15/07/2010

Habeas Corpus em favor de Rosivaldo, Givaldo, Glicéria, Jurandir e José Aelson, indígenas Tupinambá

EXMO SENHOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE BAHIA

 

                                                         PAULO MACHADO GUIMARÃES, DENISE DA VEIGA ALVES e PATRÍCIA RODRIGUES DOS SANTOS MORAES brasileiros, os dois primeiros divorciados e a terceira casada, os dois primeiros advogados inscritos na OAB-DF respectivamente sob os n.ºs 5.358 e 24.399 e a terceira, estudante da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Salvador, inscrita como Estagiária na OAB-BA sob o nº 22.788-E, os dois primeiros residentes e domiciliados em Brasília – DF e estabelecidos profissionalmente no SDS Ed. Venâncio III, salas 309 a 314, 70.393-902 Brasília – DF e a terceira residente e domiciliada na Av. Euclides da Cunha, nº 4, apto. 702, Bairro Graça, 40.150-060, Salvador – BA, vêm, com fundamento no inc. LXVIII, do art. 5º, da Constituição Federal e no art. 647 e seguintes do Código de Processo Penal, impetrar a presente ordem de

 

HABEAS CORPUS

com pedido de liminar

 

em favor de ROSIVALDO FERREIRA DA SILVA, brasileiro, casado, agricultor, indígena do Povo Tupinambá, Cacique da Comunidade Tupinambá da Serra do Padeiro, conhecido como “Cacique Babau”, residente e domiciliado na Aldeia da Serra do Padeiro, localizada na Terra Tradicionalmente ocupada pelos Tupinambá e situada nos Municípios de Buerarema, Una  e Ilhéus – BA; GLICÉRIA JESUS DA SILVA,  brasileira, solteira, agricultora, indígena do Povo Tupinambá, conhecida como “Célia”, integrante da Comunidade Indígena Tupinambá da Serra do Padeiro, residente e domiciliado na Aldeia da Serra do Padeiro, localizada na Terra Tradicionalmente ocupada pelos Tupinambá e situada nos Municípios de Buerarema, Una  e Ilhéus – BA; GIVALDO JESUS DA SILVA, brasileiro, casado, agricultor, indígena do Povo Tupinambá, membro da Comunidade Indígena Tupinambá da Serra do Padeiro, conhecido como “Gil”, residente e domiciliado na Aldeia da Serra do Padeiro, localizada na Terra Tradicionalmente ocupada pelos Tupinambá e situada nos Municípios de Buerarema, Una  e Ilhéus – BA; JURANDIR JESUS DA SILVA, brasileiro, casado, agricultor, indígena do Povo Tupinambá, conhecido como “Baiaco”, membro da Comunidade Indígena Tupinambá da Serra do Padeiro, residente e domiciliado na Aldeia da Serra do Padeiro, localizada na Terra Tradicionalmente ocupada pelos Tupinambá e situada nos Municípios de Buerarema, Una  e Ilhéus – BA; e JOSÉ AELSON JESUS DA SILVA, brasileiro, casado, agricultor, indígena do Povo Tupinambá, conhecido como “Teite”, membro da Comunidade Indígena Tupinambá da Serra do Padeiro, residente e domiciliado na Aldeia da Serra do Padeiro, localizada na Terra Tradicionalmente ocupada pelos Tupinambá e situada nos Municípios de Buerarema, Una  e Ilhéus – BA; contra ato do Exmo Senhor Juiz de Direito Antônio Carlos de Souza Hygino, da Comarca de Buerarema, no Estado da Bahia, desde logo indicado como Autoridade Coatora, que submete os Pacientes a ilegal constrangimento, nos termos do que passam a expor:

 

 

 

 

I.                    A decisão impugnada que decretou a prisão preventiva dos pacientes

 

