08/10/2010

Escola indígena e movimento indígena: imbricações necessárias

Rogério Batalha, assessor jurídico do Cimi no Regional Mato Grosso do Sul, construiu importante análise sobre a importância da relação entre movimentos e lutas indígenas e a escola indígena. Traçando um pequeno perfil desse meio escolar, ele afirma que “é permitido às escolas indígenas deslocar suas práticas para um espectro mais abrangente, na defesa de sua autonomia, reagindo contra injustiças e dialogando com suas comunidades sobre seus problemas internos e externos”.

 

Leia abaixo trechos do artigo.

 

As dificuldades cotidianamente enfrentadas pelos povos indígenas do Brasil na luta pela sobrevivência e pelo respeito aos seus direitos fundamentais trazem muitas questões relacionadas à necessidade de um fortalecimento do movimento indígena. Sob aspectos de uma “unificação” de forças, visam o enfrentamento, em condições menos assimétricas, de um amplo e insistente aparato estatal e econômico anti-indígena. Neste contexto, a escola indígena exerce extrema relevância.

 

Porém, coloca-se o desafio da construção de modelos organizativos que sejam sempre respaldados pelo respeito às diferenças, reconhecendo as formas peculiares de organização social, econômica, religiosa e linguística, que corroboram o princípio fundamental do respeito à diversidade étnica e cultural dos povos.

 

Para uma possível definição da natureza do movimento indígena brasileiro, envolvendo diferentes povos com anseios comuns por reconhecimento de suas identidades e territórios, valho-me da análise de Iara Bonin (1997 apud SILVA, 1999, p. 101), na qual afirma que “o movimento indígena nasce como espaço de rearticulação da resistência para fortalecer o poder de reação”.

 

A busca incessante pelo reconhecimento de direitos, entre os quais o principal é o da terra, fez com que os povos indígenas incorporassem novos instrumentos de luta, que pudessem permear as forças políticas dominantes e que viabilizassem um maior protagonismo nas teias complexas das relações de poder, no sentido de serem contemplados com políticas de respeito às diferenças culturais e de reconhecimento de direitos.

 

A constante reação de velhas oligarquias, fossilizadas nas instituições do poder estatal brasileiro, no sentido de tentarem suprimir as diferenças por meio da máquina administrativa e “propagandista”, faz com que as ações e movimentações indígenas sejam constantemente rearticuladas, visando um aperfeiçoamento de suas estratégias de resistência.

 

(…)

 

O modelo social pós-colonial segue avançando as fronteiras da exclusão, sustentadas a partir de concepções homogeneizadoras em face dos povos indígenas, amparadas pela pseudo-estabilidade capitalista, que requer mais riquezas. Para esse modelo, as reivindicações indígenas são uma permanente “ameaça” aos seus interesses, principalmente em relação ao reconhecimento pelo Estado brasileiro dos territórios tradicionais. Deste modo, faz-se necessário ressignificar o papel da escola indígena no contexto social em que está inserida.

 

Inserida em realidades que preconizam a negação das diferenças étnicas e culturais, é permitido às escolas indígenas deslocar suas práticas para um espectro mais abrangente, na defesa de sua autonomia, reagindo contra injustiças e dialogando com suas comunidades sobre seus problemas internos e externos. Valorizar suas especificidades culturais, projetando para a sociedade envolvente uma visibilidade maior de suas realidades e dificuldades reais na árdua batalha contra as políticas assimilacionistas ainda muito defendidas pela propaganda discriminatória da “desinformação” generalizada.

 

 

Torna-se crível que o movimento indígena brasileiro tem promovido articulações eficazes no sentido de ampliar alianças com outros setores da sociedade, que também são excluídos de direitos fundamentais.

 

Ao estudar a história dos povos indígenas do Brasil, e sua luta por terra, cultura e educação, percebe-se que as lutas dos demais segmentos sociais excluídos do direito de cidadania neste país têm em comum a mesma história de desapropriação de sua terra, de sua cultura e de sua educação (GANDRO, 2000, p. 2) .

 

Assim, sob uma postura apenas argumentativa, a possibilidade da escola indígena “fundir-se” ao movimento indígena, na busca de efetividades de direitos e de serem os amplificadores dos anseios de suas comunidades, torna-se um processo muito natural, cujas dimensões de atuação se confundem com os diferentes movimentos sociais existentes, que também agonizam com as consequências nefastas das sistemáticas “negativas” aos direitos à autonomia e diversidade, à terra, à saúde e à educação.

 

Deste modo, para uma educação escolar indígena plena, exercida e fruída pelos membros das próprias comunidades, pressupõe-se incorporar nas práticas cotidianas demandas outras que afetam diretamente os seus povos na busca de efetividade de direitos com uma permanente interlocução com os sujeitos envolvidos.

 

A intensa articulação entre as práticas pedagógicas e os anseios coletivos das comunidades faz com que a escola indígena amplie seu potencial transformador, mediador e subversivo das realidades agonísticas, recriando o sentido de sua importância, focando-a para um novo horizonte, de modo a unificar os esforços coletivos nas lutas cotidianas de todos os seus membros, propiciando um efetivo protagonismo, condizente, inclusive, com aquilo que lhes é assegurado pela legislação brasileira quanto aos direitos de terem uma escola especifica, diferenciada, intercultural e bilíngue. (…)

 

A ressignificação do papel da escola indígena, deslocando-a para um novo âmbito de ação e interação, protagonizando-a dentro do movimento coletivo de suas comunidades, propicia uma transformação de suas próprias estruturas, trazendo a derradeira qualificação político-social necessária para atender as diversas demandas dos sujeitos que a envolvem.

 

Segundo Brand (2001, p. 96), a:

[…] escola deve ser voltada para dentro da comunidade indígena, […] a escola não substitui nenhum mecanismo interno tradicional da comunidade, mas se constitui politicamente, na fronteira com o outro, como espaço intercultural na interação com o entorno regional.

 

Considerando as ações concretas dos professores e estudantes indígenas, atualmente verificadas pelas intensas movimentações dos seus povos e suas organizações no Mato Grosso do Sul, pode-se concluir que a imbricação entre a escola e movimento indígena é uma necessidade e é possível. Necessita, no entanto, avançar, fazendo com que a escola, através de seus professores, se envolva mais amplamente nos processos de luta dos povos e comunidades nas quais está situada, e, dessa forma, contribuindo para qualificar melhor essas mesmas lutas.

 

Para ler todo o artigo, clique aqui.

Fonte: Cimi
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