22/09/2010

Vida e morte no caminho

Por Egon Heck

Cimi Regional MS

 

Como é gostoso  andar

Nas veredas, nos trilheiros

Com o cheiro da mata

Das folhas pisadas,

No rasto macio

Dos pés descalços!

Os galhos de alerta,

De pontas quebradas

Indicando o caminho certo.

Beirando o riacho,

Que corre,

Ainda sonolento,

Em seu leito secular,

Agora revisitado,

Pela gente Kaiowá

De Kurusu Ambá!

 

Em nosso giro pelas aldeias Kaiowá Guarani no cone sul do Mato Grosso do Sul, ontem foi a vez de estar com a gente aguerrida, alegre e sofrida, de Kurusu Ambá. Na visita de surpresa teve tempo para curtir, no dia da árvore, um pouco do passado da floresta, da qual resta um reduzido fio tênue de arbustos de esperança, protegendo carinhosamente um riacho. Comentei com Paulo Suess e Ir. Joana “aproveitem, pois as oportunidades são cada vez mais raras de andar na sombra acolhedora da mata, nos fragmentos florestais sobreviventes.”

 

A liderança Ismart demonstrou muita confiança de que em breve terão sua terra demarcada. “O pior já passou. Deus nos ajudou. Momentos muito duros, de mortes e sofrimento estão registrados em nosso coração. Mas também as alegrias da Jeroki Guasu, da Aty Guasu, que há pouco tempo conseguimos fazer aqui. O vento passou e nós permanecemos”.

 

Paulo também os animou com suas sábias palavras. “A terra já é de vocês. O rio sempre volta pro seu leito. Vocês já lutaram muito. Deus está com vocês.”

 

Enquanto isso em Dourados…

 

Continuam as baixarias, no manto da roubalheira do dinheiro público. A Câmara de vereadores, fez de conta que nada aconteceu e fingem que são árduos trabalhadores. Com mais de 300 policiais de segurança, a maioria dos vereadores, presos e soltos, não conseguiram chegar ao seu local de trabalho. A sessão “faz de conta” foi suspensa por falta de quorum – não de policiais com certeza – O povo tem memória e exige novas eleições, pois os que aí estão já demonstraram a que vieram.

 

Agora giram na internet outras gravações envolvendo na corrupção mais pessoas, inclusive o governador. Mas é importante lembrar que a história da região que se tentou impor à sociedade, onde os povos originários eram quase totalmente ocultados, quando não deturpados. Mas uma nova história começa a ser escrita e os Kaiowá Guarani estão dando sua importante contribuição para isso. As lutas pelo direito às suas terras tradicionais é uma das questões vitais.

 

Ypo’i – o cerco continua

 

Conforme informação da coordenadora da Funai na região da fronteira “a solicitação de acesso aos indígenas para entrega de mantimentos e assistência, o proprietário da área não permitiu, pois estaria fomentando a invasão” (Site da Procuradoria do Ministério Publico no Mato Grosso do Sul). Na mesma matéria relatam que “Apesar da situação crítica e da iminência de passarem fome, a liderança afirmou que os indígenas estão determinados a permanecer na área, que a comunidade não suporta mais aguardar as promessas vazias e a lentidão da justiça do homem branco e que por ali ser seu Tekoha, ali permanecerão, custe o que custar, mesmo que ali tenham que ser sepultados”.

 

Diante da demora da justiça de Ponta Porã em responder à ação civil pública impetrada pelo Ministério Público Federal no dia 31 de agosto, este reiterou  dia 17 de setembro pedido de liminar à justiça, solicitando a liberação da estrada para atendimento básico à comunidade pelos órgãos públicos, como Funai, Funasa, Polícia Federal… Esse é um direito humano que é respeitado até em situações de guerra. Em entrevista à TV, representante do Cimi reforçou o pedido da Anistia Internacional através de ampla campanha, de imediata liberação da estrada para atendimento da comunidade. Diante da informação veiculada pelo entrevistador, de que o proprietário teria mostrado título de 100 anos, ironizou “Pois é, os índios afirmam que o título deles é de 1.250 anos, e que vale muito mais do que o papel – koatiá dos brancos, pois eles estão na região há muitos séculos…

 

Socorro e morte

 

Chegando à comunidade de Kurusu Ambá, os membros da comunidade logo informaram que tinha uma criança muito doente, que não comia mais. Fomos visitá-la em seu barraco, onde a mãe dela cuidava, enquanto mantinha outro filho no colo. Combinamos de levá-los até a Casa de Saúde Indígena em Amambai.  Ao deixar a criança ali nos questionaram que ela deveria ser levada a outro município, mas já que estava ali agradeceram a ajuda.

 

Hoje de manhã, Inocêncio nos comunicou que a criança faleceu às 20h de ontem e o corpo foi levado até a aldeia pelas 23h. Com voz abatida e indignado disse que esses dias quando tentou tomar providências não foi sequer ouvido pelos funcionários da Funasa, e que essa morte é também conseqüência da falta de alimentação, com a precariedade e inconstância na entrega da cesta básica. “As crianças quando não tem alimento fica fraco e pega doença e morre”, desabafa Inocêncio. Enquanto os pais Astureo e Angélica estão velando mais um de seus filhos, a vida na aldeia segue em seu leito de luta, sofrimento e esperança.

 

Enquanto estávamos realizando nossa visitas pela região de fronteira, no outro lado do território Kaiowá Guarani, a comunidade de Ita’y, em Douradina, estavam enfrentando mais um ataque dos produtores rurais a seu acampamento.

Fonte: Cimi Regional MS
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