03/12/2010

A Europa e o grito Guarani

Andamos pelo mundo falando do nosso direito, nossos sentimentos e nossa dor” (Anastacio Kiaiowá Guarani)

Por Egon Heck

De Oslo, Noruega

Quando a delegação de apoio ao Povo Guarani, juntamente com Anastácio Kaiowá Guarani, embarcou para duas semanas de maratona por vários países da Europa, sabíamos que neste tempo iríamos enfrentar muito frio e conseguir muito calor e solidariedade às lutas dos Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul, por seus direitos.

Jônia Rodrigues trazia a preocupação especial da ONG For the Right to Food (Fian), que atua na área de segurança alimentar,  com a difícil situação de sobrevivência e fome porque estão passando inúmeras famílias e comunidades Guarani, em seus confinamentos e acampamentos à beira da estrada.

Já Verena Glass, da Repórter Brasil, estava com muitas informações e dados sobre as graves conseqüências do avanço do agronegócio da soja e cana no Mato Grosso do Sul. Os agrocombustíveis impactam diretamente o território desse povo, sem que antes se tenha concluído os trabalhos de identificação das terras Guarani.

Egon Heck, missionário do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em Mato Grosso do Sul, trazia todo o acompanhamento da luta pela terra e as violências extremas a que as comunidades Guarani estão submetidas. Procuramos dar visibilidade a essa realidade e conseguir solidariedade às lutas desse povo.

Neve, chimarrão e solidariedade

Há dez mil quilômetros de sua terra natal, Anastácio, curtindo um frio de dez graus negativos, comenta, sem perder o bom humor: “Acho que aqui não é a terra sem males. Ela não pode ser tão fria. Vou continuar procurando…”.

Descobrimos que para enfrentar o frio nada melhor que um antigo hábito Guarani, de bem antes da invasão – o chimarrão. E lá fomos nós ao belo e branco parque do castelo da rainha da Noruega. Tudo muito simples e modesto, como tudo há de ser por aqui, nos explicam. A floresta nua dá um destaque à neve. As árvores altas e altivas, apenas tronco e galhos, apontam para o céu sem sol, aonde a noite chega às quatro da tarde e o dia apenas se apresenta às oito da manhã. E tem dias do ano em que a luz do dia se confunde com a escuridão da noite, e não amanhece.

Aqui também é terra de índio. Os Sami, um povo nativo que mora na parte norte do país, onde a temperatura fica na maior parte do ano 30 graus abaixo de zero, tem uma luta expressiva, pelos seus direitos dentro dos estados nacionais, no pólo ártico, onde vivem – Noruega, Finlândia, Suécia e Rússia. Desde a década de 1970 eles participam ativamente do processo de luta e organização do movimento indígena mundial. São conhecidos como os indígenas brancos, tendo destaque com suas vistosas vestimentas, nos fóruns indígenas internacionais.  Tem seu próprio Parlamento em cada um dos quatro estados nacionais dos quais fazem parte. São aproximadamente 100 mil pessoas.  Anastácio observa as semelhanças com os Guarani que também estão em quatro países da América do Sul

Aqui também fizeram uma entrevista com Anastácio Kaiowá, para a rádio Sami. Estavam muito interessados em conhecer e divulgar a realidade e luta desses seus irmãos do continente americano, de Abya Yala.

Na Embaixada do Brasil na Noruega, em Oslo

Nossa primeira atividade no longo caminho da solidariedade ao Povo Guarani e suas lutas foi a entrega de uma enorme tela de dois metros quadrados na qual está estampada o rosto de uma mãe Guarani com uma criança, e um pouco dos desafios e belezas do país, com São Paulo e Rio de Janeiro na Embaixada do Brasil na Noruega. O que mais chama atenção no quadro são as 1.265 assinaturas em grandes grãos de feijão, na forma de uma árvore ao redor do quadro.  Juntamente com o quadro foi entregue um documento assinado pela FIAN Noruega, com várias entidades ligadas aos direitos humanos e à questão ambiental. Sobre o quadro está escrito “A terra é vida e sangue, sem ela não vivemos”. Certamente o grande e belo quadro terá um lugar de destaque no ambiente da embaixada e talvez ajude o povo Guarani a conseguir um pouco de respeito e apoio na busca pelos seus direitos.

O que nos surpreendeu foi a seriedade com que o Itamarati prepara e municia seus embaixadores para as questões em foco, ou seja, os territórios Guarani, o avanço dos agrocombustíveis, o etanol e grandes monoculturas nestas terras…Mapas, textos, informações atualizadas sobre os processos de identificação das terras e as violências. Anastácio, um tanto descrente, falou que tivera quatro vezes com o presidente Lula, mas que isso não fez com que as barreiras impostas pelos anti-indígenas do Mato Grosso do Sul fosse rompida e a demarcação das terras do seu povo efetivadas.

Debatendo estratégias dos povos – terra sem males, bem viver, quisemos chamar atenção para as necessárias mudanças nos rumos das políticas de produção agrícola juntamente com as mudanças na estrutura fundiária, através do reconhecimento das terras coletivas, como dos povos indígenas e quilombolas, a reforma agrária a partir de uma nova visão territorial e relação com a mãe terra, assim como o reconhecimento e respeito às unidades de preservação.

Nos Ministérios do Meio Ambiente e Relações Exteriores

Nestes dois espaços conversamos sobre as preocupações que a delegação pelos direitos do Povo Guarani vinha debater e sensibilizar na Europa. Chamamos atenção para os graves impactos do atual modelo de produção sobre a população regional, especialmente os indígenas e o meio ambiente.  A Noruega tem contribuído bastante com a questão de preservação ambiental, prevendo a destinação de um bilhão de dólares para um fundo de proteção da Amazônia.

Falamos ainda da gravidade da situação em que vivem os Guarani Kaiowá, destacando algumas situações que exigem respostas imediatas, como a enfrentada pelas comunidades Y Po’i e Kususu Ambá, dentre outras.  Porém, o mais urgente e inadiável é a conclusão dos trabalhos de identificação de todas as terras Guarani, a publicação dos relatórios e subseqüentes passos de demarcação e regularização dessas terras.

Em nossos diálogos com instâncias do governo norueguês, também destacamos a atuação do judiciário que cada vez mais tem tomado decisões contrárias aos direitos constitucionais, e da legislação internacional com relação aos direitos dos povos indígenas às suas terras.

Também tivemos um expressivo debate com representantes de organizações não governamentais que atuam na área dos direitos humanos, questão ambiental e direito à alimentação adequada.  A Fian Noruega que articulou esse debate também tem sido muito solidária com a causa Guarani, viabilizando essa série de contatos e debates que certamente ampliarão a solidariedade com a causa do Grande Povo Guarani.

Valeu enfrentar o frio, amassar neve, por uma causa tão nobre. Seguiremos em nossa maratona de solidariedade ao povo Guarani.

Fonte: Cimi
Share this: