De Cerrito aos senhores do Mundo
Por Cleymenne Cerqueira e Egon Heck
De aldeia Cerrito, Eldorado – MS
O córrego limpo se desdobrou em suaves sons deslizando nas cachoeiras. As árvores acenaram ao sopro do vento. A grande lona azul balançava, parecendo o céu a dançar sob o olhar atento de centenas de Guarani Kaiowá. Chegou a noite, discreta, porém envolvente. Neste clima de encantamento, alegria e esperança foi anunciada a abertura do grande XVI Encontro de Professores e Lideranças Guarani Kaiowá. O evento aconteceu na aldeia Cerrito, município de Eldorado, no Mato Grosso do Sul, entre os dias 11 e 14 de novembro.
Após as primeiras rezas saudando ao Ñanderu e também aos presentes, tocou-se o hino nacional brasileiro e em seguida o hino municipal. No coração dos Guarani Kaiowá, um turbilhão de sentimentos, mas também de questionamentos: como cantar um hino que exalta a natureza e as riquezas do país, atualmente, tão destruída pela ganância de poucos? Como exaltar a pátria amada, cada vez mais saqueada pelo grande capital em detrimento dos direitos de seus povos e milhões de excluídos?
Durante os quatro dias do encontro, os indígenas ali reunidos deram sua contribuição para o aprofundamento e consolidação da democracia. Entendida a democracia a partir da perspectiva social e organizativa do povo Guarani, aonde a base são as famílias extensas e comunidades, e onde se busca a participação direta e a construção de consensos e não a imposição de vontade de minorias.
Reza, dança e batizado
“Eu nunca vi professores participando tanto do guachiré (dança) e rezas rituais como nesse encontro”, foi a observação de Veronice, uma das aliadas e assessoras do movimento desde a década de 1980. Já em sua fala durante a abertura do evento, o ñanderu Getulio manifestava o desejo de fazer também desse encontro uma grande celebração. O desejo era que todas as energias positivas pudessem desembocar numa criança a ser batizada.
No encontro foram aprovados dois documentos denunciando a gravíssima situação em que se encontram os indígenas da comunidade Ypo’i, localizada no município de Paranhos, fronteira com o Paraguai. A comunidade retomou seu tekohá em agosto deste ano, na tentativa de mais uma vez conseguir a posse de sua terá e também encontrar notícias do professor Rolindo Vera, seqüestrado em outubro do ano passado junto com seu primo Genivaldo Vera.
Ypo’í está novamente ameaçada. Nova ordem de despejo foi expedida pela Justiça e eles aguardam urgentemente intervenção dos órgãos governamentais para que lhes seja garantia da permanência em sua terra tradicional.
Assuncion, a próxima estação
Com o término do XVI Encontro de Professores e Lideranças Guarani Kaiowá, a maioria dos indígenas que participaram do encontro seguiram para a capital do Paraguai, Assunção, aonde acontece entre os dias 15 e 19 o III Encontro Continental do Povo Guarani.
As discussões e encaminhamentos do encontro em Cerrito aconteceram de forma muito tranqüila e acelerada, por isso, ainda na noite do dia 18 os trabalhos foram encerrados e muitos dos participantes do evento voltaram ás suas comunidades. Na manhã do dia 15, cerca de quarenta indígenas Guarani Kaiowá saíram da aldeia rumo a Assunção, onde chegaram na noite do mesmo dia.