Em 12 de abril de 2010, a Autoridade apontada como Coatora, acolhendo representação de 8 de abril de 2010, do Delegado de Polícia Federal Fábio de Araújo Marques, decretou a prisão preventiva dos pacientes, nos autos do Pedido de Prisão Preventiva e Busca e Apreensão Criminal n° 0000455-02.2010.805.0033 (doc. 1-A), em tramitação na Vara Criminal da Comarca de Buerarema, do Estado da Bahia, nos termos da seguinte decisão, às fls. :

O Sr. Delegado de Polícia Federal, em Ilhéus, representou pela decretação da prisão preventiva de ROSIVALDO FERRIERA DA SILVA (vulgo Cacique Babau) CPF nº 735.316.005, RG nº 6483012 SSP-BA; JOSÉ AELSON JESUS DA SILVA (vulgo Teite), CPF 009.042.454-69; JURANDIR JESUS DA SILVA (vulgo Baiaco) CPF751.550.285-15; GLICÉLIA JESUS DA SILVA (vulgo Célia) CPF 021.256.835-39 e GIVALDO JESUS DA SILVA (vulgo Gil), CPF 017.901.185-57, fazendo-o em longo relato de crimes recentemente praticados pelos representados, a exemplo de formação de quadrilha ou bando e extorsão por entender presentes os pressupostos para o acolhimento do pleito, quais sejam, prova da existência do crime e indícios suficientes da autoria com o propósito de garantir a ordem social e a aplicação da lei penal.

 Representou, outrossim, com fulcro nos arts. 5º XI da CF art. 240 §1º ‘b’, ‘e’ e ‘h’ do CPP, pela Busca e Apreensão do caminhão Mercedes Benz 1518 Placa MWY 3587, com materiais de EPI, EPC, materiais de usa pessoal (cama, roupa) e materiais de obra, onde quer que o mesmo se encontre, mormente na Aldeia da Serra do Padeiro e nas fazendas pelos mesmos ocupadas na Serra do Padeiro, já que se trata de objeto de crime.

 Transcrevo trechos da inicial em que o representante relata detalhadamente o estado de assombro e de insegurança que se acha a população residente em Buerarema e na zona rural do mesmo município:

‘O presente inquérito policial foi instaurado em razão do comparecimento nesta Descentralizada do Sr. JOSÉ ELINALDO DE SOUZA MAIA, supervisor da empresa ARISTEL CONSTRUTORA LTDA, que presta serviços à COELBA no programa luz para todos do Governo Federal, informando que na manhã do dia 15.02.2010, índios comandados pelo Cacique BABAU, teriam interceptados uma equipe da empresa citada, a qual estaria fazendo serviços na fazenda MARUIM, composta por aproximadamente 11 pessoas em um caminhão Mercedes Benz 1518, branco, placa HWY-3587, afirmando que a equipe só sairia após serem executados os serviços de instalação de energia na fazenda onde o referido cacique se encontrava.

 No dia 19.02.2010, compareceu novamente o Sr. JOSÉ ELINALDO DE SOUZA MAIA nesta Delegacia, registrando a ocorrência nº 177/2010 no Livro de Plantão, informando que o caminhão Mercedes Benz 1518 placa MWY-3587, com materiais de EPI, EPC, materiais de uso pessoal (cama, roupa) e materiais da obra MP zona do maruim, continuava retido no local pelo Cacique BABAU.

No dia 12.03.2010, compareceu mais uma vez o Sr. JOSÉ ELINALDO DE SOUZA MAIA nesta Delegacia, registrando a ocorrência nº. 319/2010 no Livro de Plantão, para informar que ouviu dizer que o caminhão esta escondido numa casa de farinha, a beira de um rio, na própria comunidade da Serra do Padeiro. Além do caminhão estão todos os equipamentos de uso, EPI e EPCs, uma perfuratriz, conhecido como fuso e um muck de 1 toneladas. Segundo ele, a chave do caminhão está em poder dos Índios, assim como cartão de abastecimento.

