16/07/2010

CPT Santarém apresenta dossiê contra Cargill em audiência pública na região

A CPT entregou por ocasião de audiência sobre a Cargill, no dia 14 de julho, em Santarém (PA), um "dossiê" ao MPF e ao Secretário de Meio Ambiente do Pará com mais de 150 documentos que demonstram claramente todos os impactos que a Cargill provoca, direta ou inderetamente, na região. Os documentos são uma coletânia de alguns anos de atuação da CPT monitorando a soja nessa região.

 

No dia seguinte à audiência foi protocolado um pedido de abertura de inquérito policial para apurar se houve fraude no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) apresentado pela empresa Cargill em Santarém (PA). O EIA diz respeito à construção do terminal graneleiro da Cargill no município, em funcionamento desde 2003.

 

Confira abaixo Carta da CPT Santarém apresentando o conteúdo do dossiê e a lista de documentos entregues na audiênica:

 

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) está trabalhando desde 2005 com a temática da soja no Pará. Nos primeiros três anos a CPT desenvolveu trabalhos em três pólos no Pará: Redenção, Paragominas e Santarém. Estes estudos levaram à conclusão que o avanço da fronteira agrícola, baseada na cultura da soja, acirrou o conflito no campo. Hoje a CPT está atuando principalmente no pólo de Santarém evidenciando os impactos sociais provocados pela expansão da soja no Pará.

 

No Baixo Amazonas, a produção da soja é garantida a partir da construção do porto graneleiro da multinacional Cargill. Porto construído em desacordo com as normas brasileiras. A afronta às leis brasileiras e o desrespeito à população local foram tantos que movimentos populares locais e a igreja provocaram o Ministério Público Federal (MPF) que ingressou com uma ação civil pública contra a empresa estrangeira.

 

Uma década se passou e, enquanto isso, a multinacional Cargill ergueu seu porto em cima da única praia urbana de Santarém e iniciou suas atividades. Em janeiro de 2007 o Tribunal Regional Federal toma uma decisão que desagrada os movimentos sociais, pois, logo após um desembargador do mesmo tribunal decidir o fechamento da Cargill para realizar o Estudo de Impactos Ambientais e Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/RIMA), vem uma segunda decisão, em que a Cargill deveria iniciar o EIA/RIMA sem paralisar suas atividades. A lei obriga o empreendedor realizar o EIA/RIMA antes da execução de um empreendimento. No caso da Cargill em Santarém, a situação se inverteu. Não dá para compreender como tal decisão permite que o EIA/RIMA seja realizado sem a paralisação das atividades portuárias da empresa. Para os movimentos sociais, CPT e MPF o EIA/RIMA deveria ser feito a partir da paralisação das atividades do porto.

 

Em 2008 os estudos iniciaram e a preocupação é que o EIA/RIMA limite-se à parte física do porto da multinacional. A presença da Cargill em Santarém é responsável direta por toda a produção da soja e sua constante ameaça ao meio ambiente e principalmente as populações rurais locais em toda região. A mudança paisagística dos planaltos santareno e belterrense é uma prova clara das mudanças ocorridas com a chegada da soja na região. Maior que a mudança paisagística é o aumento dos conflitos sociais ocorridos a partir da chegada de centenas de produtores de soja oriundos de estados brasileiros produtores de soja. Estes conflitos em um primeiro momento levaram famílias da agricultura familiar saírem de suas terras e concentrar em espaços menores a margem da BR 163 e outras regiões, assim como a periferia de Santarém.

 

Segundo informações do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém e informações obtidas a partir das visitas da CPT na região, mais de 500 famílias deixaram suas terras para dar lugar aos campos de soja. Em menos de cinco anos comunidades inteiras se tornaram propriedades de um ou dois produtores de soja, outras tiveram sua população diminuída drasticamente. Uma das principais ameaças ao ambiente amazônico é a contaminação dos recursos hídricos que tem chamado a atenção pela forma silenciosa como tem acontecido. As comunidades tradicionais sempre usaram os rios e igarapés como fontes de vida. A presença dos plantios de soja nestas regiões, utilizando vários tipos de produtos químicos, tem causado envenenamento destes cursos d’água. Inúmeros pesticidas utilizados nas lavouras de soja, para controle de pragas e ervas daninhas entram em contato com o solo, podendo ser lixiviado, atingindo as águas superficiais, e também podem ser infiltrados e atingir as águas subterrâneas, contaminando esses recursos. Relatos de moradores denunciam envenenamento dos igarapés no planalto santareno o que já gerou vários problemas de saúde.

