pela demarcação de suas terras. Para dar suporte ao trabalho de apoio às lutas indígenas dessa região, ajudou a criar o regional Amazônia Ocidental do Cimi, sendo escolhida para ser a coordenadora.

 

Alguns fatos ilustram a determinação de Doroti naquilo que se propunha fazer. Chegando em Lábrea, pequena cidade situada à beira do rio Purus, no Amazonas, no ano de 1977, apresentou-se na Prelazia para informar a igreja local sobre o levantamento que pretendia fazer naquela região. Frei Jesus, hoje bispo de Lábrea, percebendo que ela iria andar sozinha pelos rios e varadouros tentou de todas as formas demovê-la da idéia, alertando para os perigos da mata. Percebendo que ela não desistiria, a única alternativa que lhe restou foi arrumar sua mochila às pressas para acompanhá-la.

 

Tive a oportunidade de conviver em equipe com Doroti e Marta (uma voluntária italiana) em 1978, tão logo cheguei à Amazônia. A atuação da equipe se dava com os povos Jarawara, Paumari e Jamamadi. A casa de apoio, erguida sobre palafitas como as demais casas para superar as enchentes sazonais do rio Purus, ficava localizada na colocação de seringueiros conhecida como Estação, um dia de viagem acima de Lábrea. Na convivência diária chamava atenção a coerência de Doroti com a causa dos pobres e dos índios que abraçara e sua preocupação com as pessoas a sua volta. Provocava avaliações constantes na equipe para que todos vivêssemos o mais proximamente possível nas mesmas condições em que viviam os indígenas e seringueiros. Quando andávamos nos varadouros, como ela caminhava um pouco mais devagar, propunha ficar por último, porque assim iria apressar o passo para nos alcançar e dessa forma não prejudicaria o ritmo da caminhada.

 

Em 1979 Doroti casou com Egydio Schwade, então Secretário Executivo do Cimi. Posteriormente o casal se fixou em Itacoatiara (AM), na Prelazia de Dom Jorge Maskell, com o objetivo de atuar junto ao povo Waimiri-Atroari, e em 1984 transferiram-se para Presidente Figueiredo (AM). Enquanto buscavam criar as condições para uma presença mais permanente nas comunidades indígenas, participaram da construção das Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s) e dedicaram-se incansavelmente no combate aos grandes projetos econômicos que estavam decretando a morte do povo Waimiri Atroari. Além da BR-174, cuja construção nos anos de 1968 a 1973 foi feita massacrando o povo Waimiri (estima-se, a partir de dados populacionais da Funai, que nesse período 2 mil índios foram mortos), a construção da hidrelétrica de Balbina e a Mineração Taboca do grupo Paranapanema atingiam diretamente as terras desse povo que ficou reduzido a menos de 350 pessoas.

 

Quando puderam, com o fim da ditadura militar em 1985, se apresentar abertamente às comunidades indígenas, Doroti e Egydio foram imediatamente desafiados pelos Waimiri Atroari a iniciarem um processo de alfabetização. Como não falavam a língua Waimiri Atroari, fizeram da “escola” um local de aprendizado mútuo e a alfabetização pôde se dar na língua indígena. A escola, pensada como um espaço de libertação, usando como recurso pedagógico o desenho, aos poucos foi lançando luzes sobre a história recente de violência praticada contra o povo Waimiri Atroari. Desenhos mostrando aviões sobrevoando as aldeias e índios mortos pelo chão no período da construção da BR-174 era uma história que incomodava muita gente. Também não interessava que os indígenas fossem informados sobre a mineração em suas terras. Assim em 1986 o casal foi expulso da área indígena pela Funai, cuja política ainda era fortemente influenciada pelos remanescentes da ditadura militar.

 

Impedidos de voltar para a terra indígena, sobrava mais tempo para espalhar essa idéia nova que vinha de suas convicções cristãs de fé, de sua militância política e do aprendizado com os povos indígenas – o cuidado com a terra e com as criaturas para ser feliz – sem exploração, acumulação e dominação. E o melhor jeito que encontraram para espalhar essa idéia foi mostrar que não era só um sonho, mas que podia ser concretizada. Os filhos Ajuri, Adu, Maiá, Maiká e Luiz foram criados vivenciando essa experiência.

 

Os muitos depoimentos dados pelas pessoas da comunidade local e dos amigos durante as celebrações que antecederam o seu enterro destacaram como se sentiam acolhidas pela Doroti, tanto na chegada a sua casa quanto na saída. Que sua casa havia se transformado num local de referência, onde sempre encontravam pessoas de distintos lugares em busca de novos caminhos.

 

Doroti, mesmo oriunda da cidade, mas com a convicção comungada por toda sua família de que o “bem viver” passava pela diversidade e abundância de alimentos, dedicou-se a recuperar solos, semear e cuidar das plantas. Assim, sua casa pôde se transformar num lugar de encontro, de acolhida, de confraternização, de fartura, de alegria, de festa e numa verdadeira escola de vida.

 

Que a radicalidade de Doroti, na sua opção de vida, possa inspirar e encorajar a todos nós na luta pela justiça e no cuidado com a terra.

Fonte: Cimi
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