“Estamos sozinhos, ninguém nos apoia”, diz índio mapuche em greve de fome há 75 dias
Por Luciana Taddeo
Opera Mundi
Há 75 dias, 35 presos políticos mapuches estão em greve de fome no sul do Chile. A maioria deles, detidos preventivamente após a participação em protestos contra a ocupação de territórios que reivindicam como ancestrais, já cumprem quase um ano e meio de pena. Com o jejum que permite somente água, chá e mate, os indígenas pedem para não serem julgados pela lei antiterrorista, criada durante a ditadura militar de Augusto Pinochet (1973-1990) para combater protestos sociais e que ainda está presente Constituição chilena que ainda está em vigor no país.
Os grevistas, até então presos em quatro casas de detenção no sul do país – nas cidades de Concepción, Temuco, Angol e Valdivia –, estão sendo, aos poucos, transferidos para hospitais da região, por já estarem em situação crítica de saúde. Pressionado pela oposição e pela opinião pública, o governo do presidente Sebastián Piñera propôs modificações na lei antiterrorista e a formação de uma mesa de diálogo, reunindo representantes de comunidades indígenas, da igreja católica e familiares dos presos. A condição imposta é de que os mapuches ponham fim à greve de fome.
Opera Mundi visitou o líder da Coordenação de Comunidades
Falta de apoio
Na entrada da prisão, familiares e porta-vozes dos grevistas mapuches montaram um acampamento. Héctor Llaitul, no entanto, é o único detento que permanece no local. Após passar várias vezes por barreiras policiais, identificações e uma revista, chegamos ao pátio ensolarado onde o indígena esperava, sentado em um banco, a visita da esposa, Pamela Pezoa. Ocupado pelos outros internos, que trabalhavam lixando e cortando madeira, o pátio é cercado por muros com arames, não muito altos, com a pintura de uma floresta e montanhas.
Bem humorado e com boa disposição, Llaitul não aparentava fraqueza. O casaco sobre uma camisa e uma malha não deixavam perceber a grossura de seus braços, mas o fino triângulo formado por suas pernas unidas sob um jeans largo revelava os 25 quilos perdidos pelo indígena desde o início da greve de fome. No entanto, Héctor não parece debilitado: “Eu não fico abatido. A única coisa que me abateria seria a derrota, e esta eu não conheço”, afirma.
A pedido de Llaitul, sentamos na ponta de uma comprida mesa no refeitório. Pamela preparou um mate, que os dois tomaram, e tirou jornais de uma bolsa de plástico para mostrar ao marido as notícias, como faz diariamente. A greve de fome ocupava a primeira página dos principais jornais do país naquela quinta-feira 23 de setembro. No dia anterior, Llaitul havia enviado uma carta ao secretário geral da ONU, Ban Ki-Moon, pedindo intervenção e respaldo para as reivindicações dos grevistas.
Após ler cuidadosamente cada uma das publicações, o mapuche e sua esposa conversaram sobre as repercussões e as próximas medidas a serem tomadas. Llaitul enumerou as instruções para a esposa em um caderno enquanto ele lhe fazia algumas perguntas recebidas da imprensa e anotava as respostas. Na parede atrás da mesa, dividiam espaço uma bandeira mapuche, uma bandeira preta quadrada com o desenho de uma lua, um cartaz e um quadro. O cartaz, com escritos no idioma mapuche, dizia “Deus, terra e sangue”, e o quadro elaborado em madeira, provavelmente pelos próprios presos, estimulava a greve: “Por dignidade e justiça, força comuneiros (expressão usada para os membros de uma comunidade indígena)”.
Llaitul conta que durante uma revisão médica no hospital, um doutor peruano se surpreendeu com a quantidade de feridas por tiros que têm espalhadas pelo corpo. São três na cabeça e cinco no peito, resultado de seus anos de luta por território. Aponta para a lateral cabeça e conta: “Ele disse que esta, se tivesse acertado uns centímetros mais para cá, seria fatal”. Quando questionado sobre sua resistência, apesar de ser o mais velho do grupo, com 42 anos, responde: “Venho de uma genética mapuche forte e sempre me cuidei, com uma alimentação a base de tubérculos e raízes, e me tratando com medicamento natural. Isso me serviu para a luta e por isso aguentei mais que os outros”.
