Qualquer licença para inicio de obras de Belo Monte é ilegal
Ministério Público Federal enviou três alertas ao Ibama e deve responsabilizar juridicamente o órgão e seus diretores caso recomendações sobre a ilegalidade de concessão de licença para inicio de obras da usina sejam descumpridas
Verena Glass
Xingu Vivo Para Sempre
No início deste ano, quando o Ibama concedeu a Licença Prévia ao projeto de Belo Monte – apesar das recomendações contrárias de técnicos do próprio órgão – para que fosse possível a realização do leilão da usina, foram estabelecidas 40 condicionantes de validade desta licença e 26 condicionantes indígenas no Parecer Técnico da Funai, que teriam que ser cumpridas antes da concessão de nova licença para o inicio das obras (veja a lista completa aqui).
Passadas as eleições e com Belo Monte fora da pauta das disputas partidárias, o Ibama vem anunciando que nos próximos dias concederá ao Consórcio Norte Energia uma licença parcial, inexistente na legislação brasileira, para que os empreendedores iniciem suas atividades em Altamira.
Na função de zelar pelo cumprimento da legislação brasileira e pela proteção das comunidades ameaçadas, nos últimos meses o Ministério Público Federal no Pará enviou ao Ibama três documentos alertando sobre a ilegalidade de qualquer permissão neste sentido.
Em 27 de setembro, os procuradores do MPF em Altamira encaminharam ao diretor de licenciamento ambiental do Ibama, Sebastião Custódio Pires, uma recomendação que alerta para o não cumprimento da condicionante 228 da LP 342/2010, referente ao Parecer Técnico da Funai, que exigiu que antes mesmo do leilão fosse feita a demarcação das Terras Indígenas (TIs) da Volta Grande do Xingu e Cachoeira Seca, além da atualização do levantamento fundiário e início da desintrusão (retirada de não índios) da TI Apyterewa.
O documento também alerta que, após o leilão, deveria ocorrer o “fortalecimento da atuação da Funai no processo de regularização fundiária das TIs; desintrusão das TIs Arara da Volta Grande e Cachoeira Seca; redefinição de limite da TI Paquiçamba; completa desintrusão e realocação de todos os ocupantes não índios das TIs envolvidas neste processo; e todas as TIs regularizadas (demarcadas e homologadas”. Nada disso foi feito.
Em 13 de outubro, o MPF enviou uma nova recomendação, desta vez ao presidente do Ibama, Abelardo Bayma Azevedo, alertando que as condicionantes relativas às questões de saneamento, saúde e educação também não foram cumpridas.
De acordo com o MPF, a condicionante 2.32, “que dispõe que dependerão de
licenciamento no órgão municipal ou estadual de meio ambiente as seguintes obras decorrentes: residências de trabalhadores a serem construídas em Altamira e Vitória do Xingu; reassentamentos; sistemas de abastecimento público de água, esgotamento sanitário e drenagem urbana; aterros sanitários; escolas; hospitais; postos de saúde; postos policiais; porto; relocação de rodovias e estradas vicinais” permanece no chamado “marco zero, tendo em vista que, por exemplo, sequer foi assinado convênio entre o empreendedor e o município de Altamira tendo como objeto a questão da saúde no município”.
Em função disso, os procuradores recomendaram ao presidente do Ibama que “se abstenha de emitir qualquer licença , em especial a de Instalação, prévia ou definitiva , do empreendimento denominado AHE Belo Monte, enquanto as questões relativas à saúde não forem definitivamente resolvidas de acordo com o que previsto nas condicionantes da Licença Prévia 342/2010”.
Por fim, em 9 de novembro, o Ministério Público Federal enviou ao presidente do Ibama uma terceira recomendação, esta especificamente sobre a ilegalidade da concessão de qualquer licença para inicio das obras da usina.
De acordo com o documento, “não existe no ordenamento jurídico brasileiro o instituto da ‘licença parcial de instalação’ (ou qualquer outro instrumento com outro nome), que permita que se inicie a implementação de um empreendimento que traga impactos de grandeza regional ou nacional em caráter precário, ou seja, sem a observância de todas as condicionantes e demais providências necessárias à expedição da licença de instalação prevista em lei”. Segundo o MPF, há uma total incerteza sobre o cumprimento das condicionantes e que, incidindo o princípio da precaução ao caso, é inadmissível juridicamente a expedição dessa nova licença.
Por fim, os procuradores também lembraram que há uma “situação de litígio judicial do presente empreendimento hidrelétrico, que já apresenta nove ações civis públicas, onde são apontadas diversas irregularidades ao longo do processo de licenciamento ambiental e onde se verifica riscos à fauna, à flora, à segurança hídrica, enfim, à toda biodiversidade local, bem como às populações atingidas, configurando-se, pois, sérios riscos ambientais com caráter de irreversibilidade, sem se falar dos sanitários e sociais”.
Reafirmando a recomendação ao presidente do Ibama de que se abstenha de conceder qualquer licença para o inicio das obras da usina, neste terceiro documento o Ministério Público Federal alerta: o não cumprimento “acarretará a adoção das competentes medidas judiciais, com a igual responsabilização dos agentes públicos envolvidos”.