 

Outro problema observado em nossa região é a crescente eutrofização dos ambientes aquáticos, produzida principalmente por atividades humanas que causam um enriquecimento artificial destes ecossistemas. O grande aumento de cultivos monoespecíficos em nossa região requer o uso extensivo de fertilizantes para aumentar o crescimento vegetal, isso está levando a um rápido e acelerado processo de eutrofização de nossos cursos d`água. Este pode ser um dos principais fatores que levaram a ocorrência de um Boom de Cianobactérias tóxicas do gênero Anabaena sp. Na margem direita do rio Tapajós no município de Santarém. Estudos feitos pelo Instituto Evandro Chagas confirmam o desequilíbrio ecológico na comunidade fitoplanctônica caracterizado pela proliferação predominante deste organismo de importância relevante para a saúde pública, pois são produtores de cianotoxinas com atividades neurotóxicas (Anatoxinas e saxiotoxinas) e hepatotóxicas (Microcistinas).

 

Outro grande e preocupante problema nos rios da região do Baixo Amazonas é a introdução de espécies exóticas invasoras, transportadas pela água de lastro dos navios que transitam e aportam nos rios da região. Estudos confirmam a introdução do molusco bivalve Corbicula fluminea nos rios Surubiú (braço do rio Amazonas) e Tapajós. O molusco de origem asiática, após o estabelecimento de uma nova população, sua taxa de crescimento e capacidade reprodutiva permite que a espécie alcance altas densidades ocasionando uma diminuição drástica no número de espécies nativas. Entre as conseqüências diretas da invasão de espécies exóticas em ecossistemas diferentes, estão à diminuição da biodiversidade e o desequilíbrio ambiental. O grande agravante é que invasões biológicas não desaparecem por conta própria em médio ou longo prazo.

 

Atualmente, pode-se dizer que a descarga de água de lastro (SILVA et al., 2004) e a bioincrustação em estruturas navais (WONHAM et al., 2001) são potencialmente as mais importantes vias de introdução de espécies nos portos de todo o mundo e uma das grandes ameaças ao equilíbrio ecológico dos ambientes aquáticos da Amazônia. A introdução de espécies exóticas pode causar impactos catastróficos para a saúde, ecologia e economia dos ambientes hospedeiros.

 

Além da irregularidade do porto graneleiro da Cargill, a empresa compactua com a irregularidade dos produtores de soja ao comprar e financiar a produção local. As irregularidades foram tantas que para livrar aqueles produtores das punições, foi proposto ao MPF um Termo de Ajuste de Conduta – TAC. A ONG The Nature Conservancy – TNC, que recebeu recursos da Cargill ficou responsável por este assunto. Foram feitas várias discussões e versões de minutas ao MPF. A proposta do TAC flagrava a tentativa de retirar a responsabilidade dos produtores que agiram irregularmente em suas áreas de plantio, que o MPF rejeitou a proposta do TAC.

 

Os campos de soja ocupam hoje áreas que anteriormente produziam alimentos para a subsistência das famílias locais, e o excedente abastecia o mercado das cidades da região. Evidentemente que quanto mais soja nas áreas das agriculturas familiares, menos feijão, milho, frutas, legumes e etc. Já está identificado que, com a chegada da soja, houve uma diminuição na produção de culturas temporárias, dieta básica da população. Mais de 130 comunidades ainda estão localizadas nos planaltos santareno e belterrense. Ao mesmo tempo, empresários e políticos defensores da soja na região, indicam essas mesmas áreas como potenciais para a produção da soja, por ser uma área "antropizada". A utilização dessas áreas é feita pelas famílias que produzem para sua subsistência e vendem o excedente nas cidades vizinhas. Logo, a transformação do planalto em campos de soja cria um problema de insegurança alimentar.

 

Após a pressão das ONGs ambientalistas contra a derrubada de florestas primária para o plantio de soja, é comum ouvirmos o discurso de que não haverá mais derrubadas de florestas primárias. Por outro lado, a iniciativa privada e até mesmo os governos têm incentivado a produção de soja em áreas de florestas secundárias. Utilizando-se do termo "áreas degradadas", antropizadas ou improdutivas, os sojeiros fazem o discurso de aproveitamento dessas áreas para o cultivo de monoculturas. Nos municípios de Santarém e Belterra há mais de 500.000 ha. de áreas de florestas secundárias ou de capoeira que são cada vez mais pressionadas pelo cultivo de soja.

 

Além da presença de milhares de famílias tradicionais nesta área, que sofrem os impactos provocados pela expulsão. Outro grande impacto, a curto prazo, é a redução drástica da capacidade de regeneração natural da floresta. A remoção dos troncos e raízes, comumente realizadas, elimina o principal mecanismo de regeneração das capoeiras (Pereira e Vieira, 2001).

