02/12/2010

Informe nº 942: Em defesa de suas terras, indígenas Awá vêm a Brasília

Eles estiveram no TRF1 e no MPF solicitando o cumprimento de várias demandas

 

Por Maíra Heinen

 

Nada além de terra para sobrevivência dos filhos, dos parentes. A exigência dos indígenas é sempre a mais simples e a que mais incomoda fazendeiros, madeireiros, grandes empresários: terra para trabalhar e viver em paz com a natureza. A simplicidade é natural do povo, que tem recente contato com o não índio e modos de vida em relação com a natureza. Em Brasília nos dias 30 de novembro e 1º de dezembro, o povo Awá do Maranhão esteve em reuniões no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) e no Ministério Público Federal (MPF). O motivo? Pedir a estas instâncias que garantam sua permanência na terra que é e sempre foi deles.

 

O grupo de cerca de 10 indígenas Awá chegou a Brasília no dia 30, já com reunião marcada no período da tarde com o desembargador do TRF1, Jirair Meguerian. Na reunião, destacaram a importância do rápido julgamento de uma dezena de apelações que atravancam a finalização do processo de demarcação das terras do povo. Esta é uma das 11 apelações, contra a sentença do juiz José Carlos Madeira, em que determinou que a União efetue a demarcação de acordo com os termos da Portaria nº 373/92 e do laudo antropológico elaborado pela perita oficial em antropologia Eliane Cantarino O’Dwyer (Universidade Federal Fluminense), procedendo também a homologação e registro imobiliário da área, que fica nos municípios de Zé Doca e São João do Caru (MA). Em algumas das apelações, a Funai e a União também apelaram porque, na época, estimaram o prazo para a realização da demarcação.

O desembargador ouviu os depoimentos dos indígenas, de missionários e da assessoria jurídica do Cimi que os acompanhavam: relatos de ataques de madeireiros, de indígenas assassinados, de desmatamento, de invasão de fazendeiros. Meguerian afirmou que deve tomar as medidas cabíveis assim que o MPF fizar suas apreciações. 

 

“No Maranhão, já tentamos resolver esse problema, mas não adiantou. Por isso viemos a Brasília! Estamos pedindo socorro para que o senhor olhe o nosso documento primeiro!”, pediu Itaxi Awá. As falas dos indígenas seguiam nesse sentido, de que já procuraram soluções no próprio estado do Maranhão, mas de nada adiantou, que precisam caçar, que precisam da floresta para pegar mel e frutos, e que está ficando complicado com a invasão dos pistoleiros. Os Awá ficaram satisfeitos com a visita a Jirair Meguerian. Uma das metas da viagem a Brasília havia sido cumprida.

 

No MPF

 

A gama de temas para discussão foi um pouco mais ampla na reunião dos Awá no Ministério Público Federal, neste 1º de dezembro. Regularização de terras, proteção das áreas indígenas, saúde foram os assuntos da reunião que contou com a presença de procuradores federais, outros membros do MPF, representantes da Funai, da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), da Advocacia Geral da União, da Ouvidoria Agrária, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), missionários e assessores jurídicos do Cimi, com professoras linguistas da Universidade de Brasília (UnB) e claro, com a comissão de lideranças Awá.

 

Coordenada pelo procurador da República no Maranhão, Alexandre Soares, a reunião foi uma oportunidade de os indígenas apresentarem as demandas diretamente aos representantes dos órgãos públicos responsáveis por atendê-las. Vários indígenas falaram o que vem acontecendo em seu território. Mostrando um mapa da região, eles relataram que há madeireiras, serrarias, caçadores e fazendeiros, que os impedem de usar a área para caça. “Já estão criando gado na nossa área, como que a gente fica com nossa terra acabada? Queremos que os invasores sejam retirados!”.

 

Os depoimentos eram preocupantes. “Esta terra vai acabar. Onde vamos coletar o mel? Onde vamos criar nossos filhos? Eu tenho medo dos madeireiros e a gente fica preocupado. Como vamos fazer?”, afirmavam. Muitos indígenas lembravam que a terra é de graça e que eles se alimentam de graça, e que na cidade não é assim. “Fica muito difícil ficar sem a terra, porque vamos ficar sem alimentação. Na cidade tudo é pago! Parece que o fazendeiro não vai nem sair, porque ele tem até casa dentro da nossa área! Por isso a gente veio pedir ajuda aqui em Brasília, porque tem que tirar os invasores de lá para as árvores nascerem de novo!”, relataram.

