03/08/2010

Prostituição ‘explode’ na maior vitrine do PAC

Um homem de calça jeans surrada, botinas sujas e camiseta preta se levanta da mesa. Tira do bolso uma nota amassada de R$ 2. Alisa a cédula com os dedos grossos e a coloca dentro de um “juke box”. Com cuidado, escolhe a música e, de repente, os clientes do lugar batem palmas. Na vitrola digital, um sucesso do tempo dos Lps. “Eu vou tirar você desse lugar…eu vou levar você pra ficar comigo…”.

 

A reportagem é do jornal A Crítica e reproduzida por Amazonia.org.br, 02-08-2010.

 

Em poucos lugares da Amazônia o “hit” de Odair José tem encontrado tantos fãs como em Jaci Paraná, distrito do município de Porto Velho (RO).  Desde o início das obras das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira, em 2008, milhares de mulheres de todo o Brasil migraram para a região em busca do dinheiro dos operários. Juntas, as usinas são o maior canteiro de obras em andamento do Brasil e uma das principais vitrines do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).  Em dois anos, porém, Jaci Paraná se transformou num imenso mercado de sexo a céu aberto funcionando 24 horas por dia onde mulheres e adolescentes são a principal matéria-prima.

 

Jaci Paraná é um antigo vilarejo de pescadores a pouco mais de 100 quilômetros da cidade de Porto Velho.  Mas a chegada de quase 10 mil homens para a construção das usinas mudou a rotina de seus moradores.

 

Dezenas de bordéis de madeira foram erguidos à beira da BR-364, disputando espaço com farmácias, açougues e igrejas. “Isso aqui virou um inferno. As mulheres se vendem em plena luz do dia. Tenho uma filha e tento protegê-la do jeito que dá”, diz a agricultora Maria Martins, 49, mãe de uma adolescente de 12 anos.

 

Mercado

 

Em Jaci Paraná, as garotas de programa não têm descanso. Duas vezes por dia, dezenas de ônibus levam os operários dos canteiros para o vilarejo. Se no local da obra, as únicas opções de entretenimento são mesas de sinuca, televisões e lan houses, na “cidade”, o sexo é a diversão preferida.

 

Que o diga Claudete, 23.  Ela é uma das 15 mato-grossenses que trabalham em um bar na beira da BR e que vieram do Estado vizinho. “Num dia bom, a gente faz até sete programas. É muita gente nessas obras e tem muito dinheiro rolando por aqui”, diz a mulher com jeito de menina.

 

Claudete tem o rosto bonito e só. O corpo tem as marcas dos dois filhos que já teve e da vida sem horários e alimentação regrados. Mesmo acima do peso, é uma das preferidas no “bar das mato-grossenses”.

 

Claudete chegou a Jaci Paraná há um mês e meio. Deixou os filhos com o pai das crianças e foi em busca do “Eldorado” rondoniense. Uma amiga que já estava no local há seis meses lhe convidou a conhecer o lugar e, até agora, Claudete diz não se arrepender da viagem.  “Eu morava em Lucas do Rio Verde (MT) e ela me disse que aqui o movimento era bom. Preciso de R$ 5 mil pra comprar minha casa e já consegui R$ 2 mil”, diz Claudete, que cobra R$ 65 por programa.  “Mas se quiserem pagar mais, eu aceito”, brinca.

 

Exploração

 

Como a prostituição não é crime no Brasil, as autoridades de Rondônia tentam, com dificuldade, combater a exploração sexual na região. E em Jaci Paraná, ela está em toda parte. Em 2009, quatro mulheres mantidas em cárcere privado foram libertadas pela Polícia Civil. Outras 15 pessoas foram presas em flagrante por explorarem garotas de programa.

 

Claudete é um exemplo dessa prática. Dos R$ 65 que cobra por programa, dá R$ 15 à dona do bordel para pagar sua alimentação e estadia. “É como se eu fosse funcionária dela”, diz.

 

O delegado Sandro Alves é o titular da delegacia de Fiscalização de Jogos, Bares e Hotéis de Rondônia.  Ele investiga um esquema complexo.  Empresários da construção civil financiariam casas de prostituição em que garotas de programas são mantidas em cárcere privado.  Noutra ponta, o valor dos programas feitos na casa são descontados no contra-cheques dos operários.

 

“Esses empresários colocam um testa-de-ferro no negócio que fica responsável pela contratação das meninas. Quando elas chegam, são obrigadas a dar parte do valor dos programas em troca de casa e comida.  Muitas são identificadas por pulseiras plásticas. Cada cor equivale a um valor. Já os operários, quando chegam sem dinheiro, são obrigados a deixar os documentos no prostíbulo e só recebem quando a empresa paga a dívida ao bordel”, conta o delegado que não quis revelar mais detalhes da investigação.

 

Fonte: IHU
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