 

Segundo estudo de Zoneamento Agroecológico realizados por técnicos da Embrapa nos planaltos de Santarém e Belterra, há uma indicação clara da necessidade de multi-cultivos e não do monocultivo. Isto demonstra claramente a necessidade da permanência das famílias tradicionais que já praticam o cultivo de várias espécies, possibilitando a manutenção das condições ecológicas, permitindo assim, o uso sem provocar danos irrecuperáveis. Em 2005, aconteceu a maior produção da soja em Santarém, alcançando 66.000 toneladas, segundo IBGE. Essa quantidade significa muito pouco no total embarcado no porto da Cargill em Santarém. Porém, isso também significa que, à medida que a produção do grão cresça na região, maiores serão os impactos sociais provocados pela substituição da agricultura familiar pela produção da soja.

 

A moratória da soja proposta pela ABIOVE funciona mais para a propaganda da Cargill do que para a diminuição dos conflitos promovidos pela produção da soja em nossa região. Como é possível fazer acordo com uma empresa que comete tamanho crime contra as leis brasileiras. Cobraremos sempre que se tenha mais seriedade e se condene tais criminosos.

 

A CPT tem recebido grande número de situações que demonstram claramente o aumento de conflitos nos municípios da Diocese de Santarém (Almeirim, Prainha, Monte Alegre, Santarém, Belterra e Aveiro), além de outros do entorna da BR e Baixo Amazonas. Este aumento de conflitos se dá a partir da chegada e instalação da Cargill em Santarém. A disputa pela terra provoca uma ação violenta e insana de grilagem de terras nas regiões ocupadas por populações tradicionais. O resultado disto são as mortes, ameaças, intimidações, atentados contra sindicalistas e as lideranças comunitárias.

 

A violência chega a Igreja. A ameaça de morte a inúmeras lideranças da nossa Diocese provoca uma grande insegurança na região. Alguns religiosos defensores dos direitos humanos se manifestam contra a onda de crimes praticados contra o povo da Amazônia. Por sua coragem padres passaram também a sofrer ameaças de morte. A Diocese de Santarém, em nota, manifesta seu compromisso social frente à nova fronteira agrícola, criticando o clima de violência que se implantou na região. Os Missionários do Verbo Divino, reunidos em Roma, também denunciaram as ameaças de morte aos religiosos.

 

Para atender cada vez mais aos interesses do agronegócio, do qual a Cargill é a força nefasta na região, observamos o empenho dos governos em atender com políticas públicas. Fortalecendo o monocultivo na região (no nosso caso a soja). Foi neste sentido que a MP 458 (MP da grilagem) virou lei e começa sua efetivação exatamente pelas faixas das BRs 163 e 320 onde a soja cresce. No mesmo sentido o governo do Estado do Pará aprova sua lei de alienação de terras públicas com a lei 7.289/2009. Alem, de realizar e concluir um Zoneamento também no eixo das BRs indicando as áreas para a expansão e consolidação do agronegócio. Portanto a Cargill significa muito mais que um porto graneleiro construído na única praia urbana de Santarém. Ela é a grande ameaça a vida na Amazônia.

 

O EIA/RIMA, que foi realizado e apresentado, pretende ser apenas um instrumento para a legitimação da irregularidade da multinacional Cargill S.A. A dissimulação é tanta que o MPF solicitou novo estudo que suprisse várias falhas. Numa tentativa clara de enganar a sociedade e órgãos públicos um novo material foi elaborado, desta vez com maior efeito visual e pouco conteúdo. Ainda assim, o mesmo material teve pouca divulgação. Mesmo com a data para audiência pública marcada o próprio MPF, que propôs as mudanças, não tinha recebido o "novo" documento. Isto foi motivo inclusive de mudança de data para a audiência.

 

Ora, o EIA/RIMA deve ser um produto que satisfaça o interesse exclusivo da população afetada pela obra ilegal da Cargill. Portanto, o Estudo deve atender todos os pré-requisitos legais exigidos e, principalmente, os interesses legítimos da sociedade civil, apresentando de forma clara e honesta todos os impactos já provocados e aqueles possíveis a médio e longo prazo. O resultado que vemos claramente é uma tentativa cômica de justificar a existência do porto graneleiro daquela multinacional.

 

Neste sentido, a CPT apresenta esta coletânea de documentos ao MPF e SEMA para a devida análise. Pois, entendemos que conceder o licenciamento àquela empresa estrangeira significa dizer que o crime compensa. Afinal, legaliza um crime cometido contra nossa pátria, ao mesmo tempo em que abre um precedente terrível de estimulo à extinção dos povos que habitam as áreas destinadas à soja e ainda, toda uma mudança paisagística no bioma amazônico.

 

Assim, nos juntaremos ao Ministério Público Federal e as demais organizações populares locais para lutarmos e, se for o caso, denunciarmos se o órgão estadual responsável por licenciamento for omisso aos fatos apresentados.

Fonte: CPT Santarém
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