 A Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia – COELBA ofereceu notícia criminis narrando o fato já noticiado por ELINALDO e requerendo a instauração de inquérito policial.

 Segundo a COELBA, ela ‘não se opõe a realização de obras de instalação de rede elétrica que visem a melhoria da condição de vida da população. Todavia, forçoso o reconhecimento de que a via escolhida pelo referido cacique para reclamar o procedimento por parte desta concessionária incidiu em prática delitiva’.

 Continuou a notícia criminis aduzindo que ROSIVALDO FERREIRA DA SILVA, subtraiu bens de terceiros através da apreensão do referido veículo, e, ainda, fixou condicionantes ilegais para devolver materiais que não são de sua propriedade.

 Prestou declarações nesta delegacia FRANCISCO JACINTO GUEDES LIMA, funcionário da ARISTEL- CONSTRUTORA LTDA, empresa que está prestando serviços à COELBA, contratada para realizar o Programa LUZ PARA TODOS. Segundo ele, no dia 10 de fevereiro, um mensageiro foi até o chefe da equipe dos trabalhadores, DOMINGOS LAERCIO, avisar que o cacique ‘Babau’ queria ter uma conversa com ele imediatamente, determinando que este fosse de pronto ao seu encontro, na aldeia do mesmo. Na reunião, o cacique ‘Babau’ falou para DOMINGOS que a empresa deveria imediatamente parar as obras que estavam realizando, pois exigia que antes daquelas obras pretederminadas pela empresa, seguindo o cronograma do Governo Federal, a empresa deveria primeiro realizar os serviços de ligação por rede elétrica de interesse do cacique ‘Babau’, realizando as ligações nas propriedades rurais por ele indicadas. A empresa, então, suspendeu a continuação da obra, trabalhando apenas tapando os buracos já abertos na área para fincar os postes.

FRANCISCO JACINTO continuou suas declarações aduzindo que no dia 13 de fevereiro de 2010, um sábado de carnaval, por volta das 08h30min, quando compunha equipe de trabalhadores atuando na zona rural de Buerarema, na região conhecida como Serra do Padeiro, foram abordados por aproximadamente seis pessoas, que indagaram aos trabalhadores o porque de estarem trabalhando, já que o cacique ‘Babau’ havia determinado a suspensão das atividades. O cacique ‘Babau’ estava presente, em companhia de seu irmão conhecido por GIL e de outro irmão conhecido por ‘TEITE’, além de um terceiro de nome JURANDIR (vulgo BAIACO0, contando ainda com a presença de mais três índios das quais não sabe descrever fisicamente, lembrando-se apenas que um destes três últimos portava uma arma na cintura, posicionada no cós da calça, parte traseira. Ele afirmou que estas pessoas chegaram com extrema arrogância, gritando com todos os trabalhadores presentes, ameaçando a todo instante ‘puxar a arma’, um gesto que entenderam os trabalhadores como de ameaça, porém, não chegaram a agredi-los fisicamente.

 O cacique ‘BABAU’ afirmou que, como a empresa havia descumprido a sua ordem, iria levar o caminhão consigo, e ficaria com ele até a empresa concluir as obras por ele exigidas, afirmando ainda que se não cumprissem as exigências em determinado prazo, o caminhão seria quebrado, depenado e incendiado.

 O caminhão apreendido pelos índios e um Mercedes Benz ano 2008, modelo 1518, placa HWY-3587, avaliado em R$    150.000,00 só o caminhão, que possui além da sua estrutura básica um guincho modelo Guindauto, também conhecido como Muck, além de equipamentos EPI e EPC bem como m Fuso utilizado para cavar buraco, acessórios estes que elevam o valor total do veículo para em torno de R$    250.000,00.

