13/11/2010

XVI Encontro de Professores e Lideranças: lutas e conquistas do povo Guarani

Por Cleymenne Cerqueira e Egon Heck

Da Aldeia Cerrito, Eldorado – MS

“A gente precisa mostrar ao Brasil e ao mundo que nós Guarani Kaiowá temos nossa sabedoria, nossa tecnologia, nossa arte, nossa religião. Infelizmente são ainda poucos os que têm bom senso e sensibilidade para enxergar e reconhecer isso. Muitos ainda nos veem através da cana, da soja, do boi. Mas esse país é do povo brasileiro e não de alguns poderosos…” (Avá Kuarahy Rendyju)

O grande encontro de lideranças e professores Guarani, que acontece desde a última quinta-feira (11) na aldeia Cerrito, município de Eldorado (MS), não poderia começar de forma diferente. Mais de quinhentos representantes desses povos deixaram suas aldeias e acampamentos com a certeza de avançar na conquista de seus direitos, de darem mais um passo em direção às suas terras tradicionais, seus tekohá. 

Diversas lideranças das comunidades indígenas de todo o estado deram seus depoimentos aos demais presentes. Nas falas situações de lutas, violências e também de conquistas. Em todas, o tom de ânimo e esperança para continuar na luta. Na luta por melhores condições de vida, pelo acesso ao território tradicional, pelo acesso a serviços básicos de saúde e educação, serviços de qualidade e também diferenciados que atendam as necessidades reais dos povos Guarani do estado.

Em todos os depoimentos ficou evidenciada a gravidade da situação em que vivem os povos indígenas do MS. Situação que exige, mais que nunca, compromisso, união e determinação. Em todo esse processo de luta e conquista foi ressaltada a importância das lideranças e das ações organizadas e integradas. Nesses momentos é importante que as lideranças tradicionais, com toda sua sabedoria e caminhada à frente das comunidades, andem juntas aos professores e demais lideranças.

Durante todo o dia as falas exaltaram a importância e a necessidade da educação escolar indígena na afirmação da identidade e da luta do povo Guarani. Os professores devem ser também guerreiros, aprendizes e apoiadores dos nhanderu e nhandesi, os esteios e líderes tradicionais/espirituais de seu povo. O coordenador do Cimi em Mato Grosso do Sul, Egon Heck, afirma que é importante e indispensável para a luta que os professores tenham compromisso com a caminhada de suas comunidades, colocando seu conhecimento em favor de suas necessidades e realidades.

O Aty Guassu e também o encontro de professores não deve ser encarado como mais um encontro dos Guarani de Mato Grosso do Sul, pelo contrário tem que ser visto como o grande encontro de lideranças e professores, que juntos, vão definir propostas concretas da caminhada e luta do povo Guarani em busca de seus direitos. No encontro serão traçadas estratégias, especialmente voltadas à conquista de suas terras, bem como à criação e manutenção das escolas indígenas como ferramenta de fortalecimento da cultura, língua e tradições Guarani.

Dor e angústia em Ypo’i

O encontro é realizado sob o forte impacto da memória de um ano do assassinato dos professores Genivaldo e Rolindo Vera, membros do tekohá Ypo’i. Os dois foram seqüestrados no dia 30 de outubro do ano passado quando retomaram seu território tradicional, Ypo’i, localizado no município de Paranhos, fronteira com o Paraguai. Dias depois o corpo de Genivaldo Vera foi encontrado. De Rolindo não se tem notícia passado um ano do despejo da comunidade por seguranças particulares e pistoleiros contratados por fazendeiros da região.

Quase dez meses depois da morte dos professores, a comunidade Ypo’i resolveu retomar novamente a área de tekohá. Em agosto deste ano, já cansados de encaminhar denúncias que lhes trazem soluções ou mesmo notícias do corpo de Rolindo, seus parentes voltaram a Paranhos. Na ocasião, um familiar dos professores desabafou: “Até não termos informações do que se passou e localizarmos o corpo, nem que sejam só os ossos do Rolindo, não conseguiremos viver em paz…é como se tivesse acontecido ontem, a dor não passa, nossa alma fica perturbada”. 

Índio não é bobo

O líder Avá Rovichá Guarani, com uma fala inflamada e cortante, de dedo em riste, se dirigiu à mesa de autoridades: “Não somos bobos. Índio não é bobo. Nós sabemos quem matou Genivaldo e Rolindo. Não venham querer enrolar dizendo que eles estão no Paraguai. Os mandantes estão aí em Paranhos”. E apontando para o banner em que está a foto de Rolindo afirmou: “ Só sairemos do Ypo’i se levarmos o corpo dele.  Se não lá vamos ficar. Só sairemos  depois  que tivermos os osso dele. Caso contrário vamos ficar lá”.

A luta do povo Guarani, atualmente, não acontece por meio de arcos e fechas. Em sua maioria, as comunidades buscam assegurar seus direitos por meio da palavra, dita ou escrita. Se utilizam dos meios disponíveis para alardear suas lutas. Outra arma de luta por seus direitos é o voto. Muitos povos têm representantes direitos nas assembléias legislativas de seus estados, no governo, Câmara e Senado. Avá Rovichá afirma exatamente isso ao concluir sua fala. De acordo com ele, este ano o voto foi um voto de esperança: “Eu votei numa mulher, porque ela é mãe e a terra é nossa mãe. Votei na Dilma porque como mãe, acredito que ela vai garantir os nossos direitos”.

Fonte: Cimi
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