19/11/2010

No horizonte da autonomia

Esse foi o tema discutido no penúltimo dia do III Encontro Continental do Povo Guarani

 

Por Egon Heck

De Assunção, Paraguai

 

“Conquista e não esmola.

Chão e não nuvem.

É caminho, é reza, é luta.

Autonomia é um horizonte

no qual temos que pisar

com força e com carinho,

no amanhecer de cada dia”.

 

“Desde Bolívia un saludo revolucionario del KEREIMBA – Ramiro Valle Mandepora- para mis tentaras – hermanos- de la Nación Guaraní de los cuatro países que, nuevamente tendrán la suerte de reencontrarse con un sólo objetivo fundamental como es la reconstitución territorial de la Nación Guaraní para la consolidación del ejercicio a la libre determinación que consiste en el reconocimiento de nuestro derecho a la autonomía, institución propria, autogobierno y cultural, así como derechos inviduales y colectivos dentro de un estado.” (Ramiro Valle Mandepora – da  Assembléia do Povo Guarani – AGP )

 

Com essa mensagem, o Guarani da Bolívia expressa bem o que está acontecendo nesses dias, e em especial no dia de hoje, um aprofundamento da reflexão e a busca conjunta de caminhos de articulação e organização dos Guarani em nível continental. Sonhemos, partilhemos e concensuemos nossas propostas em conjunto.

 

Muitas pedras no caminho da autonomia

 

A conquista da autonomia pelos povos indígenas no continente tem sido caminho árduo, de avanços e percalços, armadilhas e vitórias. São décadas de experiências que se transformaram em referências importantes para o momento atual de luta pela autonomia dos Povos Guarani na América do Sul

 

No início da década de 80 o governo revolucionário sandinista se deparou com a difícil realidade e perspectiva dos povos indígenas: os Meskitos, Suma, Rama, dentre outros, exigiam o respeito a seus territórios e a autonomia da Costa Atlântica da Nicarágua. Diante dessa realidade desafiadora, o então governo sandinista desencadeou um amplo debate sobre as perspectivas de autonomia desses povos. A partir de então foram construídos marcos legais importantes para uma nova relação entre o governo e os povos indígenas. Entre percalços políticos e retrocessos, o que permaneceu foi um primeiro intento prático de constituição de autonomias indígenas dentro do marco legal de estados nacionais.

 

Na década de 90 esse debate voltou com bastante força na proposta e luta zapatista no México. A exigência de autonomias regionais pelos zapatistas e povos indígenas de diversas regiões do país fez com que se colocasse novamente na agenda regional e mundial a discussão sobre a autonomia dos povos indígenas dentro dos estados nacionais. Uma questão central colocada pelo movimento zapatista é de que eles não almejavam o poder, porém exigiam que as comunidades indígenas fossem respeitadas em sua diversidade e tivessem autonomia para gerir e decidir sobre seus projetos de vida dentro de seus territórios, com autonomia.

 

O debate sobre autonomia, com a perspectiva de autodeterminação foi palco de debates mundiais. A maioria dos estados nacionais, com assento na ONU, se opunha a esse conceito, pois entendiam que o mesmo possibilitava o surgimento de estados nacionais indígenas, independentes. Por isso conseguiram impedir que esses termos fossem assumidos pela ONU, tendo então surgido o conceito de livre-determinação. E isso ficou estabelecido na Declaração dos Direitos Indígena após três décadas de debates.

 

Agora o Povo Guarani, afirmando-se enquanto Nação Guarani, recoloca a questão, seja a partir de bases legais já consolidadas, seja a partir da percepção e reivindicação dos povos Guarani presentes em quatro países da América do Sul.

 

A novidade são os caminhos já percorridos e as conquistas consolidadas, especialmente pelos Guarani na Bolívia. Já não é mais apenas uma discussão teórica, um sonho distante, mas são experiências concretas e conquistas legais, como o reconhecimento de estados plurinacionais na Bolívia e Equador.

 

Para os Guarani da Bolívia, presentes no III Encontro Continental Guarani, autonomia indígena é a condição e princípio de liberdade de nosso povo, que impregna o ser individual e social, como categoria fundamental de antidominação e autodeterminação. Enquanto avançam na construção efetiva dos espaços de autonomia, convivem os Guarani da Bolívia com situações de escravidão em grande parte de suas comunidades, fazendas dentro de seu território. Porém tem constituído um canal de diálogo com o governo Evo Morales, que apesar de todas as ambigüidades, tem permitido fazer avançar a construção das autonomias indígenas, em especial a autonomia do Povo Guarani.

 

Luta e organização

 

O penúltimo dia do importante encontro Guarani, com mais de 400 participantes dos quatro países – Paraguai, Bolívia, Brasil e Argentina, o debate girou em torno do necessário processo de articulação e organização Guarani, para viabilizar e ampliar os avanços e conquistas dos direitos das mais de mil comunidades Guarani, 300 mil pessoas, que depositam sua confiança nesse novo momento da Nação Guarani.

 

Após muito debate, ficou a certeza de que só consolidando a articulação e organização do povo em nível continental, se poderia assegurar os avanços em curso, especialmente na lua pela terra, território e autonomia.

 

Ficou aprovado e eleito o Conselho Continental da Nação Guarani, com 25 membros representando os povos Guarani nos quatro países. Logo após aprovação o Conselho se reuniu para definir as bases de seu funcionamento, responsabilidades e sua divulgação para as comunidades Guarani e para o mundo.

 

Hoje estarão entregando às autoridades do Paraguai o Manifesto da III Assembléia, onde denunciam os desrespeitos ao direito, as violências, mas principalmente anunciando a luta pela autonomia e autodeterminação, a partir do reconhecimento de seu modo de ser e viver dentro de seus territórios. Com certeza os caminhos da autonomia serão plurais, lentos, difíceis, porém o horizonte da autonomia vai ficando mais próximo. 

Fonte: Cimi Regional Mato Grosso do Sul
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