Informe nº 926: Chega ao fim mobilização contra Belo Monte em Altamira
Evento foi um marco na luta contra a construção de grandes obras na região Amazônica e contou com a participação de lideranças indígenas e de comunidades tradicionais vindas de diversas regiões do país
Por Cleymenne Cerqueira
De Altamira (PA)
Após quatro dias de discussões, debates e apresentações, chega ao fim o acampamento Em Defesa do Xingu, contra Belo Monte. O evento, organizado na Orla do Cais do Porto de Altamira (PA) começou na segunda-feira (9) com a chegada de diversas delegações indígenas do país, de representantes de comunidades ribeirinhas, de agricultores, pescadores e movimentos sociais, incluindo organismos internacionais.
O encontro discutiu com a participação de diversos especialistas os impactos gerados pelos grandes projetos do governo federal, como as hidrelétricas, as estradas, a mineração. Passaram pela mesa professores da Universidade Federal do Pará (UFPA), membros de organizações que lutam pela garantia dos direitos dos povos indígenas e ribeirinhos. Todos foram enfáticos ao apontar os danos que serão gerados pela usina hidrelétrica de Belo Monte.
O mega empreendimento do Estado não atingirá somente as terras indígenas, mas propriedades rurais, secará parte do rio Xingu, de onde muitas famílias retiram seus sustentos e formas de geração de renda; aumentará a temperatura das águas, o que impossibilitará a sobrevivência de várias espécies de peixes, causará enorme desmatamento e extinção de animais e plantas raras encontrados somente nessa região.
"O Xingu é reduto de culturas centenárias, reduto da salvação de diversos povos e de toda uma diversidade de animais que é única e só encontrada aqui", afirma a pesquisadora da UFPA, Drª Janice Muriel Cunha.
De acordo com a pesquisadora, o povo precisa decidir se o que quer é o desenvolvimento proposto pelo governo brasileiro, aos moldes do modelo europeu, ou um desenvolvimento limpo e justo. "O modelo de desenvolvimento adotado pela Europa destruiu cerca de 99,2% da vegetação natural e dos recursos ambientais daquele continente. É o mesmo que queremos? indagou Janice.
Para o pesquisador Rodolfo, também da UFPA, Belo Monte não passa de uma aventura eleitoreira porque o Brasil não precisa desse empreendimento para se desenvolver e ser feliz. "É uma manobra da senhora Dilma Roussef para se promover e de outros ‘malandros’ do sistema energético brasileiro".
Janice acredita que Belo Monte é apenas uma das lutas que o povo brasileiro terá que enfrentar. "Esse projeto de barragem é apenas mais um que nós cientistas, ribeirinhos, indígenas e população urbana precisamos aprender a combater. Como esses, virão outros tantos, todos inviáveis do ponto de vista social, econômico, ambiental e cultural".
Para onde vai o povo do Xingu?
Essa é a indagação que a população de Altamira faz e sobre a qual continuam sem respostas. "O que será feito com as cerca de 30 mil pessoas que serão atingidas pela obra da usina? Para onde irão, onde e como viverão?”, indaga dom Erwin Kräutler, bispo da Prelazia do Xingu e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Dom Erwin tem acompanhado as lutas contra Belo Monte desde 1975, período do regime ditatorial no país, quando o governo apresentou a proposta de construir seis barragens no rio Xingu e uma no rio Iriri. Segundo ele, após pressão política e social, o povo e os movimentos sociais conseguiram barrar o projeto, que acreditavam estar abandonado, esquecido.
No entanto, o governo Lula surpreende a população brasileira novamente ao trazer à cena o mesmo projeto, que antes era chamado de kararaô. "Mudou apenas o nome, mas a intenção continua a mesma: acabar com o meio ambiente e com os povos do Xingu. Foi uma grande surpresa para nós que justamente esse governo, em quem nós sempre acreditamos e fizemos chegar lá, desenterrasse esse projeto", declarou.
Para o bispo, o governo mente quando diz que somente essa barragem será construída na região, pois depois que esta obra estiver pronta, ele sempre dirá que para gerar a energia necessária para a população do país terão que ser construídas mais e mais hidrelétricas.
Principais questionamentos
Além de se perguntarem diariamente para onde irão os povos do Xingu e o que acontecerá com o meio ambiente dessa região, outras preocupações afligem os pensamentos dos moradores de Altamira. De que viverão as famílias que tiram o sustento dos rios e das matas? Como viverão sem água aquelas comunidades cuja vazão do rio vai diminuir?
"Esse povo está acostumado a viver do trabalho de suas próprias mãos, da caça, da pesca, da agricultura, como viverão em casas com móveis bons, energia elétrica, água encanada, eletrodomésticos, mas sem sua principal fonte de sobrevivência? De que viverão? Como criarão seus filhos e netos", indaga dom Erwin.
Até o momento, a população de Altamira não sabe o real tamanho desse reservatório. Todos os dias mudam-se as dimensões da obra e o povo não é sequer comunicado. Para Dom Erwin e diversos especialistas que realizaram estudos sobre a viabilidade do empreendimento, o reservatório será como um lago podre, morto, um viveiro de pragas e doenças endêmicas, às margens do qual ficarão inúmeras famílias, sujeitas à própria sorte.
"O mesmo governo que proibiu a pesca e a comercialização de peixes ornamentais na região liberou o projeto de Belo Monte. Que contradição! A geração de renda e a sobrevivência por meio das água do velho Xingu são proibidas, mas a extinção de animais, a invasão e o alagamento de propriedades rurais, a expulsão de diversas famílias da região, a miséria e a fome, a violência e as doenças não o são", contestou Janice.
O projeto, a exemplo de outros grandes empreendimentos no país, trará diversos trabalhadores e famílias atrás do sonho de um eldorado, o que aumentará em números absurdos a população de Altamira, que hoje gira em torno de 100 mil pessoas. A região não tem condições de recebê-los, o que gerará conflitos, violências e problemas de atendimento básico em saúde e educação, entre outros.
Representação popular
Além dos povos Juruna, Xipaya, Arara, Kuruaia e Xicrin da região de Altamira, participaram do evento lideranças dos Guajajara, Gavião, Krikati, Awá Guajá, Kayapó, Tembé, Aikeora, Suruí, Xavante, Karintiana, Puruborá, Kassupá, Mundukuru, Xucuru, Kaingang, Javaé, Tupiniquim, Assurini, Wajapi, Macuxi, Apurinã e Karajá, vindos de estados como Rondônia, Maranhão, Roraima, Mato Grosso, Tocantins, Acre, Bahia e Paraná, bem como agricultores, pescadores e ribeirinhos de diversas regiões do Pará.
Veja carta final da Mobilização