29/07/2010

“Garimpeiros são doentes, parecem cupim”

Diversas denúncias foram realizadas este ano contra a ação de garimpeiros na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. As denúncias foram encaminhadas pela comunidade e pela Hutukara Associação Yanomami (HAY) e protocoladas na Fundação Nacional do Índio (Funai) e em orgãos federais, no entanto, nenhuma medida foi tomada pelo governo para retirar os invasores e barrar a ação de retirada de ouro e outros recursos naturais da reserva.

 

A atividade garimpeira aumentou muito nos últimos três anos. Atualmente, existem cerca de três mil garimpeiros, que estão nas comunidades Katrimani I, Hakoma, Maloka Papiú, Kaianaú e Parafuri. “Garimpeiros são doentes, parecem cupim. Foram expulsos e depois de dois, três meses voltaram de novo e estão no coração da nossa terra”, informa Davi Kopenawa Yanomami, presidente da HAY.

 

“Já falamos com Lula, com a Funai e com diversos orgãos do governo. Em setembro Lula nos prometeu retirar os garimpeiros, mas nada fizeram até agora. O Exército veio para proteger nossas fronteiras, mas não o fazem. Eles apenas ocupam nossa terra e os bens naturais que temos”, declarou Kopenawa. De acordo com a liderança, a Polícia Federal disse que está estudando como vai entrar e retirar os garimpeiros porque a terra é muito grande.

 

Os jovens da comunidade têm se arriscado, se aproximando dos garimpos para registrar as atividades ilegais em suas terras. Em carta divulgada em março deste ano, a Hutukara afirma que os garimpeiros estão roubando nas roças da região, poluindo rios e ameaçando os indígenas. “Eles atiraram com espingarda em um grupo que se aproximou deles na comunidade de Hoyamou e mataram um indígena Ye’kuana. Mesmo assim, nada foi feito”.

 

Várias pistas clandestinas podem ser vistas durante um sobrevôo a terra Yanomami. Os garimpeiros têm equipamentos e veículos que transportam o que recolhem da área, inclusive um avião. “Nós Yanomami estamos revoltados com a ousadia dos garimpeiros e isto nos lembra a época dos anos 80 quando muitos de nos morreram por causa do garimpo”, afirmam.

 

Precisamos que as autoridades façam uma operação grande e bem organizada para retirar os garimpeiros que estão dentro da nossa terra e para impedir que eles voltem. Apenas retirar eles não resolve, eles sempre voltam.   A Hutukara reivindica que, além de operações de desintrusão in loco, sejam realizadas ações efetivas para desestruturar as raízes econômicas do garimpo nas áreas urbanas de Roraima – transporte, comércio e investimentos.

 

Descoberta das ativades garimpeiras

 

A exploração garimpeira na TI Yanomami começou na década de 1970 com a implantação dos projetos de desenvolvimento lançados pelos governos militares da época. Com a construção da estrada Perimetral Norte (1973-1976), o sudeste da terra indígena foi invadido, o que possibilitou a descoberta de importantes jazidas minerais.

 

Kopenawa disse que os garimpos na terra Yanomami foram descobertos durante uma caminhada que fazia na área com agentes da própria Funai e da Polícia Federal. “Em 1970, cerca de 50 homens entraram na nossa terra, de avião, e começaram o garimpo. O povo não sabia o que eles queriam e somente mais tarde descobri que retiravam ouro e pedras preciosas da área”.

 

A descoberta de tais riquezas naturais desencandeou um movimento de invasão garimpeira na região. Situação que foi agravada em no final de 1980 e tomou forma de uma verdadeira corrida do ouro. Estima-se que entre 1987 e 1990, existiam cerca de 40 mil garimpeiros na terra indígena. Embora o número de invasores tenha diminuído, hoje são cerca de três mil, os problemas decorrentes da invasão desenfreada continuam.  

 

Desde a descoberta dos primeiros garimpos, afirma o presidente da Hutukara, ele vem pensando em como ajudar seu povo. Ele reconhece que o trabalho é difícil, pois a terra é muito grande, o que dificulta a fiscalização e a retirada dos garimpeiros, que contam ainda com a ajuda de pessoas influentes e com grande poder aquisitivo.

 

“O político abre estradas, arrancando árvores e raspando a pele da terra, dizendo que nos fazem um bem, mas foi assim, que nos trouxeram também as doenças e todo tipo de problemas, como a violência. Matam nosso povo para trabalharem tranquilos, sem índios, e ganharem dinheiro”, disse Kopenawa.

 

Em 1991, os Yanomami, com a ajuda de entidades e organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) conseguiram expulsar cerca de 30 mil garimpeiros da região. Três meses após a retirada, o grupo voltou e foi novamente expulso pela PF. Desde então, a comunidade vive insegura com o aumento de invasores na área.

 

“Minha luta é essa: falar com as autoridades para ajudar meu povo. Vivo junto e se preciso for derramo meu sangue pelo meu povo”, afirma o presidente. Os Yanomami querem a ajuda e o apoio de entidades indigenistas para denunciar e cobrar providências do governo federal para a retirada dos garimpeiros de suas terras.

 

TI Yanomami

 

A Terra Indígena Yanomami cobre 96.650 km2 de floresta tropical. A região, que faz fronteira com a Venezuela, tem alta relevância em termo de proteção da biodiversidade amazônica. Ela foi demarcada em 1991 e homologada pelo então presidente da República, Fernando Collor de Melo, em 1992.

 

Na região, onde atualmente vivem cerca de 16 mil indígenas, haviam fazendeiros que deveriam ter desocupado a terra declarada de ocupação tradicional indígena quando da sua homologação. A Funai fez levantamento fundiário e indenizou a maior parte deles. Porém, um pequeno número se recusou a sair e recorreu a ações judiciais, perdendo em todas as instâncias.

 

O Tribunal Regional Federal, em 2004, reconheceu que essas terras são mesmo dos Yanomami e setenciou que os fazendeiros devem sair da área. Dezoito anos, desde a homologação, se passaram e a situação permanece a mesma. “Queremos que a Funai faça um trabalho eficiente e providencie a desintrusão da nossa terra. Esse escândalo se perpetua por quase duas décadas e nós não queremos mais esperar”, declaram.

Fonte: Cimi
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