Também foi ouvido o representante da empresa ARISTEL – CONSTRUTORA LTDA. O Sr. JOSÉ ELINALDO DE SOUZA MAIA, o qual confirmou a versão do funcionário FRANCISCO JACINTO e acrescentou que a empresa marcou uma reunião, na aldeia, na qual estavam presentes o Diretor da COELBA TALES, o representante da FUNAI ROMULO e o fiscal OSMAR DE SOUZA, além de um representante da SEINFRA, mas os índios continuaram irredutíveis nas exigências, que eram consideradas exageradas, tendo em vista que as obras exigidas por ‘BABAU’, demandariam ao menos um ano para a sua conclusão, por tratar-se de área que e reserva ambiental exigindo licença dos órgãos de proteção ao meio ambiente. Como ‘BABAU’ e os outros índios presentes afirmaram que levariam o caminhão ‘por bem ou por mal’, deixando claro que se tratava de uma ameaça, os trabalhadores não esboçaram nenhuma reação deixando que os índios levassem o caminhão. Segundo ele, ‘BABAU’ determinou que ao seu irmão GIL, guiasse o caminhão até o local onde eles iriam escondê-lo e ‘BABAU’ ainda afirmou na ocasião que o caminhão iria ficar tão bem escondido ‘que nem helicóptero iria encontrá-lo e que só ‘BABAU’ e GIL saberiam onde o caminhão estaria escondido.

 A empresa tentou contato com ‘BABAU’ no sentido de reaver o seu caminhão mas nunca obteve êxito. Trabalhadores da empresa por vezes realizam buscas na região da Serra do Padeiro a procura do automóvel, buscas estas realizadas sem êxito.

 Na tarde do dia 30 de março de 2010, ELINALDO encontrou com um Fiat Uno da FUNASA, e pediu ajuda ao motorista do veículo na tentativa de localizar o caminhão apreendido pelos índios. O motorista respondeu que o problema tinha que ser resolvido com a moça que estava no banco do passageiro, já ela é irmã do Babau e era quem podia ajudar. A moça deu o nome de Glicelia e falou que ‘não tinha negociação, já que apenas entregaria o caminhão quando a empresa executasse as obras que eles queriam’. GLICELIA continuou dizendo que ‘os índios fizeram acordo com a COELBA, mas esta não cumpriu e ainda levaram os policiais federais para prenderem os seus irmãos, então não tinha mais acordo e que se quisesse o caminhão de volta teria que cumprir o combinado’.

 ELINALDO respondeu que vinha negociando com o Cacique Babau, por telefone, a liberação do caminhão apreendido, mas que após a prisão do Cacique Babau pela Polícia Federal, vem mantendo negociação com a índia GLICELIA, irmã de Babau, que se nega a dizer onde está o caminhão e o material apreendido, estando a empresa esta impossibilitada de dar continuidade nas obras em razão da apreensão do caminhão e do material.

DO NECESSÁRIO, É O RELATÓRIO. DECIDO.

DA COMPETÊNCIA DESTE JUÍZO

Este juízo é competente para processar e julgar a presentepostulação, porquanto a competência da Justiça Federal só se mantém quando o delito é cometido pelo índio em disputas de terras e de direitos indígenas (CC 39.389-MT, DJU 05.04.2004, p. 200).

ESCLARECIMENTOS PRELIMINARES

Comungo com o pensamento da Dra Karine Costa Carlos Rhem da Silva, DD. Juíza Federal da Vara Única de Ilhéus, nos autos do Proc. nº 2010.33.01.000192-6, abaixo transcrito:

‘A exemplo do que restou consignado em outro procedimento criminal da mesma natureza (2009.33.01.000911-5), cumpre uma pequena digressão dos fatos, por se tratar de questão de caráter étnico-social complexo, fazendo-se necessário contextualizar o tema para sua melhor compreensão pelos destinatários desta decisão.

 O presente inquérito investiga delitos ocorridos no cenário de controvérsia na disputa de terras entre a Comunidade indígena tupinambá e aproximadamente 600 (seiscentos) produtores rurais, abrangendo uma área de 470 milhões de metros quadrados, espalhados por 03 municípios baianos contíguos (Ilhéus, Buerarema e Una).

