31/10/2010

Difícil Missão

No barraco do nhanderu (líder religioso) Atanasio, fomos trocar umas idéias, e receber a benção de um dos mais renomados líderes religiosos Kaiowá, do Mato Grosso do Sul. Assim pudemos partir para a visita a duas comunidades sobre as quais pesa a guilhotina do despejo.  Quando a noite encobre a vastidão devastada das terras da fronteira com o Paraguai, no município de Paranhos, é hora de botar o pé na estrada. São mais de 20 km percorrendo fazendas e restos de mata. O espírito dos Guarani-Kaiowá é de muita confiança, esperança e alegria. Junto com seus pouquíssimos pertences levam alimentos para a comunidade de Ypo’i. Depois de identificar o local do encontro com os demais indígenas, rompem a escuridão e o silêncio, no compasso do coração apreensivo. Por volta da meia noite os abraços efusivos da comunidade em vigília ritual.  Do local em que já foram expulsos, com tortura, feridos e os dois professores Genivaldo e Rolindo mortos, não mais sairão. Confiam na justiça na certeza de que a consciência nacional e internacional não permitirá a repetição de covardes violências e agressões.

 

No dia seguinte é a vez da aldeia Remando, na Terra Indígena Yvy Katu, município de Japorã, receber a visita de lideranças Guarani e aliados. Nas camadas de areia o carro ensaiava umas danças. Também, como passarinho novo, tentava se erguer do chão ao passar pelas elevações das curvas de nível. Finalmente chegamos a Remanso – aldeia 3.

 

Sentados sobre tamboretes ou no chão, homens, mulheres e crianças, aguardavam a anunciada visita. Nos olhares e nas faces a expressão de revolta. Queriam saber por que sua comunidade teve novamente ordem de despejo. Essa já é a terceira vez que a Fazenda Remanso Guasu entra com ação de reintegração de posse, desde 2004, quando houve uma massiva retomada de terras por parte dos Guarani confinados na aldeia de Porto Lindo. Depois da luta no chão, começaram as intermináveis batalhas judiciais. Infelizmente a justiça local sempre tem dado ganho de causa aos fazendeiros (tem quem qualifique isso como “justiça fazendeira”), porém nas instâncias regional e federal, os direitos indígenas têm sido restabelecidos.

 

Na viagem o cacique Rosalino contava com muito orgulho os próximos passos na comunidade: “Já estou providenciando a madeira para eles erguerem a ‘oga pisy’” (casa de reza). É como certo entre eles de que onde existe casa de reza eles aí permanecerão. Ninguém mais os tirará dessa sua terra.

 

A generosa solidariedade

 

Dourados que ficou famosa pela deslavada corrupção de sua elite política, também é capaz de belos e louváveis gestos de solidariedade. A coordenadoria de Cultura da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) promoveu a Mostra de Teatro 2010, realizado em comemoração aos cinco anos de criação desta importante universidade. Cada participante dos eventos levou um quilo de alimentos não perecíveis como contribuição a causas humanitárias. Mais de uma tonelada de alimentos foram arrecadados e doados às comunidades indígenas que se encontram em situação de falta de alimentos, e estão em luta por suas terras e reconhecimento dos seus direitos.

 

Estes alimentos estarão chegando às comunidades em situações mais precárias, seja acampadas à beira da estrada, seja em seus processos de volta aos tekohá, terras tradicionais. A comunidade de Ypo’i já foi beneficiada com parte desses alimentos, no momento em que não tinham com que se alimentar. Aos autores desse belo gesto humanitário e de reconhecimento dos povos Kaiowá Guarani, os agradecimentos de todas as comunidades beneficiárias e de seus aliados.

 

Acreditamos que a missão de fazer chegar alimentos para todos é uma missão difícil, que necessariamente deve passar por transformações profundas, na construção de uma nova sociedade.

 

Dourados, 30 de outubro de 2010.

 

Egon Heck

Movimento Povo Guarani Grande Povo

 

Fonte: Cimi - Regional Mato Grosso do Sul
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