24/08/2010

Lula em território Guarani Kaiowá

Quando Getúlio Vargas, em plena 2ª Guerra Mundial, promovia a ocupação das fronteiras e o combate ao latifúndio através da implantação da Colônia Agrícola de Dourados, não imaginava que um pouco mais de meio século depois, outro presidente estaria acelerando o processo de expansão e desenvolvimento do modelo concentrador capitalista na região. Pouco resta, ou quase nada, daquele plano original. As centenas de pequenas propriedades de até 30 hectares teriam se transformado em médias e grandes propriedades com pastagens, plantações de cana ou de soja. Uma das regiões de terra mais fértil do país e de prosperidade econômica é também a região que mais violência manifesta contra os filhos originários dessa terra, os Guarani Kaiowá. Conforme os relatórios de violência do Cimi, nos últimos cinco anos foram mais de 200 assassinatos, mais de 150 suicídios, mais de 100 crianças mortas por desnutrição, mais de 200 indígenas presos e mais de 90% das famílias indígenas vivendo de cesta básica e outros benefícios do governo. Isso dá uma pequena dimensão da dramática situação a que está submetido esse povo. Antropólogos e outros cientistas têm qualificado semelhante situação como etnocídio e genocídio.

 

E os índios onde ficaram?

 

Sem terra. À beira da estrada. Em confinamentos. As grandes vítimas desse tipo de desenvolvimento envolto em ideologia discriminatória e racista, concentradora e excludente, foram os índios Guarani Kaiowá. Nos quarenta anos seguintes ao início da ocupação massiva de seus territórios (1943 a 1983) esses indígenas praticamente foram sendo expulsos e tangidos para os oito pequenos confinamentos demarcados pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) no início do século XX. Hoje, quatro desses confinamentos de um pouco mais de 8 mil hectares abrigam quase 30 mil Guarani Kaiowá e Terena (Dourados, Caarapó, Porto Lindo e Amambaí). Quando, a partir da década de 1980 os índios começaram o movimento de retorno a seus tekohá (terras tradicionais) sofreram toda sorte de violência praticada por pistoleiros, milícias armadas contratadas pelos fazendeiros e despejos feitos pela polícia. O primeiro grande mártir e herói da resistência e retomadas foi Marçal de Souza assassinado em novembro de 1983, depois da primeira retomada, Pirakuá.

 

Hoje os Kaiowá Guarani lutam heroicamente para terem o mínimo de seu espaço tradicional para continuarem seus projetos de vida, conforme sua cultura e valores. Para isso o primeiro e indispensável passo é o reconhecimento de suas terras. Têm conseguido conquistas importantes, especialmente na área da educação, reconhecimento de sua cultura, especialmente a língua, que é falada em todas as comunidades e já tem sido reconhecida como língua cooficial no município de Tacuru e está em reconhecimento em outros municípios. Têm mais de duas centenas de alunos nas universidades e um curso especial de graduação na Universidade Federal da Grande Dourados.

 

Lula irá inaugurar hoje (24) oficialmente a Universidade Federal da Grande Dourados, que completa cinco anos de funcionamento, e na qual foram investidos mais de 80 milhões de reais, conforme noticia a imprensa local. Várias construções estão em andamento e outros apenas previstos, como é o caso do Centro de Estudos Indígenas.

 

Onde o Brasil foi Paraguai, onde o Brasil foi Guarani, onde o Brasil foi território federal de Ponta Porã, onde o Brasil foi Mata Atlântica, ali Lula também estará inaugurando obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que vai acelerado, enquanto o TAC (Termo de Ajustamento de Conduta para identificação das terras indígenas) está parado. Na terra do gado, da soja e da cana, Lula ouvirá certamente elogios do agronegócio e o grito de socorro dos povos indígenas. O presidente Lula certamente se lembrará da visita que fez aos Guarani Kaiowá, quando candidato a presidente, das promessas de resolver o problema da terra Guarani ainda em seu primeiro mandato. Certamente sua consciência exigirá que resolva essa questão tão grave nos poucos meses de governo que lhe restam.

 

Os Guarani Kaiowá têm seis minutos para expor sua dramática situação e apelo ao presidente Lula, que receberá também inúmeros documentos (koatiá) pedindo socorro, providências urgentes e especialmente a demarcação das suas terras. Será um momento histórico também para os povos indígenas da região que exigirão terra e justiça e que recentemente receberam a solidariedade dos demais povos indígenas do Brasil na luta pelos seus direitos, no Acampamento Terra Livre, realizado em Campo Grande (MS).

Fonte: Egon Heck - Cimi Regional MS
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