29/11/2010

Carta final do III Seminário Nacional de Formação do Cimi

Dos Andes chega um novo horizonte. Inunda Abya Yala com a inspiração e raiz milenar de um novo modelo de vida e sociedade. Sumak Kawsay – o Bem Viver – não é apenas uma utopia, é a reconstrução da harmonia e reciprocidade entre a Pacha Mama (Mãe Terra), os seres humanos e todas as formas de vida. É um projeto de futuro que exige mudanças radicais, rupturas com o atual modelo neoliberal e neocolonizador.

Depois de décadas de inspiração de caminhos e lutas políticas no Continente, o Bem Viver chega ao Brasil, para aqui fazer seu porto seguro, transformando-se em horizonte diante da profunda crise de civilização e sociedade.

Unimo-nos aos irmãos (as) de toda Abya Yala, que a partir de seus povos originários, em recente encontro em Lima, nos lembram: “Os povos indígenas e comunidades são portadores de sabedorias ancestrais que têm conseguido manter o planeta a salvo durante milhares de anos; nossos conhecimentos e práticas ancestrais de reciprocidade e complementaridade com a Mãe Terra constituíram os valores que têm permitido uma vida em harmonia à qual hoje chamamos de Bem Viver-Viver Bem” e conclamam “Chamar à unidade continental e mundial os povos indígenas e movimentos sociais a mobilizar-se em defesa da Mãe Terra, pela construção de estados plurinacionais e implementação do Bem Viver a nível global, como alternativa para superar a Crise climática, alimentar e econômica. Voltar ao equilíbrio com a Mãe Terra para salvar a vida no planeta é nosso caminho”. (Declaração de Lima, 20/11/2010)

Enquanto em vários lugares de Abya Yala se aprofunda a construção desse novo horizonte do Bem Viver e se avança em lutas concretas de transformação de corações e estruturas sócio-políticas, econômicas e culturais, em Luziânia, o Cimi, juntamente com representantes indígenas e aliados, estiveram reunidos nesta semana para aprofundar o significado do Bem Viver na atual conjuntura do Brasil e do continente. Conforme Pablo Dávalos, professor da Universidade Católica do Equador, um dos assessores do 3º Seminário Nacional de Formação, “Bem Viver que tem sido a inspiração de décadas de luta em vários países do continente, inclusive já tendo sido incorporado em constituições nacionais, chega ao Brasil, trazendo muito esperança para Abya Yala e o mundo.”

Será certamente um longo caminho a construir, não com empreiteiras, mas com corações e mentes militantes, com lutas e alianças amplas, pois ainda existe muita desinformação, conforme salientou D. Dimas Lara Barbosa, Secretário Geral da CNBB, no início do seminário. Ao lembrar algumas situações graves, como a dos Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul, salientou que “somos uma minoria, mas vamos em frente pois nos sentimos enviados a serviço dos irmãos”.

O teólogo Paulo Suess lembrou que para o Bem Viver não há receitas prontas, sendo uma busca e construção constantes, que se dão através das lutas sociais, na descolonização do poder e do saber e na desmercantilização da vida. Está na dialética da luta e contemplação, na busca de vida boa para todos e para sempre.

O Sumak Kawsay é um horizonte em construção, um conceito político que se constitui como alternativo ao atual modelo capitalista neoliberal. 

Os representantes indígenas denunciaram as invasões e violências que seus povos sofreram e continuam sofrendo com a perda e devastação de seus territórios. O cacique Babau Tupinambá expressou sua indignação com a violência e criminalização que seu povo e ele em particular vêm sofrendo, por defender uma construção de Bem Viver em suas comunidades. “Isso incomoda os senhores do poder, por isso nos agridem e nos prendem”. Mauricio Guarani lembrou que destruíram as condições de Bem Viver de seu povo, na medida em que tomaram seus territórios e deixaram grande parte de seu povo à beira das estradas sob lonas pretas.

Foram denunciadas as agressões e violências contra os povos indígenas, a invasão dos territórios tradicionais e impactos sobre a natureza causados pelos grandes projetos em andamento, como a transposição do São Francisco, a construção de hidrelétricas no Madeira dentre outras obras do PAC. E o mais preocupante é que esse modelo será acelerado conforme promessas da presidente Dilma. O que há pouco tempo parecia um absurdo, como a privatização do ar, já acontece através do programa de REDD (Redução de Emissões por Desmatamento ou Degradação).

No final do Seminário todos se sentiram convocados a não apenas participar  na construção do bem viver, a partir da vivência e compromisso com os povos indígenas, mas a levar essa discussão para os movimentos sociais e espaços amplos da sociedade brasileira.

Conselho Indigenista Missionário
Luziânia, 25 de novembro de 2010

Fonte: Cimi
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