 Somente nesse contexto e guardando o prudente distanciamento das convicções étnico-sociais que envolvem o fato, será possível obter o necessário discernimento para decidir.

 A Comunidade Tupinambá, entidade que pretende ocupar a área se divide em 09 (nove) lideranças, dentre elas a Comunidade indígena Tupinambá Serra do Padeiro, liderada por um dos investigados, Cacique Babau, a quem se atribui, juntamente com seus seguidores, o extenso rol de delitos descritos na peça de representação.

 Cumpre informar, ainda, que as áreas em litígio, embora já tenham sido objeto de estudos pela FUNAI, ainda não foram demarcadas, cujo procedimento encontra-ser na fase de contraditório administrativo.

 Não obstante, mesmo antes de se dar início ao estudo técnico de demarcação, várias propriedade rurais foram invadidas, sempre com violência e ameaça, culminando com a expulsão os produtores rurais da área, que por sua vez ajuizaram ações de reintegração e interditos proibitórios nesta subseção judiciária, com vistas à proteção possessória.

 A orientação jurisprudencial pacífica do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, seja das Turmas, seja da Corte Especial, é manter os proprietários rurais na posse da terra até ultimação dos laudos antropológicos.

 A primeira conclusão que se chega, após os esclarecimentos preliminares, é a de que qualquer medida ou ação a ser adotada pelo poder publico deve ser no sentido da manutenção do status quo sobre áreas de terra em disputa, até conclusão final do processo demarcatório, sob pena de chancela aos atos de violência.

 Entrementes, no plano criminal, os fatos narrados e registrados no presente requerimento estão a exigir uma postura diferenciada deste juízo para garantia da ordem pública’.

BREVE RELATO DE ALGNS DOS DELITOS COMETIDOS PELO GRUPO INDÍGENA COMANDADO PELO CACIQUE BABAU

Março de 2007 – Ocupação da Prefeitura de Buerarema por grupo de índios liderados por Babau.

21.12.2007 – Registrada a Ocorrência nesta Delegacia por moradores da Fazenda Conjunto São José onde relatam que dois homens utilizando um veículo com logotipo da FUNAI e portando arma de fogo de grosso calibre fizeram ameaça de morte com o objetivo de tomar a referida fazenda, sendo que um dos homens se identificou como sendo o cacique Babau.

20.01.2008 – Invasão da Fazenda Bom Sossego em Uma Ba por índios Tupinambá da Serra do Padeiro.

20.01.2008 – Invasão da Fazenda São Roque em Uma Ba por índios Tupinambás da Serra do Padeiro, sob o comando do Cacique Babau.

20.01.2008 – Funcionários do Município de Buerarema Ba foram surpreendidos por um grupo de índios armados, liderados pelo Cacique Babau, que os levaram para a Serra do Padeiro com 06 (seis) veículos que ficaram retidos na aldeia indígena, sendo concedido mandado de busca e apreensão pelo Juízo de Direito de Buerarema para reaver os veículos retidos, posteriormente o Cacique Babau ameaçou queimar as máquinas caso suas reivindicações não fossem atendidas.

17.04.2008 – Prisão do Cacique Babau em razão de ordem preventiva expedida pelo Juízo de Direito da Comarca de Buerarema Ba.

20.10.2008 – Destruição do pára-brisa da viatura da Polícia Federal pelo Cacique Babau e outros índios e tentativa de manter os policiais em cárcere privado.

IPL 002-127/05-DPF/ILS/BA – Instaurado para apurar a ameaça sofrida por agricultores de Buerarema Ba por índios Tupinambás liderados pelo Cacique Babau.

IPL 002-491/07-DPF/ILS/BA – Instaurado para apurar a invasão da Fazenda São Jerônimo ocorrida em 29.09.2007 por índios Tupinambás liderados pelo Cacique Babau e que se apoderaram de 300 arrobas de cacau e 5.000 kg de seringa.