 

Diante dos relatos, o procurador chefe Regional da da 1ª Região, Alexandre Camanho, ficou estarrecido e indignado. Ele ressaltou a importância e o grande significado dos indígenas estarem ali fazendo pessoalmente os seus depoimentos. “O que me parece inaceitável é fazer algo na semelhança de favor. O MPF não está fazendo favor aos índios. É a nossa obrigação! A situação dos Awá é a mesma em várias partes do país. Mas o Brasil virou as costas para o índio e isso é inaceitável!”, afirmou. Para Camanho, o papel do MPF muitas vezes é pedir que direitos sejam respeitados. “As etnias vêm a Brasília para pedir. Isso é um absurdo! Temos que fazer um esforço brutal para fazer as coisas a contento. Não é possível que questões desse naipe venham parar na mesa do MPF, sabendo que existem serviços públicos para isso”, ressaltou.

 

Camanho também destacou a atuação dos órgãos públicos para retirar os invasores da área. “Não somos delicados com quem usa a terra de verdade. Por que temos que ser condescendentes com quem invade? Coisas essenciais são retiradas dessas pessoas (os indígenas)! Que bom que o MPF pode fazer a proteção desses índios. E que pena, porque isso não deveria existir!”. Finalizando sua fala, o procurador garantiu que em uma hora, ele estaria designando um procurador para cuidar pessoalmente do caso e garantiu que a União iria desistir da apelação (nos processos, a União recorre da demarcação das terras por afirmar que o tempo era muito pouco). Ele também se comprometeu a participar no julgamento da corte especial e propôs que em todos os casos, a Funai apresente os documentos necessários. Camanho se colocou totalmente a disposição e desejou aos indígenas que tudo dê certo, cumprimentando-os pessoalmente um a um.

 

Começando a resolver

 

Num segundo momento da reunião, passou a escutar os representantes dos órgãos presentes para que apresentassem encaminhamentos em relação aos problemas apresentados. A superintendência do Incra no Maranhão enviou um pequeno informe, afirmando que não há terras passíveis de desapropriação na região e que não tem para onde levar os invasores da área indígena.

 

A sugestão foi que a Funai repassasse o levantamento de não índios na área já existente para o Incra, para que possam trabalhar em conjunto, verificando as propriedades de boa fé, para que estas pessoas sejam retiradas e reassentadas. O procurador Alexandre Soares lembrou a necessidade de se apresentar cronogramas e prazos para que medidas sejam tomadas de forma mais rápida. No entendimento do coordenador geral de assuntos fundiários da Funai, José Briner, ali não há ocupações de boa fé, e lembrou que a própria sentença do Juiz José Carlos Madeira mostrou isso. Ainda assim, ficou decidido pela formação de uma comissão, com funcionários da Funai e do Incra, para que identifiquem o número de invasores e possam assim tomar as providências cabíveis em cada caso.

 

Sobre a proteção do território Awá, Alexandre Soares lembrou que a área é a que mais sofre com a pressão madeireira e cobrou fiscalização permanente (com bases de proteção) e uma operação de fiscalização em caráter emergencial. O coordenador da área de índios isolados da Funai, Elias Biggio, reconheceu que o trabalho da Funai na área possui algumas falhas e ressaltou que a situação é complexa, o que torna a presença policial permanente muito necessária. Ele se comprometeu a trazer os relatórios locais sobre a pressão de não índios, além de entrar em contato com o responsável na Funai para que acompanhe outras instituições (polícia Federal  e Ministério do Meio Ambiente) na operação Arco de fogo. Ele afirmou ainda que deve viabilizar atividade de campo de funcionários na Funai na área ainda esse ano.

 

Saúde – Existe total descaso em relação à saúde indígena no estado no Maranhão. Diante do quadro, o MPF propôs que seja elaborado um programa de medidas específicas e diferenciadas para as comunidades indígenas. Os indígenas relataram falta de saneamento, precariedade no posto de saúde e total descaso da Funasa no tratamento diferenciado com os povos. A equipe do Cimi no Maranhão apresentou um slide com fotos que falavam por sim, sobre a precariedade no atendimento aos indígenas. A representante da Sesai presente na reunião, Irânia Marques, fez uma breve explicação sobre a Secretaria e sobre a especificidade da saúde indígena, afirmou que a Sesai assumiu esse compromisso. Como encaminhamento das demandas de saúde, ficou marcada para o dia 20 de dezembro uma reunião a ser realizada em São Luiz do Maranhão, com as presenças de Funai, Sesai, Cimi, Universidade Federal do Maranhão e os indígenas para que medidas urgentes relativas à saúde e ao saneamento na terra Awá sejam tomadas.

 

No retorno para o Maranhão, os indígenas levaram um pouco mais de esperança na bagagem, ao saber que ainda existem pessoas que podem se comprometer com a causa indígena. Agora é redobrar a atenção para que os compromissos estabelecidos sejam realmente cumpridos.

 

Fonte: Cimi
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