III Seminário Nacional de Formação: Estado, poder e bem viver nas comunidades indígenas
No penúltimo dia do encontro, os participantes acompanharam exposições de pesquisadores e acadêmicos sobre Estado e Poder e os Governos de esquerda na América Latina
Movimentos sociais, Estado Nação, poder e bem viver indígena. Estes termos nortearam as discussões do penúltimo dia do III Seminário Nacional de Formação do Cimi, que acontece em Luziânia-GO. Com as contribuições de Lino João, César Sanson, Pablo Dávalos, Cacique Babau e Maurício Guarani, os participantes discutiram “Estado e Poder”, os “Governos de esquerda na América Latina”, e as “Experiências indígenas do bem viver”.
O antropólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Lino João de Oliveira Neves, durante a mesa “Estado e poder”, fez uma pequena abordagem histórica sobre o que é o Estado Nação, política e poder, fazendo em seguida uma relação do tema com o movimento indígena.
Num primeiro momento, Neves mostrou que os termos de Estado, Estado Nação, Território, Soberania, são todos forjados no iluminismo e no nascimento de uma modernidade ocidental. Mas, essa modernidade é a afirmação de uma única ordem de saber: o saber europeu. Com as colonizações, esta ordem única de cultura é instituída nas colônias. “É a negação de outras culturas e isso é efetivado de várias formas: com a invisibilização, a subordinação, a exclusão e por fim a eliminação total do outro”.
Mas a situação começa a se modificar. De acordo com Neves, até a década de 1970, tudo ocorreu como o colonizador queria. “Mas depois disso o índio diz: ‘Quero ser eu! Não quero ser europeu!’”. Assim começa a resistência consciente e política. Se antes a luta era no corpo a corpo, a partir deste momento começa a ser de afirmação de sua cultura, sua forma de organização, sua língua.
Para o professor, o movimento indígena deve ter uma relação política com o estado e não técnica. “A ação técnica é um dever do Estado para todos os cidadãos. É desenvolver políticas públicas, atender as demandas”, ressaltou. A grande questão é quando o Estado age de forma política. Para Lino, ele age politicamente quando decide ou não atender as demandas indígenas e é exatamente o que acontece no cotidiano de muitas comunidades: o Estado decide não agir e muitos povos sofrem com problemas nas áreas de educação, saúde, demarcação de terras.
Lino acredita que negar o ser político que é o indígena é uma forma de o Estado despolitizar e enfraquecer a luta desses povos. “As demandas políticas dos indígenas viram soluções técnicas e o Estado age para camuflar a atuação dos povos nas suas próprias conquistas”, destacou. Na opinião do professor, é necessário um estado plurinacional, pluricultural e pluriétnico fora desse modelo capitalista para que as comunidades indígenas existam tranqüilas na plenitude do bem viver. “Um Estado plural aceita as diferenças e está de acordo com os princípios do bem viver”, finalizou.
Governos de “esquerda” na América Latina
“Os governos da América Latina (A.L.) estão acelerando a crise civilizacional”. César Sanson, pesquisador do CEPAT e parceiro do IHU, depois de fazer todo um apanhado sobre as crises energéticas, as crises ambientais, mudanças climáticas, ressaltou que os governos ditos de esquerda são sim grandes aceleradores desse modelo neo-desenvolvimentista. Na segunda palestra do dia, ele destacou que governos dos países latinoamericanos têm uma forte referência no modelo desenvolvimentista dos anos 1950.
Se nas décadas de 1980 e 1990 o modelo neoliberal liderava com privatizações, reforma das instituições, capital internacional, campanha para que os países se inserissem no processo de globalização e inserção subordinada dos países na economia mundial, os governos da A.L. se elegeram contra esse processo. “E esse governos se elegem com grande apoio dos movimentos sociais que lutavam contra o sistema vigente”.
Mas, de acordo com Sanson, os governos existentes hoje na A.L. são neo-desenvolvimentistas. “O papel do Estado é alavancar o desenvolvimento. Para isso ele aparece em três facetas: o Estado investidor, financiador e o Estado social”. O Estado banca grandes obras para alavancar o desenvolvimento, financiando para a exploração do capital privado; ele financia a fusão de grandes conglomerados para competir com empresas transnacionais e elabora programas sociais compensatórios, por exemplo o bolsa família.
Esse modelo cria tensões com os movimentos sociais. Sanson destacou que os indígenas são grandes entraves a essa lógica e por isso são tão perseguidos. “Os movimentos sociais em geral não podem se deixar iludir: a inclusão social não pode vir do consumo, mas da resolução de problemas como na saúde, na educação. É preciso perceber que o crescimento não é ilimitado e o movimento não pode se deixar iludir!”, declarou.
Ainda nesta discussão dos Estados Latino Americanos, o economista Pablo Dávalos destacou que poucas vezes na história houve tantos estados partilhando da mesma concepção. “É a mesma dinâmica de acumulação capitalista!”, afirmou. Mas para compreender como a A. L. chegou a essa situação, Dávalos voltou aos anos 1990, e destacou a forte atuação dos movimentos sociais em toda a América Latina. “Foram esse movimentos que derrotaram o neoliberalismo! E os partidos políticos se valeram desta energia dos movimentos para se elegerem.”, lembrou.
O economista também mostrou que os movimentos sociais foram se calando, se paralisando, após as eleições dos chamados partidos de esquerda. “Muitos integrantes destes movimentos acabaram se tornando funcionários do governo e o espaço político ficou anulado. Não há oposição”, ressaltou. Com os movimentos na defensiva, o debate político acaba ficando fechado. “Precisamos encontrar o fio de Ariadne para sairmos deste labirinto e recuperar a agenda dos movimentos sociais! Voltar a sermos radicais, voltar às raízes para conseguir uma democracia plurinacional!”, finalizou.