IPL 002-090/08-DPF/ILS/BA – Instaurado para apurar diversas notícias de crimes praticados pelos índios tupinambás da Serra do Padeiro, sob a liderança do Cacique Babau.

Em 20.04.2009 foi publicado no Diário Oficial da União, o reconhecimento dos estudos de identificação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença.

A partir desta publicação, relata a autoridade representante, que os índios tupinambás se acharam no direito de promover a invasão de diversas fazendas que se encontravam dentro da área delimitada pelo estudo da FUNAI. Começaram então, a serem praticados diversos delitos e atos de vandalismo, que resultou na revolta da população local.

De fato. No dia 26/05/2009, diante da notícia de que membros da comunidade indígena Tupinambás da Serra do Padeiro haviam invadido a Fazenda Santa Rosa, localizada no Município de Uma/Ba, sitiando funcionários na casa sede da fazenda, policiais federais deslocaram-se até o local onde encontraram um corpo do sexo masculino, além de 14 índios, os quais confirmaram a invasão da fazenda, mas negaram qualquer participação no homicídio. Na ocasião, foi lavrado o Termo Circunstanciado nº 2-003/2009-DPF/ILS/BA, em razão do esbulho possessório.

No dia 30/05/2009, equipe de policiais federais desta Delegacia de Polícia Federal em Ilhéus, acompanhados de policiais do Comando de Operações Táticas – COT e de dois Peritos Federais, lotados na SR./DPF/BA, retornaram na Fazenda Santa Rosa. Ocorre que quando os policiais se aproximaram da fazenda perceberam uma nuvem de fumaça encobrindo a casa sede e a movimentação de índios gritando e correndo para a mata fechada. Conforme o Laudo nº 518/2009. SETEC/SR./DPF/BA, o incêndio nas casas da fazenda não foi acidental, mas sim provocado. Em razão deste incêndio criminoso, foi instaurado o Inquérito Policial nº 192/2009-DPF/ILS/BA.

Em 02/06/2009, tendo em vista a notícia de que índios Tupinambás da Serra do Padeiro teriam invadido mais uma vez a Fazenda Santa Rosa, policiais desta Delegacia de Polícia Federal em Ilhéus, acompanhados de policiais do Comando de Operações Táticas – COT, retornaram a fazenda e lograram surpreender em flagrante delito cinco índios, os quais foram conduzidos a esta descentralizada, onde foi formalizado o Termo Circunstanciado nº 2-004/2009-DPF/ILS/BA, em razão do esbulho. Na ocasião, alguns índios, os quais conseguiram se esconder na mata que rodeia a fazenda, atearam fogo nas partes das casas que não foram atingidas durante o incêndio ocorrido no dia 30/05/2009. Em razão deste. Em razão deste fato, foi instaurado o Inquérito Policial nº 2-191/2009-DPF/ILS/BA.

Diante desse quadro, evidenciado fica o Cacique Babau capitaneia uma associação criminosa estável, que se escuda na vulnerabilidade inerente a causa indígena para praticar variada gama de ilícitos ao largo do jus puniendi estatal.

A Constituição Federal de 1988, nos arts. 231 e 232 cuida da questão indígena, reconhecendo ao índio sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, conforme (art 231 e 232, CF). Destarte, as organizações indígenas são protegidas constitucionalmente, mas evidenciado fica, no particular dos autos, que os representados praticam condutas ilícitas como se fossem superiores à lei, ao estado democrático de direito. Essas ações espalharam clima de pavor e medo nunca visto anteriormente, causando a sensação da ausência e incapacidade do Poder Público.

É cediço que a prisão cautelar é medida excepcional, só devendo ser decretada quando presentes o fummus bini iuri (prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria) e o periculum libertatis que, no presente vertente é a garantia da ordem pública.

