29/07/2010

Artigo: Usinas hidrelétricas na Amazônia

Usinas hidrelétricas na Amazônia

 

Telma Monteiro[1]

 

Violação dos direitos humanos


 

 

O Brasil tem ignorado sistematicamente a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que estabeleceu conceitos básicos de consulta e de participação dos povos indígenas. O direito inalienável de decidir sobre suas próprias prioridades de desenvolvimento na medida em que a implantação de hidrelétricas afeta suas vidas, crenças, instituições, valores espirituais e a própria terra que ocupam ou utilizam, tem sido violado.

 

O governo brasileiro planeja mega-projetos hidrelétricos nas porções da Amazônia brasileira, boliviana e peruana. Primeiro, estão previstos seis empreendimentos no Peru. Na verdade a proposta é construir 15 hidrelétricas na Cordilheira dos Andes. O tratado sobre a exploração da hidroenergia na Amazônia peruana foi assinado em Manaus, pelos presidentes Lula e Alan Garcia.

 

No Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) 2 está prevista a construção de 10 hidrelétricas[2] batizadas eufemisticamente de “usinas plataforma” e outras 44 à “moda antiga”, totalizando R$    116 bilhões de investimentos. Antes do Peru, a biodiversidade do Estado do Pará será a grande vítima, pois é lá que se pretende construir sete dessas “usinas plataforma”. 

 

Como forma de facilitar a implantação desse descalabro a Agência Nacional de Águas (ANA), dá a sua contribuição. Quer emplacar um novo modelo de aproveitamento elétrico para os rios da Amazônia.  Nesse novo modelo, num único leilão, o consórcio vencedor arremataria todos os aproveitamentos de uma bacia hidrográfica ou uma verdadeira “baciada” de hidrelétricas. Tudo em nome da celeridade do processo de licenciamento ambiental.

 

Para que se tenha idéia da determinação do governo em construir hidrelétricas, recentemente o  Conselho Monetário Nacional (CMN) decidiu que parte dos empréstimos ampliados da linha de crédito do BNDES seja usada na compra de equipamentos para hidrelétricas. Esse “benefício” pretende agilizar as obras em andamento no rio Madeira e viabilizar Belo Monte e o Complexo do Tapajós.

 

Essa espécie de “vale tudo” para justificar um crescimento econômico perverso, tem foco especial no setor elétrico e, por tabela, beneficia a construção pesada e os caixas das grandes empreiteiras. Aquelas, as mesmas, como a Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, presentes em todos os grandes projetos nos rios brasileiros e que também são coadjuvantes no acordo energético com o Peru.

 

Redução da espera por licenças ambientais e análise integrada do chamado potencial das bacias hidrográficas tem como principal foco a redução do custo das obras. Esse é, também, o objetivo da facilitação de drenagem do dinheiro público com juros subsidiados para as construtoras.

 

O efeito dominó que pode decorrer dessas agressões planejadas para a Amazônia não tem precedentes. A triste, embora recente, história da construção das usinas do Madeira nos dá a dimensão.  Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, em Rondônia, têm sido palco de ocorrências de desrespeito à legislação trabalhista – denúncias de trabalho análogo ao escravo; impactos ambientais em terras indígenas;  transgressões dos direitos das comunidades tradicionais que estão sendo reassentadas; colapso dos equipamentos públicos que deveriam atender à população urbana e rural de Porto Velho. 

 

Hoje estamos assistindo a uma verdadeira hecatombe social e ambiental que se propaga em ondas de destruição. O rio Madeira é o Xingu amanhã e o Tapajós depois de amanhã.

 

Planos Decenais de Expansão de Energia

 

As eleições estão aí. As usinas do Madeira e o projeto de Belo Monte são transformados em vedetes do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) 1 e 2. Esse governo quer emplacar mais oito anos, no mínimo.

 

A concepção e a coordenação do planejamento energético no Brasil são de responsabilidade do Ministério de Minas e Energia (MME) que elabora o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDEE). O PDEE 2010/2019 tem mais de 800 páginas que prevêem um dispêndio de cerca de um trilhão de Reais.

 

Na definição de um cenário de referência, o governo partiu de premissas mirabolantes de consumo em um exercício de futurologia. É um verdadeiro festival de variáveis que evidenciam uma relação anódina entre a expansão da demanda e a expansão da oferta.

 

O ano passado o Ministério Público Federal (MPF) fez recomendações ao governo sobre o PDEE 2008/2009. A Coordenadora da 4ª Câmara de Revisão – Meio Ambiente e Patrimônio Natural, Sandra Cureau e a Coordenadora da 6ª Câmara de Revisão – Índios e Minorias, Deborah Duprat, atendeu às diversas manifestações de ONGs e movimentos sociais, e entendeu a necessidade de fazer Audiência Pública de discussão do conteúdo do PDEE.

 

A história se repete neste novo PDEE. O documento que está disponível para consulta pública no site da EPE também é macarrônico, repetitivo e autoritário. As contribuições para a elaboração vieram novamente apenas das empresas interessadas do setor e desconsiderou o restante da sociedade.

 

Persistem as incertezas e as dúvidas sobre a real necessidade de gerar energia na Amazônia para suprir a demanda criada e induzida pelos planos do governo federal.  É patente o trato insipiente e a falta de incentivos para explorar outras fontes alternativas de geração. Sem contar que mega-usinas requerem complexos sistemas de transmissão para levar a energia gerada de norte para sul, de oeste para leste sem considerar a possibilidade de geração sustentável local e regional.

 

Continua a falácia do governo para endeusar a hidroeletricidade transformado-a em salvadora do risco do apagão.  O Presidente da EPE, Mauricio Tolmasquim, mostra índices crescentes de demanda, mas desconsidera incríveis 20% de perdas de energia que ocorrem no sistema de transmissão. 

 

As organizações da sociedade civil têm chamado a atenção para a falta de abrangência ambiental característica dos sucessivos planos decenais de expansão de energia elétrica. A variável ambiental, quando apresentada, é míope e expõe o planejamento que não incorpora os custos ambientais aos custos de geração. Recentemente o Tribunal de Contas da União (TCU) analisou o processo de licitação de Belo Monte e apontou a falta de detalhamento nas contas dos estudos de viabilidade econômica. 

 

A política energética brasileira, já se sabe, continua tendo uma visão ofertista. Os programas não discutem o destino da energia dentro de um plano nacional de desenvolvimento sustentável. A economia é refém de setores que consomem muita energia. Os danos ambientais são irreversíveis e não são mitigáveis. Teremos que assimilar esse ônus por muitas gerações.   

 



[1] Coordenadora de Energia e Infra-estrutura para a Amazônia, Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, Porto Velho, RO

As hidrelétricas são empreendimentos que perpetuam os impactos ambientais e sociais que jamais serão mitigados. Gerar energia elétrica com grandes hidrelétricas tem sido ao longo da história uma forma de expropriação e privatização dos rios e de sua biodiversidade. No preço que se paga pela energia gerada com hidroeletricidade não estão computados os custos ambientais e sociais. 

Fonte: Telma Monteiro
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