15/10/2010

Artigo – Povo Guarani Kaiowá: o clamor pela vida!

Na última segunda-feira (11), o jornal Correio Braziliense publicou em sua edição impressa o artigo “Povo Guarani Kaiowá: o clamor pela vida!” assinado por dom Erwin Kräutler, bispo da Prelazia do Xingu (PA) e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

 

No texto, dom Erwin fala sobre a realidade de sofrimento e desespero, mas também esperança, em que vivem os indígenas Guarani Kaiowá, de Mato Grosso do Sul. No estado aonde vive a segunda maior população indígena do país, este povo sofre com as mais diversas formas de violência e preconceito. Entre eles têm sido seguidamente registrados os maiores índices de assassinatos, suicídios, mortalidade infantil e outras mortes por desassistência.

 

Diversas denúncias têm sido feitas ao governo brasileiro e organismos nacionais e internacionais que atuam em defesa da garantia dos direitos humanos. O Cimi juntamente com a Anistia Internacional lançou recentemente campanha pedindo às pessoas que enviem mensagens ao ministro da Justiça Luiz Paulo Barreto e também ao secretário Especial dos Direitos Humanos Paulo de Tarso Vannuchi denunciando a situação desoladora em que estes povos se encontram.

 

Mês passado, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) também emitiu nota em que condena as violências praticadas contra os Guarani Kaiowá, ao mesmo tempo em que solicita ao governo brasileiro a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas por esses indígenas em Mato Grosso do Sul.

 

No artigo, dom Erwin fala sobre episódios estarrecedores que têm marcado a vida dos Guarani Kaiowá, como o seqüestro e morte dos professores indígenas Rolindo Vera e Genivaldo Vera. Ele ainda afirma que cabe ao governo federal dar respostas a essas questões, bem como dar assistência aos povos indígenas.

 

Confira o artigo na íntegra:

 

Povo Guarani Kaiowá: o clamor pela vida!

 

Por dom Erwin Kräutler

 

 

Erwin Kräutler e menina Guarani Kaiowá

 

Dor, desespero, insegurança e absoluta descrença no poder público marcam a vida e a trajetória de milhares de famílias do povo Guarani Kaiowá, em Mato Grosso do Sul, estado onde vive a segunda maior população indígena do país. De lá chegam denúncias de trabalho escravo nos canaviais e usinas de álcool lá um boi no pasto vale mais do que uma criança indígena. Os indígenas estão confinados em pequenas áreas. Os índices de suicídio entre jovens, por falta de perspectiva de futuro são alarmantes. A mortalidade infantil é de 34 óbitos por 1.000 nascidos, em função das precárias condições de saneamento.

 

De lá nos chegam todos os dias notícias sobre espancamentos e assassinatos de indígenas. As terras não foram demarcadas porque ao governo federal falta vontade de enfrentar os donos de latifúndios devido a pressões políticas. Usineiros escravocratas são tratados como se fossem heróis da pátria.

 

Assistimos estarrecidos à tragédia em que vive a comunidade Guarani Kaiowá Ypoí, sitiada em uma minúscula área, cercada por pistoleiros armados. Mesmo que atualmente essa informação venha sendo divulgada pela imprensa, nem a Funai, nem a Polícia Federal, nem o Ministério da Justiça, nem o presidente da República tem se pronunciado a respeito ou, pelo menos, esboçado uma ação para punir os criminosos.

 

A história de violências contra a comunidade de Ypoí é tão antiga quanto sua luta pela demarcação e garantia das terras, Em outubro de 2009 os indígenas foram atacados e expulsos de suas terras ancestrais. Na ocasião, os professores Genivaldo Vera e Rolindo Vera foram arrastados por homens armados. Dias depois, Genivaldo Vera foi encontrado morto, boiando em um riacho. O paradeiro de Rolindo vera é ignorado até hoje.

 

Como bispo do Xingu há trinta anos e presidente do Cimi em vários mandatos, tive a oportunidade de acompanhar as lutas dos povos indígenas pela defesa de seus direitos fundamentais, em especial à vida. Preocupa-me imensamente a situação de violação de direitos a que estão submetidos os Guarani Kaiowá. Só me resta exclamar: por que tanto despreza com os povos indígenas? Por que as 324 terras reivindicadas pelos povos indígenas do Brasil, a maioria em Mato Grosso do Sul, continuam sem nenhuma providência?

 

Cabe ao governo federal dar respostas a essas questões. É de sua responsabilidade prestar assistência aos povos indígenas, estruturar uma política que restabeleça as condições de segurança e de dignidade para esses povos, em particular aos Guarani Kaiowá. O governo tem obrigação constitucional de demarcar as terras e fiscalizá-las, assegurando o usufruto exclusivo aos indígenas, conforme determina nossa Carta Magna no artigo 231, parágrafos 1 a 6°.

 

Infelizmente, as respostas têm sido dadas apenas quando se estabelece o conflito e, ainda assim, mediante meros paliativos que nem de longe apontam para a definitiva solução: a garantia das terras indígenas. O governo, omisso e negligente, aparentemente não se deixa impressionar pela cruel situação dos Guarani Kaiowá. Fecha os olhos diante de mais um genocídio em curso que envergonha o Brasil e tapa os ouvidos diante dos gritos ensurdecedores desse povo. Para reverter essa situação calamitosa, urge uma grande mobilização nacional que possa contar também com o apoio de organizações internacionais dedicadas às causas democráticas e aos direitos humanos.

Fonte: Cimi
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