Do exame que faço dos autos verifico a presença desses requisitos, somando-se a isso, ainda, que é fato público em toda a região sul da Bahia os reiterados atos de violência praticados pelas lideranças da aludida comunidade indígena contra pequenos agricultores, fato esse amplamente divulgado pela imprensa.

Necessário se faz o decreto de prisão preventiva dos representados com a garantia da ordem pública, pois somente assim essas manifestações de violência na região serão contidas.

A propósito, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar recentemente os requisitos da preventiva, no RHC 97449/RJ, acórdão publicado em 26.06.2009, a Min. ELLEN GRACIE certificou o entendimento de que a garantia da ordem pública visa, entre outras coisas, evitar a reiteração delitiva, assim resguardando a sociedade de maiores danos’ (HC 84.658/PE, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 03/06/2005), além de se caracterizar pelo perigo que o agente representa para a sociedade como fundamento apto à manutenção da segregação’ (HC 90.398/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 18/05/2007), além do que é representado pelo imperativo de impedir a reiteração das praticas criminosas, como se verifica no caso sob julgamento. A garantia da ordem púbica se revela, ainda, na necessidade de se assegurar a credibilidade das instituições públicas quanta à visibilidade e transparência de políticas de persecução criminal’.

POSTO ISTO, nos termos da fundamentação supra, decreto a prisão preventiva ROSIVALDO FERREIRA DA SILVA (vulgo Cacique Babau), JOSÉ AELSON JESUS DA SILVA (vulgo Teite), JURANDIR JESUS DA SILVA (vulgo Baiaco), GLICÉLIA JESUS DA SILVA (vulgo Célia) e GIVALDO JESUS DA SILVA (vulgo Gil), todos qualificados nos autos, ao tempo em defiro a Busca e Apreensão do caminhão Mercedes Benz 1518 Placa MWY 3587, com materiais de EPI, ECP, materiais de usa pessoal (cama, roupa) e materiais de obra, onde quer que o mesmo se encontre, mormente na Aldeia da Serra do Padeiro e nas Fazendas pelos mesmos ocupadas na Serra do Padeiro, já que se trata de objeto de crime. Cumpra-se expedindo-se competente mandado”(sic.)

(Doc. 1).

                       

II.                  Incompetência da Justiça estadual da Bahia para processar e julgar os pacientes

 

                                               O Juízo Estadual da Comarca de Buerarema é incompetente para processar e julgar os pacientes pelas supostas práticas dos crimes tipificados no art. 158 e no art. 312, ambos do Código Penal.

 

Esta conclusão é evidenciada pela exposição feita no próprio pedido de decretação de prisão preventiva, ao situar o fato relacionado à retenção de veículo de empresa contratada pela Coelba, para a execução de Projeto Luz para Todos, no contexto das disputas pela posse da terra que o Povo Tupinambá tradicionalmente ocupa.

 

O entendimento adotado na decisão impugnada para reconhecer sua competência, invoca precedente do Superior Tribunal de Justiça, o qual não corrobora sua conclusão. Ampara, na realidade o entendimento expresso pela Juíza Federal Karine da Costa, nos autos do Proc. 2010.33.01.000192-6, adotado e transcrito pela autoridade coatora em sua decisão ora impugnada, quando afirma se:

“(…) tratar de questão de caráter étnico-social complexo fazendo-se necessário contextualizar o tema para sua melhor compreensão pelos destinatários desta decisão”.

 

E Sua Excia, a Juíza Federal da Vara Única de Ilhéus, prossegue afirmando que:

“(…) o presente inquérito investiga delitos ocorridos no cenário de controvérsia na disputa de terras entre a Comunidade Indígena Tupinambá e aproximadamente 600 (seiscentos) produtores rurais, abrangendo uma área de 470 milhões de metros quadrados, espalhadas por 03 municípios baiano contíguos (Ilhéus, Buerarema e Una)”.