Apesar de simpático durante a visita da esposa à prisão, mostrou pouco interesse em falar com a imprensa brasileira. Monossilábico às perguntas sobre a greve de fome e a mesa de diálogo proposta pelo governo, afirma dar entrevistas com a finalidade de conseguir apoio. “Esta matéria será publicada e quê? Quem vai nos apoiar no Brasil? Estamos sozinhos, ninguém nos apoia”, queixou-se.
Hospitalizados
No hospital, os mapuches Ramón Llanquileo e José Huenuche Reiman são mais receptivos às perguntas. São dois de quatro presos instalados em dois quartos conjugados, protegidos por policiais federais fortemente armados, que controlam a entrada no recinto. O acesso é proibido à imprensa e, assim como na prisão, Opera Mundi esteve presente na condição de “familiar”.
Ramón Llanquileo, 29 anos, considerado o segundo homem da CAM, depois de Llaitul, começou a greve de fome com 69,3 quilos e, no dia em que concedeu a entrevista, pesava 51,6, somando quase 18 quilos perdidos. Sua irmã, Natividad Llanquileo, é a porta-voz dos mapuches presos
Ramón passa a maior parte do horário de visitas sentado na cama. As frases curtas e o olhar desconfiado vão perdendo a rigidez à medida que narra os ideais de sua luta: “Apostamos na recuperação de nosso território não com fins econômicos, mas para reconstruir nossa nação, que se baseia em nossa cultura, religião, identidade, unidade, no uso racional da terra e em um sistema de educação próprio”, explica.
Apesar dos 19 quilos perdidos desde o início do jejum, seu companheiro de quarto e de luta, José Huenuche Reiman, 33 anos, não para sentado enquanto conversa e dá risada com os visitantes e policiais, que entram e saem do quarto. Sempre na companhia de uma cuia cheia de mate, escuta, no computador trazido por um amigo, músicas de Victor Jara, cantor cruelmente torturado e assassinado durante o regime militar chileno.
Um pouco mais à vontade, após rodadas de mate e mais de uma hora de conversa, Ramón confessa que se identifica com o povo palestino, “que também sofre com a ocupação de seu território”. O mapuche pergunta sobre o MST brasileiro e manifesta interesse em aproximar-se do movimento: “Eles estão muito bem organizados e seria muito importante se trocássemos experiências sobre produção auto-sustentável.”
A lei antiterrorista, sob a qual estão sendo julgados, endurece as penas correspondentes aos delitos comuns, prevê a prisão preventiva dos suspeitos por até dois anos e impede que os advogados de defesa tenham acesso à investigação ou interroguem as testemunhas, que são anônimas. “Não somos santos. Não negamos que brigamos com os ricos e jogamos pedras, mas queremos justiça em nosso julgamento. Com a lei civil, temos mais garantias de ter um processo devido, exigindo um bom argumento da acusação e com direito à defesa”, afirma Ramón.
Segundo Reimán, o termo “terrorismo” deve ser desmistificado, já que seu uso sempre é aplicado com intenções políticas. “Sempre distorcem as expressões para a aplicação da lei. A emboscada de que nos acusam foi, na verdade, um enfrentamento. Não houve terrorismo”, garante. “Nosso território está nas mãos de madeireiras e mineiras transnacionais, e temos que disputá-lo. Estamos presos porque o estado repressor se utiliza de medidas legais para prender, matar e perseguir os que lutam contra os interesses dos empresários”, completa Ramón.
Quando questionados sobre a mesa de diálogo fomentada por Piñera, afirmam que não participarão dado que a proposta não inclui a discussão da devolução do território mapuche e a autonomia de seus povos. “Esta mesa vem com um pacote de medidas elaboradas pelo governo, mas que não discute as questões centrais. Nosso objetivo é pensar em uma via alternativa com a sociedade chilena e que, em algum momento, nos juntemos para conseguir aplicá-la”, defendem.
Llanquileo esclarece que a intenção da greve de fome não é gerar pena, mas sim a correta aplicação da justiça e estimular a discussão e o acesso à informação sobre a causa mapuche. Assim como Llaitul, os grevistas também reclamam da falta de apoio: “Não é fácil fazer greve de fome e é lamentável ter que chegar ao ponto, mas foi a única solução que encontramos. Esperávamos a reação da sociedade, porque a vida de 35 pessoas não é pouca coisa. Neste momento, pessoas solidárias, que acreditam na distribuição de riqueza, e os movimentos sociais têm que mostrar que existem”, desabafa Reiman.