Relator da ONU emite comunicado sobre greve de fome de indígenas Mapuche no Chile
Declaração do Relator Especial das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas, James Anaya, sobre a situação dos presos Mapuches em greve de fome no Chile. Genebra, 24 de setembro de 2010
Gostaria de informar a todos os interessados que nos últimos dias eu tenho mantido contato permanente com o Governo do Chile, mantendo um diálogo e um intercâmbio de informações sobre a situação das 34 pessoas Mapuche que estão em greve de fome há mais de dois meses em vários centros na região de Bío Bío e Araucanía. Manifestei minha mais profunda preocupação com esta situação e a necessidade de avançar para resolver os diversos problemas relacionados com as demandas das pessoas em greve de fome que afeta o povo Mapuche.
As 34 pessoas em greve de fome estão entre as 58 pessoas Mapuche e seus simpatizantes que foram processados ou condenados por força da Lei Antiterrorista (n. 18.314) no Chile. Entendo que os presos Mapuches em greve de fome demandam do Estado: (1) O fim da aplicação da lei antiterrorista nos casos que envolvê-los, (2) o fim dos processos de alguns das pessoas Mapuche presas pela justiça militar, (3) a desmilitarização do de áreas onde as comunidades Mapuche reivindicam direitos humanos, políticos e territoriais, e (4) a restituição das terras ancestrais Mapuche.
Tanto eu como o meu antecessor, Professor Rodolfo Stavenhagen, expressamos nossa preocupação expressa sobre a aplicação da lei antiterrorista neste contexto e fizemos várias observações e recomendações específicas a respeito. Além disso, vários órgãos das Nações Unidas, incluindo a Comissão de Direitos Humanos, o Comitê contra a Tortura e o Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial, manifestaram preocupação com a aplicação da lei antiterrorista neste contexto. Apesar disso, os acontecimentos recentes da greve de fome indicam falta de aplicação adequada destas recomendações, e colocam em evidência o descontentamento existente em torno dos problemas de fundo que dão origem a esta manifestação social.
Como eu expressei anteriormente, desaprovo o uso da violência como forma de protesto, mesmo que este tenha reivindicações legítimas, e igualmente reprovo a falta de respeito aos direitos dos povos indígenas, que podem levar a um conflito. Ao mesmo tempo, estou mais convencido de que aplicação da lei antiterrorista, neste contexto, implica uma série de problemas processuais e de fundo que apenas agravam a situação, e que a qualificação dos delitos praticados como atos de terrorismo pode ser irrelevante e inadequada dentro das normas internacionais pertinentes. Qualquer processo penal de pessoas Mapuche por delitos neste contexto deveria ser através da justiça penal comum, com todas as garantias aplicáveis ao devido processo.
Reiteramos as recomendações citadas e instamos o Governo a desenvolver com o máximo de um esforço para iniciar um diálogo de boa fé com os representantes dos presos Mapuches, como um passo fundamental para a busca de soluções construtivas orientadas a responder às preocupações e demandas da greve.
Nesse sentido, tenho recebido informações do Governo de que, com o aval das autoridades, o bispo de Concepción está tetando buscar uma solução concreta. Exorto o Governo que neste processo de diálogo seja realizados todos os esforços para gerar a confiança necessária para alcançar uma resolução bem sucedida desta situação e que se explorem todas as alternativas de soluções jurídicas e políticas. Igualmente, incentivo as pessoas Mapuche em greve de fome, bem como demais líderes e membros do povo Mapuche em causa que também realizem esforços de boa fé para dialogar construtivamente com o governo para encontrar soluções para suas demandas.
Tomo nota da informação fornecida pelo Governo sobre os projetos de lei para modificar a lei antiterrorista e a lei sobre justiça militar que estão sendo avaliadas pelo Congresso atualmente. Gostaria de reiterar que é essencial que o Estado reforme a lei antiterrorista, adotando definições precisas dos tipos penais de delitos de terrorismo, adequadas às normas internacionais aplicáveis, bem como assegure que as reformas destas leis sejam adequadas aos padrões internacionais sobre direitos humanos, em particular em respeito ao devido processo legal. Considero de igual importância que se facilitem espaços de participação e consulta a representantes do povo Mapuche nos processos de reforma destas leis, que têm tido um efeito direto sobre seus membros.
Também recebi informações do Governo a respeito do anúncio do estabelecimento de uma mesa de diálogo paralela integrada pelo Governo, representantes do povo Mapuche, as igrejas Católica e Evangélica e organizações da sociedade civil, para discutir programas de desenvolvimento regional.
Valorizando a disponibilidade do Governo para iniciar o diálogo de fundo com representantes do povo Mapuche, gostaria de assinalar ao Governo que é essencial assegurar que o processo de diálogo se realize em um quadro de confiança e boa fé, e de acordo com as normas de consulta e participação que impõe a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em vigor no Chile.
Por fim, reitero que os distintos poderes do Estado devem abordar, em conjunto com os povos indígenas, os assuntos de fundo da atual crise referentes à falta da implementação plena dos direitos dos povos indígenas, especialmente no que diz respeito a suas terras ancestrais, aos recursos naturais, à consulta prévia e à participação nas decisões que lhes dizem respeito. Neste sentido, enfatizo que Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas da ONU e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – que comemorou seu primeiro ano em vigor no Chile – oferecem padrões e pontos de referência aplicáveis aos processos de diálogo e à busca de soluções à atual situação, de modo a garantir o respeito pelos direitos dos povos indígenas no Chile.