 

Quanto à situação jurídica da terra objeto das referidas “disputas”, a Exma Senhora Juíza Federal da Subseção Judiciária de Ilhéus/BA consigna:

Cumpre informar, ainda, que as áreas em litígio, embora já tenham sido objeto de estudos pela FUNAI, ainda não foram demarcadas, cujo procedimento encontra-se na fase de contraditório administrativo”.

 

Com efeito, os fatos noticiados no pedido de prisão preventiva estando reconhecidamente inseridos no contexto da disputa pela posse da terra, resulta que o órgão do Poder Judiciário competente para processá-los e julgá-los é, por expressa determinação constitucional inscrita no inciso XI, do art. 109, da CF, a Justiça Federal.

 

A Constituição de 1988 tratou com  profundidade e extensão os “direitos indígenas”, concentrando na União a competência privativa para legislar sobre populações indígenas; nos Juízes federais para processar e julgar as disputas sobre direitos indígenas e na administração pública federal para demarcar as terras que tradicionalmente ocupam, proteger e fazer com que os bens indígenas sejam respeitados, in verbis:

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(…)

XIV – populações indígenas;

(…)

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

(…)

XI – a disputa sobre direitos indígenas; (…)”

 

                                               A Súmula nº 140, do Superior Tribunal de Justiça que atribuiu à Justiça Estadual o julgamento dos crimes praticados por índio ou contra índio, não se aplica à hipótese dos autos, na medida em que os fatos expostos pela Autoridade Coatora na sua decisão ora impugnada, situam-se em contexto de disputa sobre direitos indígenas, com forte e intensa relação com a disputa sobre direitos sobre as terras que os Tupinambá tradicionalmente ocupam, como reconhecem, por exemplo, os seguintes julgados:

“CRIMINAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. LESÃO CORPORAL E HOMICÍDIO. ÍNDIOS KIRIRI COMO AUTOR E VÍTIMAS. DISPUTA SOBRE TERRAS DA COMUNIDADE INDÍGENA. ENVOLVIMENTO DE INTERESSES GERAIS DOS ÍNDIOS. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N.º 140/STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

I.        Compete à Justiça Federal o processo e julgamento de feito criminal onde vítimas e réu são índios de facções na Nação Indígena Kiriri, em razão de disputas sobre as terras pertencentes à comunidade indígena, se evidenciado o envolvimento de interesses gerais dos indígenas.

II.      Motivos/causas dos delitos contra a pessoa provenientes, em tese, de discordância entre grupos rivais frente à disputa de terras dentro da reserva.

III.    Inaplicabilidade da Súm. n.º 140 desta Corte.

IV.  Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 2ª Vara da Seção Judiciária do Estado da Bahia, o Suscitado”[1][1].

 

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL. HOMICÍDIO PRATICADO CONTRA INDÍGENA EM RAZÃO DE DISPUTA DE TERRAS. COMPETÊNCIA: JUSTIÇA FEDERAL.

A Constituição Federal, em seu artigo 231, impõe à União o dever de preservar as populações indígenas, preservando, sem ordem de preferência, mas na realidade existencial do conjunto, sua cultura, sua terra, sua vida.

Sendo a vida do índio tutelada pela União, é competente a Justiça Federal para processar e julgar crime praticado contra a vida do índio em razão de disputa de terras, não estando a Justiça Estadual, na presente ordem constitucional, legitimada a conhecer da ação penal proposta[2][2].

 

CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. ROUBO, FORMAÇÃO DE QUADRILHA E RESISTÊNCIA. DELITOS ATRIBUÍDIOS A INDÍGENAS. DISPUTA POR TERRAS INDÍGENAS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

1.Tratando-se de crimes praticados por indígenas na disputa de suas terras, estando evidenciado o interesse da comunidade indígena, a competência para o processamento e julgamento dos delitos é da Justiça Federal, não atraindo a incidência da Súmula 140 – STJ.

2. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da Vara Criminal de Passo Fundo – RS[3] Fonte: Cimi - Assessoria Jurídica

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