13/09/2010

Ita’y Ka’aguyrusu – a vida que nasce da luta

Por Egon Heck

Cimi Regional Mato Grosso do Sul

 

O belo amarelo, da sibipiruna,

Se rende à beleza do ipê em flor,

Nas ruas douradas de calor,

Ou solitárias nos campos descampados!

 

O milagre da natureza é singelo,

Sem igual, sem preço,  extraordinário,

Deixa-nos os olhos molhados,

Do passado, seguindo nosso itinerário!

 

Estamos a caminho da aldeia de Lagoa Rica. Ou melhor, da retomada do tekohá Ita’y Ka’aguyrusu. Como acontece com tantas comunidades indígenas Kaiowá Guarani, “cansados de esperar”, partem de volta para as suas terras tradicionais, para a sobrevivência, para o enfrentamento, para o futuro. Quando lá chegamos para lhes levar nossa solidariedade fomos recebidos com ritual e abençoados. Grande parte deles estava no afã da construção de seus barracos, se é que assim podem ser chamados os minúsculos espaços, cobertos com pedaços de sacos e lona preta. Ao chamado do Nhanderu e das lideranças, aos poucos se formou um grande aglomerado de lutadores e lutadoras, de crianças, que se divertiam com flechas e outros entretenimentos, todos envoltos num grande manto de esperança, em luta pela vida, pelo espaço, pela terra perdida.

 

Dois aspectos chamam atenção por serem certamente a força maior do acampamento: a expressiva presença e participação das mulheres e dos líderes religiosos. Os rituais são diários e freqüentes e são a garantia de que estarão com a força dos espíritos da vida, de seus antepassados e dos deuses que protegem a eles e a  mãe terra. Daí lhes vem força para enfrentar todo tipo de privações e violências. O nhanderu  Kaiowá Nelson Cabrera, do tekohá Carumbé e atualmente residente na Terra Indígena Dourados, como membro do Conselho da  Aty Guasu, levou solidariedade ao grupo e assim expressou sua opinião sobre a queima dos barracos pelos seguranças dos produtores rurais: “Não  importa que queimem os barracos, que queimem as roupas e os documentos. A terra eles não podem queimar. E é isso que nos interessa”.

 

Anastácio Peralta, em nome da Comissão Nacional de Política Indigenista, também foi levar seu apoio de todos os povos indígenas do Brasil, conclamando o grupo a consolidar sempre mais a união, pois assim poderão ter, desde já, a certeza da vitória da terra. Também a equipe do Cimi, foi até o acampamento indígena e, além do relato dos direitos históricos sobre a terra, citou vários documentos desde o tempo do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) até a Fundação Nacional do Índio (Funai) na década de 70, que mostram inequivocamente que se trata de terra Kaiowá. Lembraram que o Conselho do Cimi e sua presidência têm visitado vários acampamentos nesse início de ano levando seu total apoio aos Kaiowá Guarani na luta por seus direitos, especialmente suas terras.

 

 

Um pouco da memória – história da Terra Indígena Panambi

 

“Essa é a parte de terra indígena que tem a mais farta documentação e sobre a qual não restam dúvidas”, informou  um  representante do Ministério Público Federal. Depois de mostrar o mapa oficial da terra demarcada em 1971 e da colônia Agrícola de Dourados, que se estendia até a margem direita do rio Panambi, sobrepondo-se à terra indígena, falou  da dinâmica do apossamento dessa terra pelos então trazidos colonos do sul do país.

 

Exibindo um volumoso dossiê, o antropólogo do órgão passa a ler uma série de documentos firmados por pessoas de prestígio na sociedade local que atestavam, já no inicio do século e depois por ocasião da instalação da Colônia Agrícola de Dourados, que os Kaiowá habitavam essa região contígua ao rio Panambi, até a sua foz no Rio Brilhante. E  essa terra, medindo 2.037 hectares  foi destinada aos índios desta aldeia.

 

Em relatório da 9ª Delegacia da Funai, de 24 de março de 1971, o então responsável falava da prioridade da demarcação da área indígena de Panambi para que os advogados possam “proceder as ações judiciais necessárias à afirmação legal atribuída ao índio.” No mesmo relatório cita que na área do Panambi as providencias preliminares que estavam promovendo não se tratava de desapropriação. Visava definir judicialmente um processo administrativo que se arrastava desde a criação da Colônia de Dourados, em 1943. E concluiu o relatório dizendo: “Os Kaiowá são os primitivos donos das terras no Panambi e disto temos farta documentação”.

 

Em outro relatório do SPI, Dr. Brucker fala sobre a Aldeia Panambi: “Os índios Kaiowá ocupam as terras ali localizadas desde o início deste século…essas terras, talvez pela privilegiada localização e fertilidade, constantemente sofrem ameaças de ocupação e esbulho por parte de paraguaios e também por civilizados brasileiros, os quais, valendo-se de todos os meios, tentaram apossar-se das áreas…e ressalta Sr. Diretor, que existe na aldeia de Panambi, cerca de 156 índios para ocupar apenas 240 ha.  dos 2.000 hectares que lhe pertencem.Em 1947  a população do Panambi estava avaliada em 300 índios, e hoje, conta com 156, é certo que em 10 anos, mais nenhum silvícola restará, caso não lhe restituam as terras a que tem direito. Será o extermínio total”, disse.

 

Exigências

 

Uma das perguntas que ficam na cabeça dos Kaiowá da retomada, acampados à beira da estrada, é porque de a Funai, depois de um ano e quatro meses após ter recebido o relatório de identificação feito pela antropóloga Kátia, até hoje não publicou o relatório. Mesmo que necessitasse de alguns ajustes ou complementação de informações, caso houvesse vontade política em resolver a questão da terra, isso teria sido feito em pouco tempo. A pergunta que não encontrou resposta, não deixou alternativa ao grupo do que retornar à parte da terra já demarcada desde 1971.

 

O grupo espera que nos próximos dias a Funai cumpra com sua obrigação e publique o relatório de identificação.

Fonte: Cimi Ragional Mato Grosso do Sul
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